terça-feira, 30 de novembro de 2010

#TopTop2


Como eu já fiz uma vez aqui no meu blog, nos momentos de muito aperto no meu dia-a-dia, eu vou recorrer ao recurso #TopTop. Agora, na segunda edição.


Serão 7 posts seguidos falando sobre as minhas preferências, os meus gostos. O melhor, na minha opinião, sobre arte.

Obrigado pela compreensão e na semana que vem (depois do meu vestibular) eu volto com mais textos no Atrás do Horizonte.

Até +

domingo, 21 de novembro de 2010

A Bruxa da Rua Donavan

Júnior é um adolescente que trabalha para um supermercado da cidade. Não se sabe o porquê — o tamanho da cidade ou o movimento do supermercado —, mas as entregas são feitas de bicicleta. Daquelas que tem uma caixa na frente. E Júnior era o responsável pelas entregas.

Mas ele quase nunca saía até muito longe. Uma vez tinha ido num bairro logo acima que tinha muitas ruas sem asfalto; outra vez tinha ido ao último bairro, no extremo norte da cidade; e naquele bairro separado dos outros tinha se perdido uma vez.

O patrão, um senhor simpático de cabelos brancos, óculos e grande nariz, atendeu ao telefone. Uma voz esganiçada, é o que dá pra se imaginar dessa personagem, pediu alguns itens, sempre explicando para que seria usado:

— Quero meia dúzia de agulhas — leitor, não se esqueça da voz esganiçada! — e um retrós de linha para a minha costura. Quero uma caixa de velas. Sim, pois na noite passada cortaram a energia da minha casa. Ficamos no breu sem velas. E traga muitas caixas de fósforo. Um maço de caixas de fósforo. Sim! Preciso queimar... coisas... velhas. E traga uma cachaça. Branca. Não quero aquelas coisas aromatizadas. Aqui em casa já tem muita canela, hortelã e arruda.

— Qual é o endereço?

— Rua Donavan, nº 13.

O dono do supermercado desligou o telefone quando o pedido tinha sido feito. Estava com a cabeça tonta de tanto ouvir a mulher falar.

A Rua Donavan ficava bastante longe. Não era no fim da cidade, mas Júnior deveria atravessar muitos bairros até chegar à casa da cliente.

Júnior colocou as sacolas dentro da caixa da bicicleta e saiu. Gostava de andar em alta velocidade; voar baixo, como dizia para os amigos. Ele chegou ao bairro e levou muito tempo para encontrar a rua procurada.

Desceu por um conjunto de prédios decrépitos, umas antigas instalações de fábricas, mercados, estoques e, diziam, até uma cadeia. Marcos, amigo de Júnior, conhecia aquele prédio: dizia que era possível ouvir gritos durante a noite.

Um calafrio desceu por sua espinha.

Número 13. Um número instigante. Uma casa sem pintura, um portão de madeira caindo aos pedaços; sem capainha, já se podia supor. Com os nós dos dedos, Júnior esmurrou o portão de madeira.

Um homem enorme abriu o portão. A descrição é de baixo pra cima, que é menos assustadora: estava de chinelos, calça surrada até não poder mais amarradas por um cordão, sem camisa — daquele físico chassi-de-grilo, com pelos nos umbigo —, um colar de conchas — pelo menos parecia —, dentes amarelos e um cabelo cinza gigantesco que se estendia pra todos os lados: alto, baixo, direita e esquerda. Poderia ser confundido com um hippie nos anos 60.

— Que que você quer aqui, moleque? — Pra completar, um hálito horroroso.

— É... é... cof, cof... eu trouxe uma entrega.

— Entrega? É a galinha?

— Não. É do super-mer-mercado. — Ele olhou dentro da sacola. — Tem... é... algumas... velas, fósforos e... agulhas e linhas.

O homem tomou a sacola da mão do menino numa velocidade assustadora. Júnior teria desmaiado, mas ele precisava viver até o próximo capítulo dessa história.

— Entra.

Não teve como recusar. O homem gigante lhe puxou pelos braços e bateu o portão de madeira.

Tudo dentro daqueles muros altos era sujo: penas e folhas espalhadas por todo o jardim — se aquilo poderia ser chamado de jardim —, restos de comida jogados num canto, ratos e galinhas e gatos coexistiam naquele ambiente. Uma mancha vermelha pareceu sangue aos olhos assustados de Júnior. “Eu quero a minha mãe”, foi a única coisa que ele pôde pensar antes de chegar a mulher.

Panos e mais panos cobriam o pedaço mínimo de gente que andava. Abraçada a um gato, muitas penas e folhas no seu cabelo grisalho, diferente de sua boca que tinha poucos dentes. Dois, talvez.

O homem estava ao seu lado com um guarda-costas. “Seu filho”, pensou Júnior.

— Trouxe toda a mercadoria, meu jovenzinho?

Ele respondeu com um gesto. O seu corpo estava tenso, mas ele tentava disfarçar o medo. Mas ele sabia: os olhos são incapazes de mentir. E aquela bruxa que fazia rituais com gatos, galinhas, ratos, acendia velas para iluminar a macumba, que bebia cachaça nesses ritos e fazia bonecos de pano com aquelas agulhas e aquelas linhas lhe olhava sempre nos olhos, como se querendo descobrir algum segredo.

— Me dá o dinheiro — ela disse para o homem. Júnior, agora, concluiu que ele não era filho da bruxa. Só se aquela mulher fosse tão doida que beijava um filho na boca tão ardentemente. Ela lhe passava a língua murcha pelo pescoço, no peito, até a barriga. Ele tinha quase o dobro de sua altura.

— Eu não tenho — ele respondeu.

A bruxa velha riu. Seu parceiro também.

— Não quer entrar pra tomar um chá — ela fez o convite ao rapazote.

Júnior teria atravessado aquele portão de madeira no peito se ele não tivesse aberto. Montou na bicicleta e, agora sim, voou baixo. Seu patrão teria que descontar aquele dinheiro do seu salário, mas ele não voltava no nº 13 da Rua Donavan.

Naquela noite custou dormir. Quando conseguiu, teve pesadelos. Imaginou cenas íntimas do homem gigante e da mulher de dois dentes. Sonhou com os bonecos de cera, com as galinhas sacrificadas e nos ratos que viviam dentro do armário onde aquela mulher guardava o chá que tinha lhe oferecido. Acordou assustado quando sentiu a textura daquela língua murcha pelo seu pescoço, no peito, até a barriga...

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Se Harry Potter fosse brasileiro...

Eu sei que, pra quem não gosta de Harry Potter, deve estar sendo um porre ver posts quase todas as semanas sobre a série. Mas eu prometo que a frequência vai diminuir com a estreia.

Então, hoje, dia 19 de novembro, é o grande dia. A estreia do filme mais esperado do ano: "Harry Potter e as Relíquias da Morte - Parte 1." Eu não sabia como registrar isso no meu blog, então eu resolvi escrever sobre a tag do Twitter #SeHarryPotterFosseBrasileiro. As melhores estão listadas abaixo.


  • Entraria em Hogwarts pelo Bolsa Bruxo ou pelo ProBrux. Teria o "Auxílio varinha" e o "Vassoura para todos"!
  • A Floresta Proibida já teria sido 80% desmatada.
  • Falaríamos 'Héri Pote'
  • Os Weasley ganhariam Bolsa Família.
  • Ninfadora Tonks se chamaria Marimoon.
  • Dumbledore não teria o dedo mindinho e iria colocar a Umbridge como Ministra da Magia.
  • Snape seria emo, Rony seria colírio e Luna seria da família Restart!
  • A Murta que Geme seria a Joelma do Calypso.
  • O Rony se chamaria Ronyscleidson Wesley da Silva, e teria entrado em Hogwarts pelo PROUNI.
  • Os filmes seriam "A Pedra do Crack”, "A Câmara de Gás”, "O Prisioneiro do Carandiru" e "O Cálice Ou Eu te Mato"
  • Haveria urubus em vez de corujas.
  • O feitiço "Expelliarmus" seria: "Perdeu playboy!"
  • Galvão Bueno narraria os jogos de quadribol.
  • Tom Riddle diria: “Tom Riddle, o caralho! Meu nome agora é Voldemort, porra !!”
  • Nossos órgãos públicos estariam cheios de funcionários fantasmas. Peraí, isso já acontece.
  • Ou passa o colar de ouro madame ou te jogo uma "Avadra Kedavra"
  • Snape não ia andar todo dia com aquele monte de roupa preta pra cima e pra baixo nem a pau.
  • A varinha seria vendida no Polishop e teria mais de 20 funções.
  • Já teriam caído na internet fotos da Gina de calcinha e sutiã.
  • Não estudaria na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts e sim na Casa do Preto Velho de Pai Zezinho de Ogum!
  • Gringotes ia ser assaltado de cinco em cinco minutos.
  • O Hagrid já teria a sua cabana reformada pelo Gugu ou Luciano Huck!
  • A tia dos doces no trem a caminho de Hogwarts estaria sempre dizendo “Eu podia estar matando, roubando...”
  • Ele seria revoltado, Edwiges seria um papagaio, Rony moraria na rocinha e Hermione estaria chorando pelo Enem.

Uma homenagem singela ao final épico do mundo de J.K. Rowling.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Coisas da Internet (IV)

Ai, que saudade que eu tava do Coisas da Internet. Fazendo as pesquisas pra esses posts, eu fico impressionado com a mente humana, né! E também, eu fico rindo até não querer mais.

Abaixo, algumas notícias dos últimos tempos (não é sobre 2012, não!).


Senhora de 59 anos incendeia sua casa tentando matar uma perereca (11 de novembro de 2010)
Depois de ver uma perereca no seu banheiro, a mulher fez uma tocha improvisada com um pedaço de madeira e um retalho de pano. Mas esbarrou num vidro de álcool que foi a causa do incêndio. (Link para notícia)(Essa mulher não tinha uma cabeça muito certa, não. Foi queimar a perereca. Que judiação!)

Filme pornô em 3-D está sendo produzido em Hong Kong (14 de maio de 2010)
Dirigido por Christopher Sun, o filme 3-D Sex and Zen: Extreme Ecstasy é a continuação de um filme pornô de 1991. A primeira produção pornô em 3-D será lançada em maio de 2011 e teve o custo de 3,2 milhões de dólares. (Link para notícia)(É umas coisas que... Credo! Imagina o monte de tarado assistindo a essa merda. Os produtores estão dizendo que vai ser a mesma coisa que estar em cima da cama com os atores. Eu encontrei homens que vão assistir esses filmes na notícia abaixo.)

Homens roubam caminhão de Sex-shop (13 de maio de 2010)
Em Plymouth, nos Estados Unidos, um caminhão do Sex-shop Lover's Lane foi roubado com mais ou menos R$ 440 mil em produtos. Entre os produtos estão vibradores, bonecas infláveis, trajes de fetiche e lubrificadores. (Link para notícia)(Queria saber como é que esses caras vão ter tanta criatividade pra usar todos esses produtos. Fica a dúvida.)

Bordel, no Peru, é incendiado por clientes insatisfeitos (30 de setembro de 2010)
Aproximadamente vinte homens queimaram colchões, sofás e outros móveis do prostíbulo na cidade de Ayacucho, no Peru. Eles dizem que foi pela falta de qualidade dos serviços prestados e pelos seus objetos que eram afanados enquanto... eles eram atendidos. (Link para notícia)(É umas coisas, né! Como é que essas prostitutas estavam atendendo os caras? Eu poderia escrever várias sugestões para essa pergunta, mas eu me propus não escrever sobre pornografia no meu blog.)

Então é isso! Aguardem,

Depois tem mais.

domingo, 14 de novembro de 2010

Saindo da rotina

Esses dias atrás eu estava pensando sobre os programas que eu fazia com minha família quando eu era criança. Assim, quando somos crianças nós somos obrigados a andar com nossos pais, mas nós nem nos sentíamos obrigados porque era muito divertido. Hoje ainda são divertidos alguns programas em família, entretanto a inocência e a curiosidade da infância fazem com que a gente aproveite mais.

Enquanto eu pensava, lembrei-me de um programa que era o top dos anos 90 na minha cidade: ir pra beira do rio. A gente falava que ia pro “corgo” (tradução: córrego).

Eu acho que todo mundo que tem mais ou menos a minha idade já foi pro “corgo”. Era, literalmente, um programa de índio. Socar no meio do mato pra comer, nadar e beber.

Primeiro, eu e meus primos ficávamos doidos de ansiedade. Nem dormíamos na noite anterior. A gente acordava às cinco horas da manhã e ia pra cama dos nossos pais gritar:

— Já tá na hora! Já tá na hora!

Depois, a gente enfiava umas dez pessoas dentro de um carro. Não era toda a família que tinha carro, então ia todo mundo amontoado em duas longas viagens até o meio do nada.

A gente chegava muito cedo, a água ainda tava fria. Então, a gente não nadava de imediato. Ficávamos de chinelos, com os pés na água; depois, a gente se sentava na água; depois a gente pulava no rio; depois precisava de adulto pra socorrer alguma das crianças que tinha se afastado e tava se afogando lá longe.

Outra característica do lugar eram as pedras. Eu tenho os pés muito fracos. Eu tinha que andar sempre de chinelo, enquanto meus primos corriam naquelas pedras que quase cortavam o meu pé. Já teve momentos que eu tinha que nadar de chinelo. Nossa!

Aí, era a hora do almoço. Pois é! A gente juntava uns tijolos, colocava carvão, uma grelha e fazia de fogão. As panelas eram as mais velhas pra não jogar coisa nova fora, né. Era arroz, feijão e um pedaço de carne feito na churrasqueira mais na frente. As crianças de sunga e biquíni (não necessariamente ambos) enroladas numa toalha, com o nariz escorrendo, comendo num prato esmaltado e bebendo um refrigerante morno.

Nossas mães não deixavam que nós entrássemos no rio depois do almoço. Depois de quinze minutos a gente já perguntava se podia entrar.

— Não!

Depois de meia hora.

— Não!

Depois de trinta e cinco minutos e muita insistência, a gente entrava no rio. No final do dia, nós estávamos gelados, com os dedos enrugados, tremendo, com uma toalha enrolada nas costas. Mas felizes como pintos no lixo.

Hoje em dia, a moda do Triângulo Mineiro é ir à represa. Eu não gosto muito. Muitas pessoas não gostam. Mas a gente gostava de ir pro “corgo”. Então, a gente gosta de recordar os tempos da infância; do tempo que éramos simples, inocentes e humildes. Muito bom!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

ENEM


Pois é! Esse ano foi a terceira vez que eu fiz o Exame Nacional do Ensino Médio. Conhecido como ENEM (ou NENÉM, para os imbecis), a prova continha 190 questões e uma redação. Foram mais de 4 milhões de participantes. E as pessoas ainda queriam que tudo desse certo. Sem lógica, mesmo.

É nessas horas que eu agradeço de ter nascido em cidade pequena.

Foi um dos assuntos mais comentados. O Twitter estava lotado de mensagens de indignação e... esqueci a palavra... Humilhação? Vexação? Tá não interessa. Tava zoando o Inep: “Errar é humano. Errar muitas vezes é Inep.”

Saíram até notas dizendo que o Inep processaria os engraçadinhos. Meu filho, quem tá na chuva é pra se molhar. No Twitter, tem que dar a cara a tapa.

No Fantástico ontem, mostrou alunos que ficaram em dúvida sobre o gabarito trocado. Ou o candidato é burro ou é o aplicador. O meu aplicador disse para desconsiderar os títulos e marcar na ordem do Caderno de Questões. Alguma dúvida?

Santa Maria! Pessoa não estava preparada pra fazer o ENEM.

Mas apesar de tudo... Na verdade, apesar de tudo pr’os outros. Pra mim não teve nada. A prova tava inteira, o gabarito tava errado, mas não teve dúvida (¬¬), a redação não foi sobre política... E entre mortos e feridos... é... salvaram-se quase todos.

P.S. Desculpem-me pelo título. Gastei toda a minha criatividade ontem.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A intimidade dos clientes

O cotidiano atrás do balcão. É isso que eu, Beto, me propus a contar quando eu comecei a escrever. E eu me lembrei de uma história numa época que eu trabalhei muito atrás de um balcão. Eu tinha 17 anos quando fui contratado para trabalhar numa locadora de filmes.

Isso foi há seis anos, então, ainda existia as fitas VHS, que estavam sendo substituídas pelos modernos DVD’s, que ficarão obsoletos com a chegada do Blue-Ray e... deixa pra lá!

Nessa locadora eu aprendi muito sobre várias pessoas: sobre vizinhos, clientes do restaurante do meu pai, sobre colegas de escola (eu ainda estudava, na época), conhecidos de vista e outros completamente inéditos.

Na locadora, as pessoas se revelam. Claro que alguns ainda disfarçam dizendo que aquele filme é pra irmã, pra mãe ou pra um amigo; a gente acredita. Mas, pelo comportamento da pessoa, dá pra saber se ela está mentindo.

Por exemplo, tinha um cara gigante, daqueles que a gente está acostumado a ver vestido de jaqueta de motoqueiro naqueles filmes de ação, que adorava pegar filmes de comédia romântica. Tipo Julia Roberts e Sandra Bullock. Esse, pelo menos, era sincero.

— Não! Esse eu não quero. Já assisti.

Eu também atendi uma mulher que sempre queria filmes que as mulheres apareciam... sem a parte de cima do vestuário.

— Quero ver os peito de fora. Senão, não tem graça.

— Senhora, temos...

— Senhora é o caramba.

— É... então... — eu gaguejava, — é... temos aquela sessão destinada ao público adulto.

— Eu não quero filme pornô, não, filhote! — Ela batia no meu rosto. Eu acho que era pra ser um carinho.

Era um porre tentar achar um filme pra essa mulher. Mas era por causa de clientes assim que eu podia levar uns cinco filmes pra casa. Por dia. Quando ela voltava lá eu já ia dizendo os filmes que... que... ela gostava.

E tinha uma senhorinha. Sempre as senhorinhas. Ela andava com a bolsa, o vestido e os sapatos combinados (geralmente rosas), com um prendedor no cabelo e um guarda-chuva. Ela gostava de filmes de guerra.

— Temos esse aqui, dona Amélia — eu mostrava. Não tinha gostado muito desse filme, mas... ela gostava de guerra, né?

— Não, esse eu não quero. Eu gosto de filmes que tenham muito sangue.

Ela dava ênfase na última palavra. Preferia procurar os filmes com as mulheres peladas pr’aquela outra do que procurar um filme que tenha corpos mutilados e cabeças decepadas pra dona Amélia.

Tinha ainda os adolescentes. Já apareceram garotos marrentos pegando filmes de desenho e de romance; meninas sérias que gostam de filmes diabólicos; e patricinhas que gostam de filmes de terror:

— Que tenham morte! — elas diziam, rindo.

E por último. Os solteirões. Talvez seja o pior tipo de cliente de uma locadora. Não tem esposa, filhos, nem mais nada de útil para fazer. Gostam de pegar muitos filmes de sacanagem.

— Um pornozão, aí, pra gente!

Era um constrangimento. Os caras traziam aqueles filmes que eu tinha até nojo de encostar: as capas todas emporcalhadas e mal-cheirosas. Com aqueles títulos luxuriosos, as imagens um pouco... assustadora, às vezes.

E sempre éramos obrigados a usar esses nomes numa conversa à toa.

— É da casa do Tiago? — eu liguei para um cliente, uma vez.

— Sim. É a mãe dele falando.

— Ele precisa devolver uns filmes aqui na locadora. Já estão com uma semana de atraso.

— Ah, é. Eu nem vi esses filmes. Vou procurar aqui em casa. Como que eles chamam?

— O nome? É... tem “Potranca trampolim”, é “Agachada e vai de costas” e... Esquece, eu ligo mais tarde.

Um dia, esse mesmo Tiago, um cara peludo de uns 40 anos, começou a gritar dentro da locadora indignado com a mudança de uma atriz.

— Assisti esse filme aqui e fiquei decepcionado com essa atriz. Não tinha nada nesse filme. A mulher ficou de roupa o tempo inteiro. Ela tinha que continuar fazendo os pornô, mesmo.

— Senhor, tem adolescentes na locadora.

Como se eu já não tivesse ouvido coisa pior nesse vida, né?

— Não apareceu nenhuma vezinha sem roupa. Nem a parte de cima. Que decepção!

E isso foi só o começo de mais um emprego que ainda vai render muita coisa.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Minha vida por um fio

Como todos os dias da minha vida, fui para a escola. A rotina incessante que todas as crianças e adolescentes tem de aguentar por anos e anos a fio.

Foi um dia cheio. Importante. Tinha prova, trabalho, visita ao laboratório e matérias importantes pra eu conseguir passar de ano. Curti os meus amigos e ri muito. Um pouco mais tarde eu me arrependi de não ter mais ainda esses momentos felizes.

Meu pescoço doía quando acabou a aula. Entrei no ônibus. A minha cidade não é a maior de todas, então, são só uns dez minutos da escola até o ponto perto da minha casa.

Da janela do ônibus eu já observava um grupo muito grande de estudantes. Não dava pra reconhecê-los direito: usavam capuzes, blusas de frio muito grossas e o tempo nublado deixava o dia mais escuro. A única coisa que eu pude perceber foi que o grupo era composto por uma maioria feminina.

Desci do ônibus e segui meu caminho.

Com o canto do olho eu percebi que, quando eu pisei fora do ônibus, quatro garotos levantaram. Não era a primeira vez que eu estava sendo seguido, mas, como nas outras vezes, meu coração quase saiu pela boca.

Continuei andando, tentando enxergar os garotos atrás de mim. Eu já os conhecia. Agora, de frente e de perto, eu podia distingui-los. Fiquei com raiva.

Eu não sei o que me dá! Quando eu conheço o cara que tá tentando alguma coisa contra mim, me dá mais raiva do que medo.

Continuava a caminhada. Afinal, tudo podia ser coisa da minha cabeça. Imaginação, medo, trauma! Mas, na próxima ação do garoto menor, eu senti que o negócio ia pesar.

Era uma arma. Uma coisa nada discreta que ele conseguia esconder debaixo daquele blusão verde musgo. Não sei direito, pois foi muito rápido, mas eu acho que o garoto de trás riu antes do menorzinho disparar o tiro.

O primeiro acertou a minha mochila. Quando eu pensei em correr, houve uma saraivada de tiros que me acertaram em cheio. Eu caí no chão e os tiros não paravam.

Foi uma das piores sensações. Era um fogo que me queimava o peito, as pernas e os braços; os olhos embaçados; os pulmões que não trabalhavam direito; o clamor pelo ar. Tentei pedir socorro, mas o ar não entrava; minha voz não saía.

Enquanto a dor me calcinava, meu coração ainda tinha a raiva antes sentida.

— Eu não acredito que esse desgraçado me matou! — eu fui capaz de pensar.

Eu ainda senti a ponta dos meus dedos dos pés e das mãos se mexerem...

Num sobressalto, num susto de sentir o oxigênio novamente em meus pulmões, eu acordei. Estava deitado na minha cama, debaixo do meu cobertor, com todos os músculos tensos. Foi o meu pior pesadelo; e o mais real. Depois disso, eu vejo o quanto a minha vida é curta e preciosa.