O príncipe, contrariando todos os princípios da família real
conservadora, casou-se com a plebéia depois de salvá-la das perversidades de
uma madrasta viúva. O casamento foi numa tarde fresca, com os convidados
cercados por flores do campo amarelas e animaizinhos cantantes; durante a
cerimônia, o casal se beijava com os olhares e bem distante os sinos tocavam com
gozo e satisfação. E foram felizes para...
— Tu és virgem?
— Príncipe, o que tu esperavas de mim?
— Bem, eu... penso que, no fundo, eu esperava que tu fosses
virgem, mas... ainda mais fundo, eu esperava
que tu não fosses!
— Como assim? Tu serias capaz de casar-te com uma mulher
desvirtuada? Com uma mulher furada? Nosso casamento estaria amaldiçoado antes
mesmo de começar.
— O que eu quis dizer é que, de certa forma, eu já sabia que
tu eras virgem, mas eu não estava preparado para isso. Eu... não me preparei
para lidar com essa situação.
— Príncipe, tu fazes um mal julgamento de minha pessoa. É
claro que eu me guardei para o dia da minha noite de núpcias. Apenas.
— Apenas? O que tu quiseste dizer com “apenas”? Quer dizer
que... que... apenas na noite de
núpcias?
— Bem, na verdade só podemos ir para a cama juntos para aumentar
nossa prole, senão seremos excomungados! O demônio nos tenta, mas temos que ser
fortes o bastante para resistir.
— Quê? Aumentar nossa prole...?
— Mas é claro!
— Então, bem... Eu não sei muito bem qual a próxima parte da
noite de núpcias, mas... eu acho que agora é a hora de tu se despir.
— Eu? Mas é claro que não! Por mais que eu tenha sido criada
por uma madrasta horrenda e mal-cheirosa, não quer dizer que eu não tenha
pudores e princípios. A mulher nunca pode ficar desnuda na frente do marido.
— Como assim? Mas como que...? Eu não estou entendendo. Eu
achei que tu ficarias nua diante de mim, iluminada pela luz da lua, momento em
que eu contemplaria a sua pele alva, o seu corpo curvilíneo...
— Com certeza tu tiraste isso de algum poema escrito para
uma meretriz! Pare de ler poesia indecente e imprópria para um homem casado!
— Desculpe-me, minha querida esposa, mas isso é a minha
falta de tato com virgens.
— Falta de tato com virgens? Quer dizer que tu tens “tato”
com meretrizes, mulheres perdidas e de má-nota?
— Não foi isso que eu quis dizer. Eu... bem... Nós, homens,
temos... necessidades!
— Nós, mulheres, também!
— Que disparate! Como ousa em comparar os homens com as
mulheres? Vocês, mulheres, são encarnações do diabo!
— É claro que temos necessidades...
— ... necessidades demoníacas!
—... mas, em nome da decência e da minha paz eterna, nós,
mulheres direitas, decidimos esperar até o dia de nossas núpcias para que nossos
corpos sejam deflorados sob as leis dos céus. Não quero que exista nenhuma
mácula na minha alma!
— Espere só um instante: eu não estou conseguindo desabotoar
esse botão da minha calça. Urrgh! Aaaah! Consegui! Esses alfaiates complicam
muito as coisas com esses seus botões de ouro e esses couros duros que cheiram
a mofo. Mas... sobre o que tu estavas falando mesmo?
— Nada.
— Bem, já que não vais tirar a roupa...
— Espere! Eu não disse nada sobre beijos!
— Como assim? Sem beijos, sem poemas, sem contato
corporal... Como é que tu queres que esse casamento seja consumado?
— Tudo bem. Confesso que estou sendo um pouco exagerada...
— ... um pouco?
— ... mas prometo dar-lhe um beijo caso você lave essa boca.
Seus dentes estão todos podres!
— E, por acaso, o seu sorriso é mais lindo que o meu? Pelo
menos eu fui criado num castelo, enquanto, pela aparência de teus dentes,
parece-me que tu comias cascalho. Onde é que tu perdeste teu canino esquerdo?
— Foi num dia que... Ah, não lhe interessa! Se continuarmos
nesses termos, esse casamento não será consumado nunca!
— Se apagarmos aquela vela, não veremos nada. Sem dentes
podres, sem corpos nus...
— Mesmo sem luz, eu não tirarei o meu vestido.
— Mas eu estou ficando sufocado com tanto pano! Eu não estou
encontrando suas pernas. Meu Deus, tu tens mais pelos na perna do que eu!
— E seu toque é tão delicado como um touro. As mulheres da
vida com as quais tu estás acostumado a lidar não lhe ensinaram nada?
— Bem que meu pai me disse que é o marido quem controla a
língua da mulher.
— Ei, tire tua mão daí!
— Aaaau! Isso é um cinto de castidade?
Nenhum comentário:
Postar um comentário