domingo, 28 de fevereiro de 2010

O quarto vazio


Era terça-feira (dia de aula) e Lúcia acordou no mesmo horário de sempre. Ela estudava à tarde e precisava terminar alguns trabalhos que deixara inacabados na noite anterior.


Sua casa estava vazia. Todos estavam onde deveriam estar todas as manhãs.


Ligou uma música na sala enquanto juntava seus papéis e empilhava-os na mesa. Era muita coisa e Lúcia não tinha tempo de pensar em mais nada.

A música continuava na sala e ela não lhe dava mais atenção. Só tinha concentração para seus papéis. Estava tão absorta nos trabalhos que demorou a perceber que seu celular estava tocando. Olhou para a tela: Mateus. Era seu irmão. Ele estava na escola e provavelmente esquecera alguma coisa em casa.

— Alô!

Do outro lado da linha apenas silêncio. “Era um defeito no celular do Mateus. Já precisa trocá-lo”, ela pensou.

Voltou sua atenção para os papéis e o celular tocou novamente. Já esperava isso. O irmão precisava mesmo de alguma coisa em casa.

— Alô!

Silêncio.

— Mateus! — ela chamou. Mas ninguém respondia do outro lado da linha.

Ela desligou o celular. Estava começando a ficar intrigada com aquele silêncio. Dessa vez não parecia um defeito no celular do irmão. Alguma coisa estava acontecendo. Ainda tinha outra coisa lhe preocupava, lhe intrigava: o silêncio do outro lado era muito grande. Não tinha aquela zoeira dos alunos conversando…

Nem acabou de concluir seu pensamento e o celular tocou novamente. Parou de tocar antes que ela atendesse. Tocou de novo e ela não conseguia mais se concentrar.

— Alô! Quem tá falando? — Silêncio. — Isso não tem graça, viu, Mateus?

Do outro lado da linha não tinha mais silêncio. Era uma respiração cansada. O medo começou a lhe consumir. Do outro lado, o celular foi desligado.

Ela resolveu ligar para o irmão. O número indicado na tela do seu celular.

O primeiro toque foi ouvido. Não apenas pelo seu celular. A música do celular do irmão foi ouvida. Ela ficou completamente intacta. Sentada na cadeira, a música vinha do quarto do irmão.

A música parou e ela ouviu a respiração pelo seu celular. Ela desligou.

Demorou a perceber que ela não respirava. Seu corpo estava todo tenso. Ela não fez nenhum som quando virou de frente para o quarto do irmão… Seu celular tocou mais uma vez.

Mateus. Estava indicado no display.

Ela atendeu e a mesma respiração.

Ela andava lentamente pela casa ouvindo a respiração pelo celular e tentando distinguir algum som vindo do quarto do irmão aparentemente vazio.

A respiração parou. Lúcia desligou o celular.

Resolveu ligar para o pai. Percebeu que seus dedos tremiam quando ela tentava digitar o número. Uma vez… duas… três… O pai demorava a atender…

— Alô!

— Pai! Pai! Onde tá o Mateus?

— Uai! Na escola, né. Por quê?

— Eu liguei pro celular dele e dá pra ouvir o toque vindo do quarto dele.

— Lúcia, ele deve ter esquecido o celular em casa!

— Eu sei. O pior é que ele retorna a ligação.

A filha não sabia se conseguia passar para o pai o medo que estava sentindo.

— Vai lá no quarto dele e tira a dúvida. Não precisa se preocupar. Não tem nada de mais.

Lúcia continuava com o celular no ouvido, como se aquela ligação com o pai lhe desse mais coragem.

Ela foi andando vagarosamente.

— AAAAAAAAHHHHHHHHHH! — foi a única coisa que o pai ouviu antes que o telefone desligasse.

Ele ficou desesperado imaginando mil coisas escondidas naquele quarto vazio. Ele tremeu-se todo discando o número da filha.

— Alô! — Lúcia chorava.

— O que aconteceu, filha?

— É o palhaço do Mateus. Ele tava aqui no quarto me ligando. Idiota.

Todos respiraram aliviados.


Quando Lúcia entrou no quarto, Mateus estava deitado na cama, rindo do medo da irmã.

— AAAAAAAAHHHHHHHHHH!

— Calma! Eu só tava brincando.

— Idiota.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Confissões

Eu gosto de escrever sobre o que me interessa nesse blog, pensando no que pode ser interessante para outras pessoas, mas de vez em quando eu fujo um pouco essa regra. Eu resolvo escrever sobre o meu dia, as minhas tristezas, as minhas alegrias, fotos pessoais... É como uma forma de libertação.

Pretendo ser breve e espero não ter de escrever outro post assim nos próximos meses. Talvez nunca.

Acontece que na primeira semana de fevereiro (eu sei disso, porque também foi a primeira semana de aula aqui na minha cidade) eu comecei a sentir uma tristeza imensa. Foi como se tudo que eu depositava todas as minhas expectativas estivesse dando errado. Até meu computador estragou, que me rendeu algumas explicações aos leitores do Blog do Lucas (Nota de esclarecimento, 11/02/2010).

Tudo dava errado. Comecei a imaginar se o meu pensamento negativo estivesse atraindo acontecimentos tristes e desastrosos. Mas num momento de "depressão" é difícil pensar em coisas boas. Num livro de auto-ajuda parece muito fácil, mas na prática tudo fica diferente.

Uma das coisas que me aconteceu foi a separação de muitos amigos. São pequenos acontecimentos, nem são dignos de nota, mas que me deixaram muito triste. Com essa separação eu fiquei arrasado. Parece que os dias não rendiam, as coisas estavam embaçadas e eu não via a menor vontade de chegar o dia seguinte.

Eu acho que algumas pessoas que me conhecem de verdade perceberam que eu não estava muito bem. Não sorria tão frequentemente.

Na semana seguinte, tudo que tinha dado errado, passou a dar certo. Eu comecei a me animar.
Queria que o próximo dia chegasse rápido, que tudo acontecesse de uma vez. Aquela busca constante por alegria instantânea que tanto falam que os adolescentes possuem.

Tudo era um mar de rosas.

Chegou o Carnaval e tudo que era bom não era mais tão colorido. Eu já escrevi um post no blog falando sobre a minha maior tristeza (... , 28/08/2009), que é se sentir inútil. E foi uma semana que eu me senti completamente descartável. A semana passou e, no sábado, eu não lembrava o que eu tinha feito na segunda-feira. Como se tivesse passado um mês.

As aulas voltaram nessa semana e a minha mudança de humor foi ainda mais aparente. Tudo por causa do bendito (ou maldito, como preferir) vestibular.

Eu estou no 3º ano do Ensino Médio e as professoras não param de nos lembrar que no final do ano tem ENEM, tem vestibular, que não precisa de muita coisa para continuarmos na escola por mais um ano... Essa baboseira toda.

Então, na segunda-feira eu estava super animado para o meu vestibular de música. Estava muito feliz com minha decisão. Na terça-feira, eu já não tinha certeza e o curso de Letras me era mais atraente. Na quarta-feira, eu estava arrasado e querendo desistir de tudo. Mais tarde, eu consegui me animar. Fiquei até surpreso com minhas risadas de felicidade. À noite, eu já não estava tão certo. Na quinta-feira, a animação voltou. À tarde, eu queria vender meu piano e fazer o curso de Letras, mesmo. Ontem, eu não consegui nem rir das piadas do Desciclopédia.

Hoje, eu não queria ficar triste como quase todos os outros dias da semana. Disse pra mim mesmo: "Não vou me preocupar tanto. Não conheço ninguém que esteja tão nervoso quanto eu. Eu sou um idiota mesmo. Não vou levar a vida tão a sério. Vou deixar que as coisas aconteçam por si mesmas. E que tudo mais vá pro inferno!"

Não sei se alguém aguentou ler até aqui, mas se alguém leu, eu agradeço. Isso foi mesmo uma confissão. Quando eu ficar triste vou pensar nesses últimos dias e ver que as coisas não são tão ruins. Brincar de jogo do contente.

Espero não ter que fazer isso de novo. Isso é um blog divertido e não religioso ou psi-alguma coisa.

Amanhã eu vou ter mais inspiração. Aguarde até lá.

Obrigado

P.S. Falei dos amigos no início. Esqueci de citar que eles ouviram muito mais que tudo que eu escrevi. Muito obrigado!

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Ressacas do Carnaval

(Um braço forte está sobre o corpo de Doraci. Ela tenta acostumar os olhos com a claridade da manhã. Sua cabeça está martelando e seu cabelo está todo desgrenhado. Ela vira-se para o homem ao seu lado.)
DORACI: (balançando o braço.) David, David. Acorda! Aonde a gente tá?

(O homem levanta.)
HOMEM: Quem é David?

DORACI: Jesus amado! Quem é você?

HOMEM: Meu nome é Enrique, sou auxiliar…

DORACI: Não me interessa. O que você tá fazendo na minha cama?

ENRIQUE: Na verdade, você é que está na minha cama.

(Doraci olha para os lados e não reconhece o lugar.)
DORACI: Que lugar é esse?

(Enrique se levanta. Ele está só de cuecas.)
ENRIQUE: É o hotel do meu pai. Quando eu cheguei da farra ontem você tava aí. Não achei que teria problema passar a noite do seu lado. (Ele riu.) Ainda vou poder dizer para os meus amigos que passei a noite com uma mulher mais velha.

DORACI: Mais velha é a sua avó. Peraí! Amigos? Quantos anos você tem?

ENRIQUE: 17.

DORACI: Meu Deus do céu! (Ela se levanta.) Onde tá meu marido?

ENRIQUE: Você é casada? Então, não podia brincar com os meus sentimentos, poxa. Não podia me dar esperanças.

DORACI: Se eu te dei esperanças, eu estava fora de mim. Agora, me diga onde está meu marido.

ENRIQUE: Se for aquele que vomitou no corredor, ele tá no quarto no final do corredor.

(Doraci sai se equilibrando. Ainda está um pouco confusa, suas pernas ainda não obedecem com muita facilidade. Ela chega ao fim do corredor e abre a porta. David está abraçado com um homem.)
DORACI: David, que safadeza é essa?

(Os dois acordam. O outro na cama é Juliano, amigo de David.)
DORACI: Juliano?! O que você tá fazendo aqui?

DAVID: É mesmo. Bem que eu senti que a Doraci tava quente demais.

DORACI: AHN?

DAVID: Temperatura corporal, Doraci!

JULIANO: David, não é possível que você não se lembre. Dançamos até quase três horas da manhã. Você caiu no chão e eu te trouxe pra esse hotel.

DAVID: Ah! Eu nem reconheci o hotel. (Virou-se para Doraci.) E você, Doraci? Onde estava?

DORACI: Eu… eu… tava no quarto ao lado… Sozinha. É… eu acho que já tá na hora de irmos embora.

(Juliano e David se levantaram e os três foram andando cambaleantes.)
DAVID: Você sabe aonde tá o carro?

DORACI: Eu não sei nem onde eu tô, David!

JULIANO: Vocês deixaram há uns dez quilômetros daqui.

DAVID E DORACI: Dez quilômetros?!

JULIANO: É. Vocês vieram seguindo o bloco até cá embaixo. O carro tá há uns bons dez quilômetros
daqui, lá em cima da serra.

DAVID: Meu Deus do céu! Eu acho que eu nunca bebi tanto.

DORACI: Pior sou eu que nem sei como cheguei aqui.

(Já tinham andado pelo corredor, descido dois lances de escada e estavam na porta do hotel. Doraci viu que Enrique estava conversando com alguns adolescentes mais a frente. Ela empurrou David e Juliano para a direção oposta.)
JULIANO: Eu acho bom a gente pegar um táxi.

DAVID: Meu Deus! Dez quilômetros?

JULIANO: Não sei se a gente consegue achar algum depois de uma noite de carnaval, mas… Tudo pode acontecer. Ou talvez vocês prefiram subir a serra…

DAVID E DORACI: NÃÃO!

JULIANO: Tudo bem, então!

DAVID: Dez quilômetros? Eu acho que tinha alguma coisa a mais naquela bebida que eu tomei.

DORACI: O pior é que talvez a essa hora o carro nem esteja lá. Na verdade, talvez a gente nem se lembre
onde o carro ficou. É isso que dá deixar o carro pra ir farrear.

DAVID: Você queria que viéssemos de carro, seguindo o trio elétrico. Nem sei se o carro sairia ileso.

JULIANO: Doraci, eu acho que aqueles garotos estão olhando pra você?

(Doraci olha para o lado e vê Enrique com mais cinco adolescentes.)
DORACI: Imagina… Impressão sua.

DAVID: Até agora eu consigo ouvir o Rebolation.

JULIANO: Olha um táxi.

(Os três entram no carro. O carro é pequeno e os três ficam espremidos no banco de trás.)
JULIANO: David, onde você deixou o carro exatamente?

DAVID: Sei lá. Eu lembro que tinha um banco perto do hotel.

TAXISTA: Tem mais de vinte bancos na cidade, homem.

DORACI: Tinha uma… uma loja de souvenirs. Vendia canecas com o nome da cidade.

TAXISTA: Oh, mulher! Tem um mundaréu dessa vendinha na cidade. Você tá numa cidade turística.

JULIANO: Mas já diminuímos nosso campo de pesquisa. Perto de um banco e de uma lojinha de souvenirs. Ah! É logo onde começou o trio que tocava o Rebolation.

TAXISTA: Num sei não…

JULIANO: Toca pra frente, que depois a gente vê.

(O taxista ligou o carro e subiu a serra. O calor era insuportável misturado com a dor de cabeça da ressaca, o mau hálito da ressaca e do rosto inchado de uma noite mal dormida. David sentiu alguma coisa.)
DAVID: Juliano?

JULIANO: Fala.

DAVID: Você sabe onde eu deixei minha cueca.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Eu nunca mais ando sem documento

— Como assim? Eu não sabia dessas coisas. — Eu estava indignado com aquela notícia.

— Pois deveria saber, rapazinho — São Pedro repetiu mais uma vez. — Sem a documentação necessária não se pode entrar no céu. O senhor deveria ter prestado atenção nos panfletos colocados logo na entrada.

— Mas, São Pedro, o meu carro pegou fogo. Eu não tenho documento algum.

— É o que muitos que vem do inferno dizem todos os dias. Estou cansado da mesma
desculpa. — Virou-se para a enorme fila atrás de mim. — Próximo.

— E, então, como fica minha situação? Eu fico aqui? Um mendigo do céu?

— Olha, isso não é coisa muito certa de se fazer, mas… Eu posso te mandar de volta pra Terra.

— Me ressuscitar?!

— Não necessariamente. Como o senhor acaba de dizer, o seu carro pegou fogo. Eu não posso colocar sua alma num corpo carbonizado, né? — Abriu uma pasta. — Mas tem um corpo disponível. Não é 0 Km, mas dá pro gasto.

Eu não estava acreditando no que eu estava ouvindo. Uma segunda chance!

— Só porque eu sou camarada, eu vou adiantar pro seu lado. É uma burocracia danada, mas… vou te mandar hoje mesmo. Depois eu me entendo com o chefe.

— Estou pronto.

São Pedro puxou uma alavanca e eu senti minha alma despencar. Eu não estava nem acreditando que eu voltaria pra Terra. Poderia sentir o gosto de uma pamonha, acabar de ler o livro que eu estava lendo, ver o filme que estreia no mês que vem… Era bom demais pra ser verdade.

Boca maldita!

Senti um baque eu estava deitado numa cama macia e cheirosa. Minha cabeça estava doendo e minha orelha estava pinicando. Fiquei sentado e cocei a nuca. Meu cabelo não era tão crespo quanto eu me lembrava, eram até lisos demais, e depois de alguns segundos que eu percebi que ele também não era tão grande como agora. Nem tão loiro.

Coloquei os dedos no rosto e percebi que estava sem óculos. Já era um ponto positivo.
Eu consegui enxergar com os dois olhos. Perfeitamente.

Fiquei em pé e olhei para o quarto amarelo. Gente rica. Era bom demais. Um espelho.

Estava morrendo de curiosidade de ver meu novo corpo. Fui andando devagar, colocando meus pés descalços um a um. Sem barulho. Quase de frente, fechei os olhos.
Que rufem os tambores. Abri os olhos.

Antes eu não era tão jovem, tão magro, tão lindo, nem tão loiro. Loira, na verdade.

Eu era uma mulher.

— Jesus, Maria e José!

A camisola semitransparente permitia que eu visse meu corpo liso, sem nenhum pelo, sem nenhuma celulite. Esbelta. Via os traços finos no meu rosto, meu nariz delicado, meus lábios finos, meu cabelo sedoso. Via o contorno de minha silhueta, os meus seios redondos, minha cintura fina, minhas pernas espetaculares.

Eu ainda estava meio tonto (ou tonta) quando abri o guarda-roupa. Eu sei muito bem combinar roupas. É fácil. Mas eu não tinha mais de 150 opções de blusas, calças, cintos e bolsas. E acessórios.

Saí do quarto me equilibrando no salto. A primeira pessoa apareceu na minha frente.

— Dra. Vivian. Que roupa é essa?

Ótimo. Tudo que eu precisava. Mas eu gostei do “doutora”.

— É… Gruhm… Por que você tá me perguntando? — ouvi minha voz suave pela primeira vez.

— Hoje é segunda-feira. A senhora não vai para o consultório? — a mulher uniformizada me perguntou. Provavelmente, empregada domética da tal Vivian.

— Consultório. — Eu ri. — É claro. Eu vou para o consultório porque eu sou…?

— Psicóloga?

— Isso. Psicóloga. — Me virei para subir as escadas e pôr uma fantasia, digo, minha roupa de psicóloga. — Espere, Rita. Você sabe dirigir. Eu não estou bem pra dirigir hoje.

— Pelo que eu saiba a senhora nunca dirigiu. É por isso que tem um motorista. Outra coisa: meu nome é Maria.

Roupa de psicóloga eu desci pelas escadas e entrei no carro. A Vivian, quer dizer, eu ganho bem, né?

O motorista me levou para o consultório. Procurei na bolsa alguma coisa para eu me situar naquele prédio de 33 andares. Um cartão. Vivian Medeiros – 19º andar.
Eu acho que aquele foi um dia normal. Normal para uma psicóloga. Não tinha tido doidos como eu imaginava, mas eu pude ajudar os pacientes por causa da minha experiência em leitura de auto-ajuda.
Cheguei em casa morto (ou morta) de cansaço. Maria já tinha ido embora e o motorista me perguntou se precisaria de mim. Eu disse que não, mas essa noite precisava dar uma estudada na agenda da doutora.

Tomei um banho gelado e caí na cama com dor de cabeça. Tinha colocado uma camisa larga mesmo. O corpo dela ia desacostumar da camisola.

Minhas costas estavam doloridas. Eu não estava acostumado com aquele salto fino, nem com esses seios siliconados.

A campainha tocou e entrou fundo no meu cérebro. Tirei logo a roupa e coloquei uma camisola roxa que combinava com um robe (já estava aprendendo). Abri a porta, daquelas que só se vê em novela.

Um homem estava de costas (Meu Deus, um assassino?). Virou-se pra mim e me apontou um buquê de rosas vermelhas. Ele era moreno, com os cabelos caídos nos olhos verdes, barba mal-feita, roupa estilosa…

— Ainda não está pronta, meu amor? — ele aproximou seus lábios dos meus. Eu me
esquivei.

— Só mais tarde.

Ele se sentou no sofá.

— Eu espero o tempo que for preciso.

Merda. Quem é esse?

Subi as escadas correndo. Agenda, agenda, agenda…

ENCONTRO COM O BRUNO.
Que beleza! Que desgraceira! Aonde esse homem vai me levar?

Desci com um vestido vermelho, com medo que ele achasse que fosse vulgar (já comecei a ficar maluco. Estou preocupado com o que esse homem vai pensar!). Eu acho que eu tinha acertado na roupa, no sapato, na bolsa, no acessório, na maquiagem…
Quanta coisa, meu Deus!

— Você está linda!
Não foi possível contê-lo. Ele me beijou antes que eu pudesse me desviar. Ele era quente e tive a impressão de que tinha ficado algum fio de cabelo na minha boca.

Não tive que aguentar muita coisa. Quer dizer, coisa muito pior. Só mais meia dúzia de beijos (um até muito atrevido), uns elogios, a barba me pinicando e um aperto. Essa Vivian não sabia escolher. E se fosse o primeiro encontro, aquele cara estava muito saidinho pro meu gosto.
Em casa novamente. Sabia que algum dia precisaria dispensar o coitado do homem. Não sei como faria isso (eu sei o quanto dói ser dispensado), mas algum dia eu teria que fazer, antes que ele quisesse me levar pro apartamento dele.

Dormi.

Minha segunda manhã no corpo da Vivian. Eu acho que eu já podia mudar isso. Meu segundo dia como Vivian.

Sentei-me na cama. Dor de cabeça de novo. Eu não sei, mas eu acho que essa Vivian tomava umas…

— Meu Deus! — eu berrei.

Fiquei em pânico. Eu não esperava que fosse encontrar São Pedro tão cedo. Meu Deus do Céu! Eu tô morrendo. Me salva.

Maria entrou no quarto e me viu gritando, com as pernas abertas, olhando para o sangue na cama.

— Oh, dona Vivian. A senhora está tão esquisita ultimamente.

— Pára de me chamar a atenção — eu gritei. — Não vê que eu estou morrendo. É o meu fim.

— Que fim? Que fim que nada. — Ela entrou no banheiro da suíte. — A senhora só esqueceu o absorvente.

Pelo menos a Vivian sabia escolher bem os seus empregados. Maria foi tão prestativa. Nem se incomodou de eu ficar tão chato (ou chata): não querer comer, chorar vendo televisão, falar mal até a mãe… Até um abraço ela me deu.

— Eu sei como são essas coisas — ela disse. — Isso é assim, mesmo. Só dura uns cinco dias, depois é só no outro mês.

Meu Deus! Eu nunca mais ando sem documento.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Nunca fui beijado

A turma com que Inácio andava sempre questionava-o sobre seu poder de conquista. Nenhum dos três garotos daquela turminha de amigos tinha visto Inácio com uma garota (nem com um garoto). Começaram até a desconfiar da masculinidade do rapaz.

— Tá mudando de time, Inácio!

Inácio sempre desconversava dizendo que eles nunca o viram com uma garota porque...

— Porque... porque vocês nunca estão nos lugares certos nos momentos exatos.

A turma acabava mudando de assunto, mas aquilo ficava rodando na cabeça do coitado do Inácio. Era um segredo que ele tinha guardado durante tanto tempo. Achava que era normal, que algum dia aconteceria espontaneamente, mas nunca acontecera. Inácio era a única pessoa no mundo que sabia da sua situação: ele nunca tinha sido beijado. Talvez seja romântico demais dizer “nunca foi beijado”, mas a verdade era essa, nua e crua.

Um dia cansado de sua situação de seca e da zuação dos amigos, Inácio resolveu provar para eles (e para si próprio) que era capaz de beijar uma garota.

— Está certo, então! — um dos garotos disse. — Amanhã na boate perto do shopping.

Inácio achou que era pouco tempo para se preparar, mesmo assim disse que estaria lá.

— Nós vamos escolher as garotas e vamos ver seu poder de sedução — Lúcio disse quando chegaram na boate, acompanhado das risadas dos outros.

Lúcio apontou para um morena, de cabelos lisos, dançando junto de outra amiga.

Inácio hesitou, mas... foi.

— E aí, gata! — Inácio sabia que aquelas palavras não cabiam na boca, mas foi obrigado a dizer por conselho dos amigos. — Quer tomar uma bebida?

— Quero. Eu tomo uma cerveja e você um chá de sumiço.

Inácio queria enfiar a cabeça debaixo da terra. Não sabia o que era pior: o “fora” da garota ou a zuação da galera.

— Calma, Inácio! Calma! — Marcos dizia. — Você tem que ser mais poético.

“Mais poético… mais poético…”, e Inácio ia pra pista de novo e a galera atrás.

— Oi! Seu nome é Tamara?

— Não. — Inácio até sorriu. Pelo menos ela se interessou pela conversa. — Por quê?

— Porque você Tamaravilhosa!

A menina revirou os olhos e saiu para o outro canto da pista. A galera se dobrava de tanto rir.

— Agora é a vez daquela ali! — Lúcio apontou para uma garota no meio da pista.

— Lúcio, mas aquela é mais feia que briga de foice no escuro.

— Tudo bem! Vou ser bondoso com você! — ele olhou em volta. — Aquela ali, então. — Ele apontou para uma loira que virava o líquido de uma garrafa goela abaixo.

Inácio foi na fé.

— O que você tá bebendo, gatinha?

— Ice.

— Ice eu te pego.

A garota vomitou no chão. Ninguém sabia se era pela bebida ou pela qualidade da cantada. A turma morria de rir.

— De onde você tira essas pérolas? — Victor perguntou com a mão na barriga de tanto rir.

— Já vi a próxima vítima — Marcos gritou.

Ela estava dançando enlouquecidamente.

— Vê se não usa esses seus trocadilhos!

Inácio atravessou a pista decidido. Os outros três não conseguiram nem acompanhá-lo direito.
Pensaram que ele ia usar uma pior ainda e estava com vergonha.

Ele chegou perto da moça e começou a dançar. As luzes o tonteavam, mas ele continuava.

— Você tá sentindo um cheiro de tinta? — ele gritou.

— Não — a moça respondeu. — Por quê?

— Porque tá pintando um clima no ar…

Inácio sentiu que o rosto da garota se aproximou. Sentiria o gosto do primeiro beijo. Faria média
com a turma…

Não era nada disso. A moça tinha lhe reconhecido. E ele também. Sua prima, Laura.

— Você por aqui?

Inácio sorriu amarelo.

— Pois é.

Inácio tentou achar os outros. Viu que eles estavam mais adiante com cara de “não estou entendendo nada”. Ele percebeu que dali eles não ouviriam nada. Tomou a decisão. Segurou na cintura da prima.

— Eu tô com a turma da escola aqui e eles querem que eu beije alguém, mas eu não pego nem resfriado. Me beija agora ou eu conto pra sua mãe os lugares que você frequenta, priminha.

Ela ficou com uma cara de brava. Inácio achou que ela fugiria. Fez aquela cara de piedade e Laura entendeu a situação. Sabia como eram os adolescentes. Inácio, provavelmente, tinha sido até interrogado sobre sua masculinidade.

Ela beijou-o.

Inácio sentiu o gosto do primeiro beijo. Não era com quem ele esperava. Conhecia Laura desde criança. Sua mãe conhecia Laura desde criança.

O importante é que tinha cumprido sua missão e a galera agora respeitava o pegador do pedaço.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Nota de esclarecimento!


Desde o ano passado, quando eu criei o meu blog, eu não tinha ficado mais de dois dias sem visitá-lo. Claro que em alguns momentos de falta de inspiração eu não conseguia atualiza-lo com muita frequência, mas mesmo assim nunca tinha ficado tanto tempo sem o Blog.


A última postagem do Blog do Lucas data de quarta-feira passada, ou seja, exatamente uma semana, mas... Para quem não sabe, existe uma maneira de programar as postagens para dias posteriores. Foi o que aconteceu.

No domingo, último dia de janeiro, eu programei a postagem para quarta-feira, porque eu não sei se eu teria tempo por causa do volta às aulas.

Na segunda-feira, primeiro dia de aula, o computador funcionou até às sete da noite, mas eu ainda não tinha navegado ainda.

Mais tarde, quando era a minha vez de fazer o que eu tinha para fazer na Internet, o computador não ligava. Na verdade, ligava, mas ficava com uma tela preta. É a mesma coisa de não ligar.

Levamos para a manutenção e aguardamos até na quinta-feira quando recebemos a trágica notícia de que o HP do meu computador tinha dado morte cerebral. Eu tinha mais de cinco mil músicas, várias fotos de festas e amigos, vários textos de ideias para o Blog. Tudo foi para o além.
Fiquei um pouco arrasado, isso é normal. A única coisa que eu conseguia pensar era quando eu voltaria a postar no meu blog, sendo que todas as Lan House da cidade se extinguiram.

Não sabia que o computador ia chegar tão cedo. Só esperava ele em março, mas é melhor não reclamar, que nos últimos dias eu descobri aquele mal de “boca maldita”.

É isso aí. Isso é apenas uma nota de esclarecimento, sobre o desleixo desse blogueiro que vos fala.

A partir de hoje, o Blog do Lucas e o Café e Pipoca, também, serão atualizados como de costume.

Atenção, atenção!

Obrigado pela atenção.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Dicionário do Cowboy


Escrevi esse dicionário no primeiro trimestre de 2006. Achei nas minhas coisas antigas e resolvi publicar. Espero que se divirtam.


DICIONÁRIO DO COWBOY
Abeia braba: É o peão que não consegue ficar em cima do animal.

Ajeitado: Bonito.

Bicharedo: Pessoa legal.

Bitelo: Rico.

Bóia: Comida.

Cancha: Contar vantagem.

Chaiene: Bonita.

Cumpa: Amigo.

Dar febre: Incomodar.

Escorpião no bolso: Pão-duro.

Isso não vira: Não vai dar certo.

Jogar pedra nas pombinhas: Segurar vela.

Mofete: Chato (a).

Moiá as palavra: Beber pinga.

Pialo: Tombo.

Rango: Comida.

Tem base? : Dá pra acreditar.

Vazar: Ir embora.

Aguarde!
Breve "Dicionário do Surfista" (2006) e "Dicionário do Mineiro" (2010).