sábado, 16 de março de 2013

Numa curva da estrada




"Viajando solitário
Mergulhado na tristeza
Numa curva da estrada
Eu tive uma surpresa
Uma loira encantadora
Bonita por natureza
Me pediu uma carona
Eu atendi com destreza
Sentou bem pertinho de mim
Com muita delicadeza
O meu carro foi o trono,
Eu passei a ser o dono
Da rainha da beleza
Foi o dia mais feliz
Que o meu coração sentiu
Mas meu mundo encantado
De repente destruiu
Ao ver a loira tremendo,
Gemendo e suando frio
Parei o carro depressa
Na travessia de um rio
Enquanto eu fui buscar a água,
Que tão triste ela pediu
Ouvi cantar os pneus
E me dizendo adeus
Com meu carro ela sumiu
Somente um bilhetinho
Na estrada eu encontrei
Quando acabei de ler
Emocionado eu fiquei
No bilhete ela dizia
Por você me apaixonei
Só peço que me perdoe,
O golpe que eu lhe dei
Para alimentar a esperança
O seu carro eu levarei
Me procure por favor,
Quando me der seu amor
O carro lhe entregarei
Quem estiver me ouvindo
Preste muita atenção
O meu carro não tem placas
Mas vou dar a descrição
É branco e tem uma loira
Charmosa na direção
Dou o carro de presente
A quem fizer a prisão
Por ela ter roubado o carro
Já dei a absolvição
Mas vou lhe dar um castigo
Vai ter que viver comigo,
Por roubar meu coração."
Uma história linda que merece ser compartilhada pelo simples fato de ter sido contada com tanta simplicidade. 

sexta-feira, 8 de março de 2013

Com estilo


Um arranco fez com que seu corpo rolasse para fora do catre onde dormia no porão do navio. Uma garrafa verde onde na noite anterior um vinho insosso dançava de um lado para o outro estava vazia. O homem soluçava e sua cabeça latejava.

Um tripulante veio correndo escada abaixo. Sua barba já chegava ao peito depois de mais de dois meses fora de casa, sua pele já estava queimada de sol e da água salgada que lhe batia no ombro diariamente. Estava descalço e vestia apenas uma calça de pano cru.

— Seu Cristóvão, seu Cristóvão!

— Mas que merda é essa? — o homem jogado no chão perguntou. — Trombamos com algum iceberg?

Iceberg? Senhor, não existem icebergs por aqui. O senhor está bem, Seu Cristóvão?

— Que estranho! Deve que foi um sonho. Era um navio que trombava num iceberg e toda a tripulação morria. A única sobrevivente era uma moça linda, de cabelos ruivos com um lindo rubi pendurado no pescoço.

— Que história besta!

— Sim, uma história besta. Por um momento pensei em escrevê-la no meu diário, mas... tenho mais o que fazer.

Silêncio.

— Enfim, o que veio fazer aqui se não foi pelo iceberg?

— Foi uma ilha!

— Ilha? Que ilha? Estamos voltando para a Espanha? Eu disse “sempre Oeste, sempre Oeste”!

— Sim, e seguimos sempre para o Oeste, seu Cristóvão. E chegamos a uma ilha!

— Meu Nosso Senhor Jesus Cristo! Sai da minha frente, seu patife!

Cristóvão Colombo subiu ao convés e os homens já estavam descendo pelo casco do navio; outros desciam pelas cordas. As três naus que tinham partido da Espanha em agosto, Niña, Pinta e Santa Maria, estavam enfileiradas e os homens gritavam aleluia!

— O que esses homens estão fazendo? — Colombo perguntou para homem forte que cuidava das velas do Santa Maria.

— Estão descendo para terra firme!

— Eu entendi, mas... que lugar é esse?

— Quem se importa? Depois de tanto tempo fora de casa, eu só espero que aqui tenha vinho, ouro, pão com molho de peixe e uma rameira. Não precisa nem ser nessa ordem! — E virou as costas para procurar suas recompensas.

— Espere! Espere! Paaaaaaaarem!

E o silêncio se fez entre a tripulação. Só ouviam-se as ondas quebrando no casco do navio e o vento que vibrava as velas.

— O que vocês estão fazendo?

— Estamos indo pra terra firme, seu Cristóvão!

— Eu não sou cego, seus idiotas! Eu só quero saber porque vocês estão fazendo isso sem mim. Por que ninguém foi lá no porão me acordar? Onde está o imbecil que eu pedi para ficar lá no mastro e gritar terra à vista quando enxergasse alguma coisa?

Rodrigo apareceu devagarzinho com os olhos arregalados, com o corpo tremendo como uma ponte velha.

— Sou eu — sua voz saiu em falsete.

— Eu não pedi pra você gritar, gritar, terra à vista quando visse alguma coisa?

— E eu gritei, seu Cristóvão!

— E por que eu não ouvi?

— E eu que tenho que saber?

— Ô, seu Cristóvão, não é por nada, não — disse um homem moreno com uma trança na cabeça —, mas o senhor estava bêbado lá no porão.

— Vocês agora tem algum poder pra me julgar?

— A gente não tem culpa!

— Fui eu que trouxe vocês pra cá, seus inúteis! Como pode existir uma coisa dessas? Como eu posso descobrir alguma merda se eu estava dormindo no porão esperando que um paspalho gritasse terra à vista? É pedir muito?

— Bem, mas, de qualquer forma, a ilha já foi descoberta. O Pinzón tá lá gritando que descobriu uma terra virgem!

— Descobriu merda!

— O Pinzón é o dono dos navios, seu Cristóvão!

— Mas fui eu que inventei toda essa birosca de viajar para o Oeste e encontrar uma passagem para as Índias. Eu passei o que passei, falei com um monte de gente que me chamou de louco e de mentiroso, e um paspalho, dono de três míseros barquinhos, diz que foi ele quem descobriu “terras virgens”. Virgem é a...

— Mas o senhor tava dormindo, seu Cristóvão!

— Então, mata o Pinzón e vamos fazer a cena de novo.

— Fazer de novo? Que cena? Matar o Pinzón? O irmão dele tá ali na outra embarcação!

—Vamos voltar umas milhas pra trás, eu vou colocar uma beca que eu preparei pra essa ocasião e vamos descobrir as “terras virgens” de novo! Pega os trompetes e os tambores e vamos fazer a cena do descobrimento mais uma vez. Mas agora com estilo!

— Descobrir de novo, seu Cristóvão? Não tem como descobrir uma coisa duas vezes!

— Tem sim! Virem os navios e avancem até um ponto onde as terras não podem ser avistadas! Enquanto isso, eu vou me vestindo e vou escrever um documento que prova que eu sou o descobridor desse parangolé. Todo mundo vai assinar pra eu mostrar pro Rei da Espanha que fui eu, Cristóvão Colombo, quem descobriu as Índias.

— Mas eu nem sei escrever!

— Faz um risco que já tá ótimo! Rodrigo, vai lá no meu baú e pegue aquela túnica vermelha com fios de ouro.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Conto de fadas (sem fadas)



O príncipe, contrariando todos os princípios da família real conservadora, casou-se com a plebéia depois de salvá-la das perversidades de uma madrasta viúva. O casamento foi numa tarde fresca, com os convidados cercados por flores do campo amarelas e animaizinhos cantantes; durante a cerimônia, o casal se beijava com os olhares e bem distante os sinos tocavam com gozo e satisfação. E foram felizes para...

— Tu és virgem?

— Príncipe, o que tu esperavas de mim?

— Bem, eu... penso que, no fundo, eu esperava que tu fosses virgem, mas... ainda mais fundo, eu esperava que tu não fosses!

— Como assim? Tu serias capaz de casar-te com uma mulher desvirtuada? Com uma mulher furada? Nosso casamento estaria amaldiçoado antes mesmo de começar.

— O que eu quis dizer é que, de certa forma, eu já sabia que tu eras virgem, mas eu não estava preparado para isso. Eu... não me preparei para lidar com essa situação.

— Príncipe, tu fazes um mal julgamento de minha pessoa. É claro que eu me guardei para o dia da minha noite de núpcias. Apenas.

— Apenas? O que tu quiseste dizer com “apenas”? Quer dizer que... que... apenas na noite de núpcias?

— Bem, na verdade só podemos ir para a cama juntos para aumentar nossa prole, senão seremos excomungados! O demônio nos tenta, mas temos que ser fortes o bastante para resistir.

— Quê? Aumentar nossa prole...?

— Mas é claro!

— Então, bem... Eu não sei muito bem qual a próxima parte da noite de núpcias, mas... eu acho que agora é a hora de tu se despir.

— Eu? Mas é claro que não! Por mais que eu tenha sido criada por uma madrasta horrenda e mal-cheirosa, não quer dizer que eu não tenha pudores e princípios. A mulher nunca pode ficar desnuda na frente do marido.

— Como assim? Mas como que...? Eu não estou entendendo. Eu achei que tu ficarias nua diante de mim, iluminada pela luz da lua, momento em que eu contemplaria a sua pele alva, o seu corpo curvilíneo...

— Com certeza tu tiraste isso de algum poema escrito para uma meretriz! Pare de ler poesia indecente e imprópria para um homem casado!

— Desculpe-me, minha querida esposa, mas isso é a minha falta de tato com virgens.

— Falta de tato com virgens? Quer dizer que tu tens “tato” com meretrizes, mulheres perdidas e de má-nota?

— Não foi isso que eu quis dizer. Eu... bem... Nós, homens, temos... necessidades!

— Nós, mulheres, também!

— Que disparate! Como ousa em comparar os homens com as mulheres? Vocês, mulheres, são encarnações do diabo!

— É claro que temos necessidades...

— ... necessidades demoníacas!

—... mas, em nome da decência e da minha paz eterna, nós, mulheres direitas, decidimos esperar até o dia de nossas núpcias para que nossos corpos sejam deflorados sob as leis dos céus. Não quero que exista nenhuma mácula na minha alma!

— Espere só um instante: eu não estou conseguindo desabotoar esse botão da minha calça. Urrgh! Aaaah! Consegui! Esses alfaiates complicam muito as coisas com esses seus botões de ouro e esses couros duros que cheiram a mofo. Mas... sobre o que tu estavas falando mesmo?

— Nada.

— Bem, já que não vais tirar a roupa...

— Espere! Eu não disse nada sobre beijos!

— Como assim? Sem beijos, sem poemas, sem contato corporal... Como é que tu queres que esse casamento seja consumado?

— Tudo bem. Confesso que estou sendo um pouco exagerada...

— ... um pouco?

— ... mas prometo dar-lhe um beijo caso você lave essa boca. Seus dentes estão todos podres!

— E, por acaso, o seu sorriso é mais lindo que o meu? Pelo menos eu fui criado num castelo, enquanto, pela aparência de teus dentes, parece-me que tu comias cascalho. Onde é que tu perdeste teu canino esquerdo?

— Foi num dia que... Ah, não lhe interessa! Se continuarmos nesses termos, esse casamento não será consumado nunca!

— Se apagarmos aquela vela, não veremos nada. Sem dentes podres, sem corpos nus...

— Mesmo sem luz, eu não tirarei o meu vestido.

— Mas eu estou ficando sufocado com tanto pano! Eu não estou encontrando suas pernas. Meu Deus, tu tens mais pelos na perna do que eu!

— E seu toque é tão delicado como um touro. As mulheres da vida com as quais tu estás acostumado a lidar não lhe ensinaram nada?

— Bem que meu pai me disse que é o marido quem controla a língua da mulher.

— Ei, tire tua mão daí!

— Aaaau! Isso é um cinto de castidade?