quarta-feira, 31 de julho de 2013

Por que não me cativas?


“Mas aconteceu que o pequeno príncipe [...] descobriu, enfim, uma estrada. [...]

Bom dia! disse ele.

Era um jardim cheio de rosas.

Bom dia! disseram as rosas.

Ela as contemplou. Eram todas iguais à sua flor.

Quem sois? perguntou ele, espantado.

Somos as rosas. responderam elas.

Ah! exclamou o principezinho...

E ele se sentiu extremamente infeliz. Sua flor lhe havia dito que ela era a única de sua espécie em todo o universo. E eis que havia cinco mil, iguaizinhas, num só jardim!

‘Ela teria se envergonhado’, pensou ele, ‘se visse isto... Começaria a tossir, simularia morrer para escapar ao ridículo. E eu seria obrigado a fingir que cuidava dela; porque senão, só para me humilhar, ela seria bem capaz de morrer de verdade...’

Depois, refletiu ainda: ‘Eu me julgava rico por ter uma flor única, e possuo apenas uma rosa comum. [...] Isso não faz de mim um príncipe muito poderoso...’

E, deitado na relva, ele chorou.

E foi então que apareceu a raposa: [...]

A gente só conhece bem as coisas que cativou disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas, como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. [...]

Depois ela acrescentou:

Vai rever as rosas. Assim compreenderás que a tua é única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.

O pequeno príncipe foi rever as rosas:

Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes ninguém [...] Sois belas, mas vazias continuou ele. [...] Um passante qualquer sem dúvida pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que todas vós, pois foi ela que eu reguei. Foi ela que pus sob a redoma. Foi ela que abriguei com o para-vento. Foi por ela que eu matei as larvas (exceto duas ou três, por causa das borboletas). Foi ela que eu escutei se queixar ou se gabar, ou mesmo calar-se algumas vezes, já que ela é a minha rosa.

E voltou, então, à raposa:

Adeus... disse ele.

Adeus disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. [...] Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante. [...] Os homens esqueceram essa verdade disse ainda a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...

Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, para não se esquecer.”

terça-feira, 30 de julho de 2013

Livre pra voar


Era um pássaro lindo que estava sempre a mudar de cor. A primeira vez que eu o vi, tinha penas de um amarelo pálido, suave e macio; nos dias em que o sol queimava mais ardente no céu, ele aparecia com o topo da cabeça pintado de laranja e a calda esfumaçada de vermelho; mas nada se comparava aos dias frios em que ele aparecia com o peito verde e estufado: pinceladas esverdeadas tão delicadas que me traziam calafrios todas as vezes que eu encarava tamanha singeleza.

Quando eu o conheci vestindo seu traje amarelo pálido, como eu já disse , ele apareceu rápido na minha janela e se foi sem nem mesmo cantar-me algumas notas. No entanto, aquele movimento fugaz chamou-me a atenção. No dia seguinte, ele voltou no mesmo horário e eu pude deslumbrar-me com aquelas penas por mais tempo. Nos poucos segundos em que ele permaneceu ali, eu pude notar o que tanto o atraia: farelos que caiam no umbral da janela quando eu comia, observando o movimento da rua lá embaixo.

No outro dia, bem cedo, eu deixei que as migalhas caíssem com mais frequencia: e, mais tarde, lá estava ele ciscando os restos de bolos e biscoitos. Comprei-lhe comida de pássaro e, daquele dia em diante, alimentei-o como deveria ser. Religiosamente, ele aparecia sempre no meio da tarde, batendo o bico alaranjado na estrutura de metal.

Com o passar do tempo, ele foi se demorando e soltando suas asinhas; cantava suas canções de passarinho, enquanto eu me entretinha com um livro ou com minha gaita. Arrisquei-me a colocar os farelos na palma da minha mão para que nosso contato fosse mais próximo; no início, ele pareceu tímido na verdade, até eu estava um pouco temeroso , mas no fim ele se acostumou.

As pessoas que apareciam no meu quarto me viam acariciando a cabeça multicor de um pássaro tão mágico e diziam para que eu não mais o alimentasse, enquanto outros diziam que eu deveria prendê-lo numa gaiola para que pudesse exibir aquele belo exemplar da espécie. Não fiz nem uma coisa nem outra: nossa relação estava ótima do jeito que estava.

Algumas vezes eu tinha que viajar por obrigações familiares, mas sempre deixava um pote com farelo para o meu passarinho; quando eu voltava, o pote estava vazio. Talvez tivesse sido outro pássaro, mas isso não me importava. O que me interessava era que o passarinho colorido pelo qual eu tinha me apaixonado sempre aparecia de volta.

Quando ele demorava, eu me preocupava. Passava dias sem aparecer. Houve também o dia em que ele ficou preso no espaço apertado de uma calha: sempre que ele se aproximava de lá, eu tentava tirá-lo, mas ele era muito teimoso e sempre voltava. Depois do dia em que ficou com as asas sem movimento e eu tive que tirá-lo com muito esforço, ele não mais se atreveu a voltar lá.

Ele partia todos os dias e sempre voltava. Sempre voltava. Dessa vez, porém, ele não voltou. Meu coração se esmaga só de pensar que aqueles dias em que ele comia na minha mão nunca mais voltarão; o meu coração chora de pensar que ele nunca mais voltará aos meus cuidados. 

Ele alçou voos mais longos, agora está percorrendo caminhos diferentes... Não o culpo! Ele é livre. Eu tentava me enganar dizendo que ele era meu passarinho, mas ele nunca foi meu: ele sempre foi e sempre será livre para ir onde suas asas puderem levá-lo.

Eu vou sofrer muito eu estou sofrendo muito , mas eu sei que algumas coisas são inevitáveis. Só queria ter a oportunidade de acariciá-lo pela última vez. Mas se, mesmo eu lhe dando todas as chances de ser feliz comigo, ele ainda cometer atos irresponsáveis e desaparecer durante muito tempo, eu sempre estarei aqui esperando pela sua volta.  

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Experiências e reflexões sobre Game of Thrones


Obs.: Leia sem medo; não solto nenhum spoiler.

A primeira imagem era um enorme portão de madeira aberto no meio de uma muralha de gelo que se estendia até se perder de vista no horizonte; dele, três cavaleiros cobertos de peles negras cavalgavam seus garranos. Isso foi há mais de um ano, quando numa tarde de domingo despreocupada eu comecei assistir à primeira temporada de Game of Thrones. Não foi preciso muitos dias para que eu já estivesse de quatro pelos personagens da série.

Depois de assistir aos dez primeiros episódios da série de TV, foi um passo muito curto para que eu comprasse os livros e me mudasse para Westeros, com uma espada de um lado e um saco de dragões de ouro do outro. Depois de vários meses, enfim, eu terminei a leitura dos cinco livros publicados e das três temporadas produzidas pela HBO.

Foi um convívio intenso com os livros: nas rodoviárias, nos ônibus, jogado em algum canto da minha casa, eu sempre estava com um daqueles calhamaços de 800 páginas na mão. As crônicas de Gelo e Fogo tornaram-se o meu vício, a minha mania constante. Quando eu não estava lendo um dos livros, eu estava em algum blog ou site sobre a série: mas, como diria Melisandre, a noite é escura e cheia de terrores spoilers, então encontrar algumas revelações bombásticas era inevitável para minha mente curiosa.


No início, eu achava que era uma injustiça dizer que As crônicas de Gelo e Fogo era melhor que Harry Potter ou que era uma heresia dizer que era melhor que O Senhor dos Anéis, mas hoje eu dou minha cara à tapa e enfrento quem quiser me desafiar num duelo singular (Quem é você para falar de Gayme ofi Tônis?). É como eu ouvi certa vez: essa rivalidade entre os fãs é saudável; é como se fosse o fanatismo dos torcedores de times de futebol transferido para o mundo nerd. Mas, por favor, prepare os argumentos antes de passar vergonha!

Eu passei o final da minha adolescência lendo fantasias infanto-juvenis que envolviam bruxos, vampiros e semideuses, mas agora aquilo já não me satisfaz. Agora eu passo horas e horas (pelas minhas contas foram mais ou menos 222h nove dias e meio para ler a série) para passar mais um tempinho com meus personagens favoritos.


E eu tenho certeza que quando eu ler outros livros a partir de agora vou sentir falta dos sonhos infantis e da ingenuidade da Sansa Stark, do caso incestuoso entre Jaime e Cersei Lannister, dos dragões e das “relações diplomáticas” encaradas pela Daenerys Targaryen, do sangue quente dos habitantes de Dorne, dos Caminhantes Brancos que habitam as terras Para Lá da Muralha, do amor incandescente que o Loras Tyrell sentia pelo rei Renly Baratheon, do temperamento psicopata do Ramsay Snow

E ainda têm os planos gigantescos do Petyr Baelish, que meu cérebro tão inexperiente não consegue descobrir o alcance verdadeiro; as maquinações da Senhora Coração de Pedra que muito me intrigam; a perspicácia e o poder de persuasão do Tyrion Lannister; e do treinamento pelo qual a Arya Stark está submetida do outro lado do Mar Estreito. 

Sem falar dos juramentos honrados, das visões que aparecem nas chamas, dos navios, dos lobos gigantes, dos bastardos, dos saques, dos estupros, dos Sete Deuses, dos Deuses Antigos, de R’hllor, dos wargs, do Rei Menino, das descrições de refeições que duram páginas e páginas e do inverno que está chegando.


E algumas pessoas, quando me veem com um dos livros ou quando descobrem que eu tenho todas as temporadas da série no meu computador, me perguntam:

É sobre o que essa série?

É uma fantasia medieval eu me limito a dizer para não tomar as próximas três horas do dia da pessoa.

Mas qual é a história principal? Quem é o personagem central? algumas ainda insistem.

Bem, se você quer começar Game of Thrones esqueça essa de história principal: uma rainha, um bastardo, o comandante de um navio, um menino paraplégico, uma menina cega ou um fantasma podem se tornar os protagonistas em algum momento: é a partir de seus pontos de vista que veremos a história. E qualquer um deles pode morrer na próxima página com um punhal, uma espada ou um arakh dothraki que os cortará do ombro até a virilha. Valar morghulis! Mas um certo deus vermelho é solícito se a prece for feita com muita fé...


Eu trouxe Game of Thrones para a minha vida e descobri que nosso dia-a-dia é um grande jogo, uma grande dança: só sobrevivem os que conseguem dançar conforme a música, os que conseguem compreender significados ocultos nas palavras do oponente, os que conseguem sorrir e chorar conforme a ocasião pedir. Jogar esse jogo com pessoas reais é mais excitante que uma partida de cyvasse.

Game of Thrones tanto me proporcionou momento de excitação, como os capítulos finais de Cersei, Arianne e Sansa em O Festim dos Corvos, quanto momentos de desolação, de luto, como o Casamento Vermelho, em A Tormenta de Espadas (a versão da TV me deixou com taquicardia, em estado de choque) e o antipenúltimo capítulo de A Dança dos Dragões, que me deixou com as mãos tão trêmulas que quase não me deixavam segurar o livro de 864 páginas!

Se formos muito otimistas, podemos esperar o próximo volume da série, Os Ventos de Inverno, chegando às livrarias em 2015 (eu espero que sim, George Martin!), mas, enquanto isso, vou ir sonhando com os personagens e inventando teorias das mais absurdas para satisfazer o meu vício.