segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Levaram a carteira!


Um menino feliz e serelepe resolveu ir à Biblioteca Municipal estudar para um trabalho. Depois de dois ônibus e um pouco de caminhada, chegou animado ao lugar. Abriu os cadernos, as apostilas, pegou um dicionário na prateleira e tudo corria bem.

Um ventilador no canto da sala de estudos esvoaçava algumas folhas em cima da mesa do menino. Ele colocou sua carteira de couro e seu celular sobre as folhas para que não voassem. Tudo corria bem.

Mas é segunda-feira... depois do almoço... dá aquela sonolência... as letras começam a embaralhar... a gente já não consegue assimilar tudo que está lendo. E esse menino resolveu dar um cochilo em cima dos cadernos. Quinze minutos não é nada! E deitou sobre os braços.

Quando acordou, pegou o celular e conferiu as horas: 15hrs. Mas... tá faltando alguma coisa no cenário... A CARTEIRA!

É difícil admitir, mas esse menino sou eu. Hoje à tarde.

Eu fiquei desesperado. Não é possível que eu tenha perdido minha carteira com documentos, cartões de crédito, cinco fotos 3x4 e três notas de R$2!

Saí perguntando às outras pessoas que estavam por ali. Alguém tinha que ter visto alguma coisa:

— Uai, tinha um homem moreno de camisa azul andando por aqui. Ele tava muito suspeito.

Como assim, gente? Como que é uma pessoa suspeita? Eu não vou acusar o homem só porque ele é moreno.

Cheguei numa das bibliotecárias e disse:

— Que que eu faço? Tenho que fazer um boletim de ocorrência! Liga pra polícia. Eu tô ferrado.

Vendo o meu desespero, um rapaz, que eu descobri se chamar Marcelo, disse que viu esse mesmo homem moreno de camisa azul mexendo nas minhas coisas, mas ele achou que ele estava comigo.

— Ow, cara, desculpa aí!

— Naaaaada! A culpa não foi sua, não!

E eu andando de um lado pro outro. Por fora eu era só um rapaz discreto que tinha perdido a carteira, mas por dentro eu queria gritar e fazer um barraco imenso dentro da Biblioteca. 
Dramático!

Os policiais chegaram, eu me apresentei e eles começaram a preencher o BO:

— Sua identidade, por favor.


— Er... moço, levaram minha carteira.

— Ah, é! Você sabe o número de cor?

E ele me fez um monte de perguntas. Dentre elas:

— Me conta o que aconteceu direito.

Eu falei tudo: estudo, sono, carteira e celular em cima dos papéis, a falta de alguma coisa. Foi 
nessa hora que uma bibliotecária, que não tinha nada a ver com nada, entrou no caso:

— Uai, mas, se o celular tava ao lado da carteira, por que ele não levou o celular também?



Por fora eu fiz essa cara, mas por dentro eu quis dizer:

— Essa pergunta é meio difícil de responder, né. A senhora não quer ligar pro ladrão, não? E isso não vem ao caso agora!

A entrevista continuou. Contei da testemunha.

— Ah, teve testemunha. Então, chama ele.

Eu fiquei tão grato pelo Marcelo ter ido me dizer o que tinha visto e ainda por cima ter me pedido desculpa que eu disse que não tinha necessidade de ele prestar depoimento.

Eu não era capaz de fazer uma descrição do ladrão já que eu estava dormindo a centímetros do furto, então a bibliotecária que tinha me prestado auxílio foi chamada.

— Ele é moreno, negro de cabelo liso.

— Negro do cabelo liso? — o policial riu. — Difícil, hein!

Eu lá desesperado com os meus cartões nas mãos de um desconhecido e o homem ainda faz 
piadinha. O pior foi a lição de moral:

— Da próxima vez, você presta mais atenção. Se você sabe que vai deixar a carteira largada por muito tempo, coloca ela no bolso ou na mochila. Não pode se desligar desse jeito.

Isso foi só a introdução. Eu senti que ele tava querendo jogar a culpa em cima de mim, mas... deixei pra lá. Ainda jogaram a culpa no Marcelo, que viu tudo, mas nada fez. Eu fiquei com raiva! A culpa não era minha nem do Marcelo. Nós não fizemos nada de errado. O culpado é o ladrão que pegou minha carteira, ora!

E quando eu fui agradecer ao Marcelo, ele me perguntou:

— Ow, cara, tu não precisa de um dinheiro aí, não? Pra tu voltar pra casa?

Fiquei até emocionado. Ainda existem corações bondosos nesse mundo.

Mesmo assim, não tinha mais clima pra estudar. Fui embora e todo homem moreno, de cabelo liso e camisa azul me chamava a atenção. Eu quase abordei um eletricista.

Agora, todo mundo tá tentando me consolar dizendo que não faz sentido esse homem continuar com essa carteira. Não tinha dinheiro (esculacha mesmo)! Ele vai devolver a carteira pra Biblioteca!

E eu? Fico só esperando, né. Sentado. Pena que eu não sei o nome do ladrão, porque senão eu já estaria seguindo ele... no Twitter.

P.S. Acabei de receber o BO por e-mail. Que modernidade! Colocaram que minha cútis é branca e o assaltante aparenta 35 anos.

sábado, 26 de novembro de 2011

Declaração


Ele virou-se pra ela com a maior seriedade que os seus olhos castanhos conseguiam demonstrar. 

Ele estava tremendo e sentia umas sensações pelo corpo que... não era hora de sentir!

Ele pegou a mão delicada dela e colocou-a no seu peito:

— Inês, eu... preciso te dizer uma coisa muito séria.

— Diga — ela falou distante.

— Tá sentindo o meu coração pulando? Pois é. Isso acontece toda vez que eu tô com você. É só você chegar perto de mim que eu... fico bobo, esqueço o que eu ia dizer. Eu perco os sentidos quando você me abraça ou quando eu sinto o cheiro do seu cabelo. Eu achei que... sei lá. Somos amigos, mas a gente não escolhe de quem gostar, né! Pra mim, você era como uma irmã, mas... eu me descobri... apaixonado por você. Eu te amo, Inês! Inês? Inês?

Ela olhava um menino de óculos e blusa amarela que passava.

— Olha que menino bonito!

— Inês, você escutou o que eu disse?

— Ahn... escutei! Escutei até a parte que você disse que tinha alguma coisa muito séria pra falar comigo. O que foi? Você engravidou alguém?

— Não. Eu disse que eu fico... Ah! Deixa pra lá.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Experiências e reflexões sobre a Saga Crepúsculo

 Assistir a algum filme da Saga Crepúsculo no cinema é uma experiência inesquecível. Essa é a minha segunda vez e, como a primeira, eu nunca vou esquecer.

Confesso que já gostei muito da série antes de todo mundo saber quem eram esses vampiros que brilham no sol, mas quando virou essa febre adolescente... Aff! Desanimei demais. Não aguento mais ouvir falar nesses vampiros bonzinhos. Mas precisava assistir aos últimos filmes pra... fechar um ciclo, né.

Em relação ao filme, é um dos melhores da saga. Tem mais de dois anos que eu li “Amanhecer”, então eu nem posso dizer se foi fiel ou não ao livro. Mas, de qualquer forma, a Stephenie Meyer é uma das roteiristas. Ela sabe o que faz.

Se entregar uns spoilers, eu nem vou ser crucificado porque não existe uma vivalma que não tenha lido essa série. Então, vou falar de alguns trechos que não me decepcionaram: o casamento do Edward e da Bella — ele com sua cara sofrida e ela com a cara pangó de sempre —, a lua de mel no Rio de Janeiro — Robert Pattinson falando português com sotaque ficou engraçadinho —, o imprinting de Jacob por Renesmee foi arrepiante e a transformação de Bella em vampira teve uns efeitos legais. Essas partes me deixaram satisfeito de ter pagado a entrada pra assisti-lo. E um destaque pra maquiagem. Troféu Joinha!

A cena de sexo entre os protagonistas, tão esperada pelas fãs recalcadas da série, provocou risos na plateia. Quebrar uma cama e deixar a mulher toda roxa não é algo que se vê todos os dias no cinema. E essa cena também provocou uma discussão acalorada — que ainda tem muitas considerações a serem feitas — sobre as capacidades sexuais do Edward.

Mas o melhor foi o final quando toca a música “It Will Rain” do Bruno Mars.

E, como eu disse no início, assistir Saga Crepúsculo no cinema é uma experiência inesquecível, uma experiência ímpar.

Em primeiro lugar, parece que a Saga incita as pessoas a fazerem comentários no meio do filme.

— Bella, sua vagabunda!

— Por mim você não chora, né!

— Vai ser burra!

— Me morde, Jacob.

— Oh, vida difícil.

— Isso não foi sexo, não.


E por falar em sexo... Tinha um casal no canto do cinema que estava muito assanhadinho, nuns amassos sem fim. Desde o início do filme eles estavam se beijando, mas o negócio foi esquentando, esquentando e eu não conseguia mais prestar atenção no filme. A cena real que tava acontecendo do meu lado tava mais interessante do que a Bella tentando se equilibrar num sapato de salto. Tenho a impressão que eles fizeram o que tinham pra fazer antes de Bella e Edward consumarem o casamento.

Quando eu vi, o menino já tinha jogado uma blusa em cima dos dois, a perna da menina tava pra cima e eu já não tava entendendo aquilo ali. Meu Deus! E até quando os vampiros lutaram com os lobisomens (não me lembro disso no livro), eles não se desatracaram.

E uma menina do meu lado chorando pelo Edward. Oh, meu Pai Eterno! Sai dessa vida, minha filha. Ainda mais o Edward. Hoje eu fiquei pensando como é que as pessoas se apaixonam por um homem estranho daquele.

Edward e Bella são um casal tão sem sal sem açúcar. Desde o início da série, eu torci pra ela largar esse homem branco e frio e ficar com o Jacob. Aliás, o Jacob, mesmo não tendo mostrado o seu tanquinho tão desejado, arrancou mais suspiros do que no filme anterior. Ele tava mais bonito nesse filme. E a Bella ainda prefere um vampiro... Coitado do Jacob.

Em suma, o filme superou minhas expectativas desde quando eu assisti ao trailer. Gostei muito e imagino que as fãs desequilibradas da Saga saíram aos prantos do cinema. 

domingo, 20 de novembro de 2011

Sofomania


[O diálogo não tem nenhuma base científica. É uma representação de diálogos reais.]

So-fo-ma-ni-a - s.f. 1. Afetação de sabedoria; 2. Mania de passar por sábio.

No churrasco:

— E aí, no final do filme, o cara salva a mulher e o filho e foge. Ah! E a casa dele explode. Muito massa!

— Ah, mas é sempre assim: muito previsível. Por esse filme, a gente pode entender um pouco sobre a teoria marxista das classes e toda aquela ideia freudiana da interpretação dos sonhos. A gente vai ver o conceito do individualismo. É a cara dele. E aí, a gente lembra que a cocaína era recomendada por Freud para seus pacientes. Daí que surgiu esse vício que move a tal personagem que morreu no acidente.

— Hã? Freud? Desde quando você lê isso? Você nem sabe que foi Marx!

— Aí, você me ofende. Marx é o filósofo, sociólogo, sexólogo, akpes-Ólogo, fixsga-Ólogo e... Ólogo! É isso. E Freud é o...

O outro o interrompe:

— Olha o que você tá fazendo! Fica falando e não presta atenção no que tá fazendo! Tá cortando a carne tudo errado!

— Calma, calma... Eu sei o que eu tô fazendo. A carne tem que ser cortada nesse rumo do nervo, ó. Você pega a faca bem afiada, segura aqui, assim, e vai passando a faca nesse sentido aqui, ó. Tá vendo?

— Tô, mas... Na verdade, eu nunca vi o açougueiro cortando desse jeito. Quer ver? Me dá a faca que eu te mostro.

— Esse açougueiro aí não sabe de nada — ele diz se afastando com a faca. — Eu fiz Agronomia.

— E tem alguma coisa a ver?

— Claro que tem! — ele diz indignado. E discursa sobre os seus dotes de magarefe adquiridos na faculdade.

O outro decidiu mudar de assunto:

— Fico pensando nos vegetarianos... Coitados, né. Deve ter uma vida tão sem graça.

— Pode até ser sem-graça, mas eles é que estão certos.

— Por quê?

— Uai, os seres humanos são herbívoros. O homem não foi feito pra comer carne. Porque, se o homem fosse feito pra comer carne, seu estômago deveria dar conta de digerir o osso. O ácido do estômago tinha que conseguir corroer o osso da galinha, por exemplo. Que nem no estômago do leão!

— Corrói o osso? Nunca ouvi falar nisso.

— Claro que corrói! O leão come carne, osso e pele. Come tudo! E, se a gente comer um ossinho... Nossa Senhora! E você já percebeu que, quando a gente vai numa churrascaria, a gente fica empanturrado o dia todo? É porque nosso estômago não foi feito pra isso!

— Mas eu lembro que na 3ª série a professora disse que os homens são onívoros. Sabe? Podem comer carnes e vegetais.

— Claro que não. Ela tava errada. Eu fiz Agronomia. Segundo a teoria evolutiva de Darwin, o homem... — e blá blá blá.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Uma trilha



"Tenho 90 anos. Ou 93. Uma coisa ou outra.

Quando temos cinco anos, sabemos até os meses de nossa idade. Mesmo por volta dos 20 sabemos quantos anos temos. Tenho 23, dizemos, ou talvez 27. Mas quando chegamos aos 30, algo estranho começa a acontecer. A princípio, é um mero sobressalto, um instante de hesitação. Quantos anos você tem? Ah, eu tenho — você começa confiante, mas depois para. Ia dizer 33, mas não é essa a sua idade. Você está com 35 anos. E isso o incomoda, pois você fica imaginando se não é o início do fim. Claro que é, mas ainda faltam décadas para você admitir isso.

Começamos a esquecer as palavras: elas estão na ponta da língua, mas, em vez de simplesmente saírem, permanecem ali. Subimos a escada para buscar alguma coisa e, quando chegamos lá em cima, não lembramos mais o que estávamos procurando. Chamamos um filho pelo nome de todos os outros e até pelo nome do cachorro antes de acertar. Às vezes esquecemos em dia estamos. E, por fim, o ano.

Na verdade, não é que eu tenha esquecido. Simplesmente deixei de prestar atenção. Passamos o milênio, disso eu sei — tanto barulho por nada, todos aqueles jovens chiando de tanta preocupação e comprando comida enlatada porque alguém teve preguiça de deixar espaço para quatro dígitos em vez de dois —, mas isso pode ter sido no mês passado ou há três anos. O que importa? Que diferença há entre três semanas, três anos ou até mesmo três décadas de purê de ervilha, mingau e fraldas geriátricas?

Tenho 90 anos. Ou 93. Uma coisa ou outra."

Trecho de "Água para Elefantes", Sara Gruen.

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O bigode



No último sábado, eu decidi mudar: deixei o bigode. Gosto de mudar o modelo da minha barba de vez em quando, porque eu não opção pro meu corte de cabelo. É sempre o mesmo. Então, eu deixo as costeletas, a barba toda, o cavanhaque, uma barbicha e, no último sábado, eu resolvi deixar o meu bigode.

Fiquei dentro de casa durante todo o final de semana até que hoje eu decidi dar uma volta. Fui ao cinema todo trabalhado na sensualidade forever alone, de mãos dadas comigo mesmo, triste, deprimido, cabisbaixo... Mentira! Tava super entretido com um joguinho do meu celular enquanto eu esperava pelos trailers.

No meu lado esquerdo, tinham dois meninos de uns 16 anos conversando sobre futebol, escola e... eh... outras coisas! Meus dedos estavam concentrados no joguinho, mas meus ouvidos, treinados pra isso, estavam prestando atenção na conversa deles.

Percebi que eles estavam esperando um terceiro amigo e um deles precisava buscá-lo na entrada da sala. Mas o cinema tava lotado. Um deles precisava ficar segurando dois lugares, mas... não dava.

— Pede o homem aí!

Nem liguei. Não era comigo, mesmo. Foi quando um dos meninos me deu um tapa na cara. Quer dizer, não foi um tapa, mas foi quase. Senti uma mão gelada no meu braço e uma voz tímida:

— Moço...

Eu olhei tipo “Hã? Tá falando comigo?”.

— Moço, você pode segurar o lugar pro meu amigo enquanto ele vai ali embaixo?

Meu Deus do Céu! Me senti o moço da padaria, o moço do açougue, o moço do picolé. Tipo, eu me senti um velho (que dramático)! Ao invés de usar “você” esse menino devia ter usado “senhor”.

— Eh... eu... eu vou colocar minha blusa e minha carteira. Pode ser?

— Sabia que pode ser, pode ser muito bom.

Ele não disse isso, mas fez um movimento com a cabeça que eu faria depois que meu pai dissesse:

— Eu deixo você sair hoje, meu filho.

Mas o bigode valeu pelo test-drive. Amanhã é feriado e depois de amanhã tem aula. Com certeza, eu não vou aparecer na faculdade com o meu bigode loiro. Bem, eu provavelmente não iria contar isso pra ninguém, mas eu não consigo. Não basta narrar a história milhares de vezes pra todos que eu conheço, cada vez de um jeito, aumentando um ponto, diminuindo outro pra história ficar mais interessante... Eu tenho que postar no blog pra que a fofoca ande mais rápido. Ria da minha cara antes que eu ria da sua.

domingo, 13 de novembro de 2011

Poetamorfando



“O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
Fernando Pessoa, Autopsicografia

Chove lá fora. Quarto escuro, assoalho de madeira, escrivaninha num canto, cheiro de querosene... Relâmpago!

O poeta escrevia no seu bloco de papel pardo com seu lápis de ponta grossa. Ouvia-se o barulho das gotas de chuva e do atrito do grafite no papel.

Era um poema de amor e o poeta quase que podia ver o rosto de sua musa inspiradora à luz da lamparina: seus olhos vivos, sua pele branca, seu ar tímido e sensual... Naquela hora, o racional só servia para juntar as letras e formar palavras, mas era o coração que dava vida às rimas, que pegava emprestada a mão do poeta para mostrar a força que batia.

Mas não era um amor correspondido e aquelas palavras românticas se transformavam; o coração tomava-se de dor e chorava aquelas letras cabisbaixas: uma letra trêmula e hesitante. Relâmpago!

E ainda havia um rival: quente, ousado e seguro. Sorria-lhe debochando do poeta. O poeta sentia uma agitação que subia pelas suas coxas, um enrijecimento da coluna, um fogo, uma erupção no seu peito. O coração escrevia com traços retos, rápidos e, às vezes, um tremor nas mãos fazia um risco no canto da página. 

Por fim, ele se deu por vencido e a morte pareceu-lhe branca, clara, calma. Enaltecia-a! O coração sentia isso. O sangue corria pelo corpo sem ânimo, desencorajado. E as palavras choravam com (como) o poeta. O fim era belo em versos e rimas.

Ele (o coração ou o poeta?) se deu por vencido. Batimentos fracos, pedaços que caíam! Todas as sensações descritas em pedaços de papel: o legado de um poeta apaixonado. A única herança deixada; produzida antes de trocar o lápis por um punhal. Ele se deu por vencido! Relâmpago!

O coração era jovem, mas já estava cansado de bater. As mãos agiam pela força da emoção. Aliás, o corpo inteiro: os olhos firmes, a mente vazia, o pulmão interrompido. Só as pernas insistiam em tremer. Na verdade, até o coração batia nervoso, mas a missão já tinha sido dada às mãos.

Um último suspiro, um movimento súbito e o sangue escorrendo da mesa para o chão. Relâmpago!

O poeta tinha dado morte a seus versos.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Os caminhos perdidos da minha mente

"Por que que eu passo tempo sempre sempre a perguntar?"
Gospel, Raul Seixas

Já passou da meia-noite. Eu tô morrendo de sono e tenho aula amanhã de manhã, mas eu não vou conseguir dormir sem escrever isso.

Bem, até chegar à universidade é um longo caminho de ônibus e eu tenho muito tempo pra pensar. Citando um chavão que eu sempre uso: cabeça vazia é a oficina do diabo. Mas é bom refletir um pouco sobre a nossa vida. [Quando eu começo a escrever um texto assim, eu imagino um monte de gente fechando a página e pensando: “Quando ele vai parar de escrever sobre isso?”].

Como eu já disse em outras oportunidades, eu adoro ficar em silêncio e conversar comigo mesmo sobre o passado. Não é só o museu que vive de passado. Na verdade, eu não vivo do passado: como um bom historiador que eu pretendo ser, só olho para o passado pra tentar entender o presente.

E as minhas reflexões ficaram mais complexas e mais animadas depois que o professor exibiu o filme “Efeito Borboleta”. Para quem nunca o assistiu, o filme conta a história de um homem que tem oportunidade de voltar no tempo e mudar algumas coisas no passado para consertar os infortúnios do presente. E era exatamente sobre isso que eu estava pensando dentro do ônibus enquanto ia pra universidade: o poder das nossas escolhas.

Eu acredito na força do destino mais que tudo nessa vida. Eu consigo sentir a minha liberdade em fazer o que eu quero: faço burradas, sou precipitado ou perco oportunidades; mas também me divirto, chuto o pau da barraca e aproveito a minha vida do meu jeito. É aquele tal de livre-arbítrio. Mas nada me tira da cabeça que tudo está [outro clichê] escrito nas estrelas. Brega! Mas é sério. Cada dia que passa eu acredito ainda mais que as nossas escolhas são influenciadas por alguma força superior que nos leva pro caminho que devemos seguir.

Não vou nem levar em consideração o lugar onde nascemos, porque senão eu teria que discursar sobre muita coisa aqui, mas vamos levar em conta uma coisa que está [ou julgamos estar] sob nosso controle: a escolha dos nossos amigos. Eu não sei nem medir o quanto algumas pessoas são importantes pra mim. Elas me apóiam, me aconselham, me ouvem. Mas... é estranho! Como eu fui encontrar uma pessoa que se encaixa tão bem? E se o destino tivesse me levado pra outro lugar?

Quando eu fui para a 5ª série, eu queria muito ir para um colégio na minha cidade, mas não consegui vaga. Fui para outra escola onde conheci pessoas maravilhosas que são minhas amigas até hoje. São algumas dessas pessoas que me completam tão perfeitamente. Mas e se eu tivesse ido para o outro colégio? Quem seriam meus amigos? Se eu tivesse conseguido mudar a força do destino, mudando de escola, ele me colocaria diante dessas meninas no futuro? Será que desde que eu nasci eu estava destinado a ser amigo delas? Quem eu seria se não tivesse as conhecido?

E isso é só uns dos aspectos que eu me pus a pensar no começo do meu dia [tão digerível quanto ovo frito e bacon no café da manhã]. O personagem do filme voltava no tempo e mudava uma pequena coisa no rumo da história e quando ele voltava para o presente, muitas coisas tinham mudado: ele morava com outras pessoas, ele tinha outros amigos...

É o que eu tinha dito: os amigos se encaixam tão bem que é difícil imaginar que a gente já não estava predestinado a se conhecer. E se eu não tivesse feito as escolhas que eu fiz?

E se eu não tivesse feito o meu blog? E se eu não tivesse optado por História no vestibular? Quem eu seria se eu não tivesse meus dois irmãos? O que seria de diferente em mim se um menino não tivesse tirado a minha calça na frente da escola inteira aos 11 anos? Que tipo de pessoa eu seria se eu não tivesse escolhido estudar música desde os meus 10 anos de idade? Eu seria diferente se eu não tivesse me isolado do mundo aos 11 anos, quando eu me dediquei apenas aos estudos, aos livros e à televisão? E os meus medos? Será que eu os teria se não tivesse assistido “O Sexto Sentido” aos 9 anos ou se eu não tivesse visto uma aranha gigante dentro de casa? [Tenho uma memória insuportável para datas e lugares].

É impossível acreditar que a pessoa que eu sou hoje não tenha sido... escrita desde quando a minha vida começou. O destino dá essa falsa liberdade, deixa a gente errar e tudo mais, mas ele está por trás de tudo. Tem os poderes para conspirar tudo a favor dos seus planos.

E daqui 20 anos? Será que eu consigo driblar o destino pra que o meu futuro seja diferente do que já está previsto? Ai, eu já não sei de mais nada. E a minha morte? A morte é algo inevitável, todos sabemos disso, mas eu tento ver um lado positivo [e espero que esse lado positivo exista]: quero que, depois que eu morrer, Deus ou alguns dos seus assessores me explique muitas coisas que eu não consigo entender.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Filosofia de boteco



— Não tem nada mais certo do que aquela frase: enquanto houver amanhã, haverá preguiça — o primeiro disse.

— Como assim? — o segundo perguntou.

— É mais ou menos como o lema dos preguiçosos, conhece? Pra que fazer hoje se eu posso fazer amanhã?

— Gostei disso! Bem pensado, bem pensado...

— E, se não houver amanhã, a gente é automaticamente obrigado a fazer tudo hoje.

Riram.

— Eu discordo — um terceiro entra no assunto.

— Discorda?

— Claro. Parto da ideia de que a preguiça sempre existirá. Gostei do que você disse no início, que, enquanto houver amanhã, haverá preguiça. Mas discordo do ponto em que você disse que, se não houvesse amanhã, seríamos obrigados a fazer tudo hoje. É claro que não! Se não houver amanhã, pra que eu vou fazer alguma coisa hoje? Pra que eu vou consertar o carro ou devolver o DVD na locadora se eu não vou viver mais nenhum dia?

Os dois primeiros riram alto com tamanha obviedade. Mas o primeiro ainda tinha que contestar.

— Mas eu disse que seríamos obrigados a fazer tudo hoje no sentido de... de... Já ouviu dizer que temos que viver o nosso dia como se fosse o último de nossas vidas?

— Claro.

— Então! Um dia a gente acerta — completou rindo.

— Mas quem me garante que existirá o amanhã? Quem disse que amanhã, sábado, eu vou estar aqui com vocês?

— Por isso que eu digo: faça tudo o que tem vontade de fazer porque senão você morre com vontade.

— Mas eu não quero pensar em pequenos planos. Meros desejos carnais. Meus planos são maiores, vão ocupar muitos dias da minha vida.

— Então, comece hoje mesmo.

— E se eu começar hoje e morrer amanhã. Tudo o que eu faria hoje teria sido em vão. Prefiro ficar aqui no bar vendo a vida passar, tomando uma cerveja e um torresmo com limão.

— Mas isso é um “mero desejo carnal”, como você disse.

— Eu sei. Mas, já que eu não vou poder realizar os meus grandes planos... só a bebida é o que me resta.

Silêncio.

— E eu também tô com preguiça hoje. E, se houver amanhã... também estarei. Quando alguém me garantir que eu não vou morrer no dia seguinte, eu começo a trabalhar.