domingo, 22 de dezembro de 2013

Juventude


"─ Você não deve, na verdade, permitir-se queimar ao sol. Seria inconveniente.

Ora, o que me importa?

Dorian Gray riu, ao sentar-se no banco ao fundo do jardim.

Deveria significar tudo para você, sr. Gray.

Por quê?

Porque você possui uma juventude maravilhosa, e a juventude é a única coisa que vale a pena possuir.

Eu não sinto as coisas dessa maneira, lorde Henry.

Não sente agora. Um dia, quando estiver velho, enrugado, feio, quando o pensamento vier, com suas linhas, murchar-lhe a testa, e a paixão, com seu fogo medonho, vier cauterizar-lhe os lábios, você vai senti-lo de modo terrível. Você, agora, onde quer que vá, encanta o mundo. As coisas serão sempre assim?... Você tem um rosto lindo, maravilhoso, sr. Gray. Não franza o cenho, pois é verdade. E a genialidade, pois não carece de explicação. Pertence aos grandes fatos do mundo, como a luz do sol, a primavera, o reflexo das águas turvas, ou aquela concha de prata, a que chamamos lua. Não pode ser questionada. Possui o direito divino de soberania. Os que a têm, ela os faz príncipes. Você ri? Pois não vai rir quando perdê-la! As pessoas costumam dizer que a beleza é coisa superficial. Mesmo que o seja, não é ao menos tão superficial quanto o pensamento. A beleza, para mim, é a maravilha das maravilhas. Apenas as pessoas superficiais não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, e não o invisível..., sr. Gray; os deuses foram bondoso com você. Mas, tudo o que os deuses dão, tiram rapidamente. Dispomos de apenas alguns poucos anos para vivermos com realidade, perfeição e plenitude. Quando a juventude se for, a beleza irá com ela e você descobrirá, de repente, que não restaram triunfos por conquistar, ou terá que se contentar com os triunfos perversos que a memória do passado tornará ainda mais amargos que as derrotas. E cada mês que feneça o fará aproximar-se, mais e mais, de algo medonho. O tempo tem inveja de você e abre guerra contra seus lírios, suas rosas. Você ficará pálido, de bochechas fundas, de olhos opacos. Você sofrerá horrivelmente... Ah! Perceba a juventude enquanto a tem. Não esbanje os dias de ouro, dando ouvidos aos entediosos, tentando melhorar o fracasso sem esperanças, ou entregando sua vida ao ignorante, ao comum, ao vulgar, ideais doentios de nossa era. Viva! Viva a vida maravilhosa que está em você! Que nada se perca em você! Esteja sempre à procura de novas sensações! Não tenha medo de nada... Um novo hedonismo, eis o que deseja nosso século, e quem sabe você não será seu símbolo visível! Com a personalidade que tem, nada existe que não possa fazer. O mundo lhe pertence, por toda uma temporada... No momento em que o encontrei, percebi que você não tinha muita consciência do que era, do que, na verdade, pode vir a ser. Tanta coisa em você me encantou, que me senti na obrigação de dizer-lhe algo que lhe diz respeito. Pensei, seria trágico que você se desperdiçasse, pois tão curta, tão curta será a duração de sua juventude! Ressecam as flores comuns da colina, mas reflorescem. O laburno, no mês de junho vindouro, será tão amarelo quanto o é hoje, e daqui a um mês, haverá muitos asteroides púrpuras na clematite. Mas jamais voltamos à juventude. A pulsação de alegria, que bate em nós aos vinte, preguiça. Nossos membros falham, nossos sentidos apodrecem. Nos degeneramos em fantoches repugnantes, assediados pela lembrança de paixões a que muito tememos e pelas tentações exóticas a que não tivemos coragem de nos entregar. Juventude! Juventude! Não existe nada no mundo, nada!, senão a juventude!"

Diálogo entre Henry Wotton e Dorian Gray, no romance O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Imagem: cena do filme homônimo (2009), com Colin Firth e Ben Barnes, do diretor Oliver Parker.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Livros, livrarias e librianos


Era uma livraria imensa: lombadas de todas as cores e tamanhos me observavam enquanto eu caminhava entre as prateleiras. Muitos (a maioria!) pouco me atraíam, mas, pelo contrário, alguns eram extremamente sedutores: uma capa bonita, um título sugestivo ou um nome conhecido me faziam parar e olhar com mais atenção. Um detalhe faz toda a diferença!

Eu estava com pouco dinheiro no bolso e, desde o início, eu sabia que só poderia sair dali com um livro. Apenas um. No meio de toda aquela variedade de opções e tamanhos e formas e cores e cheiros... eu deveria escolher apenas um. Que dúvida cruel!

Eu já estava meio decidido quando pus meus pés ali, mas eu acho que gosto de sofrer. A dúvida me consome até a última gota da minha sanidade. Dizem que isso é um mal dos librianos, mas eu ainda não consigo aceitar que apenas nós, pobres mortais dos meses de setembro e outubro, soframos com tal aflição, com tamanha indecisão. E naquele infinito de livros, dois deles me atraíram desde o início.

Um deles era um clássico da literatura inglesa. Maravilhoso! Digo isso com todas as letras porque ele já esteve em minhas mãos e pude saboreá-lo palavra por palavra. Quantos momentos de prazer! Ele não é um desses livros que logo te chamam a atenção: ele estava escondido lá na penúltima prateleira, com seus delicados detalhes verdes, perto dos inúmeros volumes do George Orwell. Já estava bem desgastado por causa dos anos de manuseio, mas estava com as páginas inteiras, com as letras legíveis. Oh, e quantas palavras bonitas!

O segundo livro era visível lá da calçada, antes de entrar na livraria. Um best-seller, também inglês, colocado bem na entrada da livraria. Aquilo formava uma pirâmide de livros. Era impossível passar por ele e não olhar. O nome do autor chamava a atenção, o layout da capa era atraente e moderno daqueles que poderiam servir para decoração na mesinha de centro e, eu sabia... todos desejavam aquele livro. Todos!

Eu queria os dois, mas... só podia levar um.

O primeiro livro é um daqueles que você guarda num lugar mais baixo da estante porque ele não combina com sua decoração, mas, no dia-a-dia, você sempre recorrerá a ele. Vendo um filme, conversando com uns amigos ou apenas pensando na vida, você vai se lembrar das palavras bonitas e dos conselhos sábios que aquele livro te deu.

O segundo livro não era bem assim: eu teria uma leitura gostosa e ficaria deliciado com o enredo, mas não sei se é um livro que me incomodaria, que poderia me ensinar coisas novas... O seu ponto mais forte era a novidade: o prazer de tê-lo comigo ao meu lado todas as noites, a satisfação de ouvir suas palavras doces, de tê-lo nos meus braços, de folheá-lo e sentir o seu cheiro agradável, de sentir que eu o tinha enquanto outros o desejavam.

Eu não emprestaria nenhum dos dois! Os dois tem importância para mim, mas em medidas diferentes. O primeiro livro seria capaz de me satisfazer sempre: se ele permanecesse comigo pelos próximos vinte anos, eu sei que ainda assim ele teria algo a me acrescentar. Por outro lado, o segundo livro é de um escritor contemporâneo que eu gosto muito e não emprestaria com ciúmes de amassar a capa ou marcar a lombada. Sei que, para o resto da minha vida, vou me lembrar do deleite de tê-lo comigo, dos prazeres íntimos que ele foi capaz de me proporcionar, mas não tenho certeza se ele poderá me dizer muitas coisas depois de um tempo. Tenho medo de não mais gostar dele depois que suas páginas amassarem ou amarelarem quando alguém lhe colocar a mão suja de mostarda.

Tenho os dois na minha mão agora! Racionalmente, a conclusão é óbvia: o primeiro livro é bem melhor; mas meu coração dispara quando eu me lembro do segundo livro e sofro de pensar que terei que deixá-lo para outra hora. Quem me dera não ser um libriano!

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Sobre a vida


Já passavam das nove horas da noite e o vento batia frio nas minhas orelhas. Mochila nas costas, mãos nos bolsos da calça, cabeça abaixada, eu subia um caminho comprido que começava lá naquele último estacionamento do campus da universidade, passava ao lado da biblioteca e acaba ali, ao lado do bloco do Direito.

Na direção contrária, um rapaz descia apressado trazendo na mão uma meia dúzia de livros. O barulho dos seus pés no cimento me fez levantar a cabeça e nossos olhares se cruzaram; sempre que isso acontece, surge um tipo de intimidade entre os envolvidos. O menino precisava de ajuda e aquela troca de olhares, então, deu-lhe o espaço que ele precisava para se aproximar:

— Oi. A biblioteca tá aberta? perguntou com um sorriso.

Eu olhei para o prédio lá embaixo e não estava muito certo sobre a resposta.

— Uai, eu acho que tá...

— É que disseram que essa semana não ia abrir. Eles ‘tão em greve? É que eu preciso entregar esses livros.

Eu já sabia que era um desses novatos inexperientes. Coitados...

— Eu não vi nenhum cartaz falando de greve, não. Ontem, pelo menos, a biblioteca tava aberta.

— Tava?

— Tava. E, se eles ‘tiverem de greve, não precisa ficar preocupado, não: eles não cobram multa nesses casos.

Ele ainda hesitou. Sinceramente, eu não sei por que aquele rapaz ainda estava perdendo tempo comigo: seria mais fácil descer mais alguns metros e conferir se a porta estava aberta do que tentar tirar alguma informação de um sujeito distraído.

De qualquer forma, eu tentei animá-lo:

Ontem tava!

Sério? Eu vou descer lá.

Desce mesmo! Deve ‘tá aberta, sim.

Você tem certeza?

Levantei os braços pra cima, encolhi os ombros:

Olha, moço, certeza certeza eu só tenho da morte...

Ele sorriu pra mim e eu vi pela sua expressão o quanto ele achava tudo aquilo absurdo. Eu também ri. O que eu tinha dito?

Obrigado ele disse no meio de uma risada tímida. E foi.

Enquanto eu... segui meu caminho pensando sobre a nossa vida frágil e efêmera.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Vinte e um ano de estradas


Em todos esses anos, já encontrei desde estradas bucólicas e desniveladas até grandes rodovias asfaltadas que se estendem até onde o sol encontra a Terra. De uma estrada para a outra, vislumbrei muitos jardins, é claro, mas eles eram menos frequentes: encontrei mais caminhos esburacados, feios, com imensos lamaçais que me faziam atolar e não me deixavam prosseguir.

Eu sempre tentei ser um viajante forte e determinado: não sabia muito bem onde iria chegar, mas encarava os obstáculos com empenho elogiável. Atravessei riachos tênues que desfilavam por entre os pequenos pedregulhos, mas, como todas as pessoas, tive que quebrar imensas rochas vermelhas ou subir até a copa de árvores centenárias para prosseguir meu caminho. Mas, às vezes, eu tive vontade de desistir: sentar numa pedra na beira da estrada e chorar foi inevitável.

Cada obstáculo me ensinava coisas novas. Aos onze anos, eu já tinha que abrir os meus próprios caminhos no meio da mata fechada; era sufocante, angustiante, solitário. Mas, depois, quando outras florestas apareceram na minha frente, cortar alguns galhos e enfrentar alguns animais já me era menos traumático. Com frequência eu tentei olhar para esses maus momentos como lições pelas quais eu tinha que passar para saber lidar com situações semelhantes mais a frente. Mas nem sempre era assim: quando somos jovens, nos achamos o centro do universo e, algumas vezes, achamos que todos esses percalços são castigos dados a nós. Somente a nós!

Pensamos que passamos por esses maus momentos porque fomos destinados a isso. Eu já estava conformado: eu era uma pessoa destinada ao sofrimento, à solidão, ao fracasso. Alcancei pequenas conquistas no caminho, fiz amigos eternos e outros que nunca mais encontrarei, mas a minha sina era ter um caminho tortuoso até o fim dos meus dias.

Porém, não há nada como um passo após o outro.

Essa ansiedade da juventude faz com que sempre olhemos para frente, para o futuro; sofremos por antecipação sabendo o que outras pessoas já passaram. Evitamos o sofrimento; arranjamos atalhos na nossa caminhada...

Com a experiência, entretanto, eu percebi que, para podermos seguir em frente, precisamos voltar por alguns caminhos já percorridos. Voltar às mesmas pedreiras, aos mesmos desertos, às mesmas cascatas e saber que não mais nos machucaremos ali: eu consegui superar esses obstáculos e já posso me perdoar.

Eu aprendi que o lado de fora da caverna é angustiante, mas muito mais colorido. Eu preciso voltar aos caminhos tortuosos pelos quais passei, aqueles que me deixaram profundas cicatrizes e traumas, para entender alguns porquês.

Eu preciso me reconciliar com minha estrada: é preciso entender as lições, empreender algumas pequenas vinganças e ser capaz de perdoar o meu destino e, o mais importante, perdoar a mim mesmo!

Eu quero voltar em alguns lugares e enxergá-los com outros olhos: olhos que já vislumbraram paisagens exuberantes, cataratas monumentais e um grande cânion e ver que há beleza no meu passado. Colocar um pouco de cor nesse turbilhão de lembranças em sépia.

Nada como uma estrada à nossa frente!

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Rita Baiana


"E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para dançar. A lua destoldara-se nesse momento, evolvendo-a na sua coma de prata, a cujo refulgir os meneios da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher.

Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxuriosos que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outros, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando. [...]

E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.

Naquela mulata estava o grande mistério das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.

Isto era o que Jerônimo sentia, mas o que o tonto não podia conceber. [...] Só deu por si, quando, já pela madrugada, se calaram de todo os instrumentos e cada um dos folgadores se recolheu à casa.

E viu Rita Baiana levada para o quarto pelo seu homem, que a arrastava pela cintura.
Jerônimo ficou sozinho no meio da estalagem. A lua, agora inteiramente livre das nuvens que a perseguiam, lá ia caminhando em silêncio na sua viagem misteriosa. [...]


Mas Jerônimo nada mais sentia, nem ouvia, do que aquela música embalsamada de baunilha, que lhe entontecera a alma; e compreendeu perfeitamente que dentro dele aqueles cabelos crespos, brilhantes e cheirosos, da mulata, principiavam a formar um ninho de cobras negras e venenosas, que lhe iam devorar o coração."

Trecho em que Jerônimo aprecia a beleza de Rita Baiana em O Cortiço, de Aluísio Azevedo. 
Imagem: Personagem Isabel (Camila Pitanga), da novela Lado a Lado.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Do encontro


escrito em 04 de fevereiro de 2013

Telefonema
Cinema
Poema

Dedos
Enredos
Brinquedos

Toque
Choque
Enrosque

Cheiro
Faceiro
Passageiro

Lábio
Sábio
Hábil

Beijo
Trecho
Desfecho

Conselheiro


— Não deixe que o entusiasmo faça vocês gastarem tudo de uma vez.

— O problema é que eu sempre fui racional até o último nível. Fico me gabando do meu autocontrole. É a primeira vez que eu fico assim. É a primeira vez que eu me apaixono com essa força. Não tenho prática em administrar isso.

— Não estou falando pra não sentir, não pensar, não se aventurar. O que eu quero dizer é: não ponha o carro na frente dos bois. E outra: ninguém sabe administrar. Não importa quantos namoros a pessoa já teve, nem quantos encontros... Você é você agora e está em constante mudança, assim como a outra pessoa. Nunca se encontra uma mesma pessoa duas vezes, a gente só não estranha porque acompanhamos a mudança um do outro. Quando o coração pulsa num determinado encontro, ele pulsa de forma única. Única porque é você naquele momento, porque é por aquela pessoa naquele momento, naquele dia... Acho que aquele negócio da conquista ser diária tem a ver com isso. Agora pensa: pra que correr? Os momentos acontecem quando tem que acontecer. 

domingo, 25 de agosto de 2013

O Monstro


Certo vilarejo era rodeado por uma floresta com árvores imensas: troncos tão largos e tão altos que precisaria de uma dezena de homens para abraçá-la e uma visão aguçada para vislumbrar o seu último galho. Essa floresta já fora habitada por gigantes comedores de carne humana, mas depois que esse povo estabeleceu o vilarejo em seu centro, poucos gigantes restaram.

Mesmo em menor número, os gigantes, porém, não se intimidam com a presença humana. De tempos em tempos, uma criança ou um ancião desaparecem para nunca mais voltar. Por isso, desde a mais tenra infância, os meninos do vilarejo são criados para matar gigantes: é um passo importantíssimo para entrar na vida adulta. A sobrevivência do vilarejo depende da coragem e da força desses homens que enfrentam o seu primeiro monstro no início da juventude.

Nosso personagem principal, um menino magricela, mas dono de uma coragem incomensurável, já tem idade suficiente para enfrentar o seu próprio gigante. Ele sabe que pode vencer o gigante não pela sua força (logicamente ele perderia para um ser monstruoso!), mas pela sua inteligência e perspicácia. Nada seria capaz de derrotá-lo!

No dia marcado, ele saiu cedo e não foi preciso andar até muito longe para encontrar o rio onde os gigantes matavam a sede. O seu alvo já fora definido há tempos e o menino o espreitava por detrás de uma árvore. Ele sabia exatamente como derrubar o gigante: venceria pela agilidade! O menino chamou a atenção do gigante para si e correu para deixá-lo tonto; assim poderia chegar ao ponto fraco do monstro com maior rapidez. Ele esperava ser lembrado como o mais rápido a derrotar um gigante.

O menino sabia exatamente onde e como ferir o “calcanhar de Aquiles” daquela criatura, mas não tinha previsto os outros obstáculos: a pressa e o foco único no seu objetivo fez com que ele tropeçasse numa das imensas raízes no chão. O gigante viu o menino caído e viu a sua oportunidade de vitória; para o menino não tinha outra escapatória que não fosse a fuga. Chegou ao vilarejo envergonhado, trazendo a derrota pintada no rosto.

Quais foram seus erros? Querendo reconstituir a sua honra, o menino agora precisava aprimorar suas habilidades: precisa derrubar o gigante, mas precisa prestar atenção nas raízes das árvores. Ele já conhecia toda a constituição do gigante, agora era preciso fazer um mapeamento do terreno: ele precisava saber andar naquele espaço com os olhos fechados, da mesma maneira que percorria os espaços do seu casebre nas noites escuras. E ele treinou muito enquanto os gigantes dormiam!

O momento oportuno chegou mais uma vez: ele tem consciência das raízes e derrotará o gigante. A criatura monstruosa já o persegue, como da outra vez, mas agora o menino presta mais atenção ao chão que pisa. Entretanto, enquanto anda de costas e visualiza as raízes ao seu redor, ele não percebe os galhos das árvores baixas, tão incomuns perto do vilarejo, mas em abundância perto do rio. Bate com a nuca num desses galhos e se fere gravemente. Com a força que ainda lhe resta, rola o corpo para as sombras de uma árvore e fica ali escondido até que o gigante se afastou tarde da noite.

O menino precisa mais uma vez se preparar para conseguir derrotar esse monstro e ser aceito no vilarejo. Ele sabe que esse é apenas o primeiro monstro que todos os homens tem de enfrentar. Mas agora ele não está tão confiante como no início. Ele sabe que tem que derrotar esse monstro, mas também tem consciência da sua imperfeição: sabe que pode tropeçar numa raiz ou bater com a cabeça num galho baixo. Qualquer pequena distração seria capaz de fazer com que todo o castelo de expectativas construído na véspera caísse ao chão. Ruína! Agora ele tem medo do gigante, das raízes, dos galhos, mas, principalmente, tem medo da derrota, medo de desperdiçar toda a sua dedicação de dias numa piscadela.

Ele ainda não venceu o gigante. Ainda! Mais do que as pedras ou os galhos, ele tem que vencer o medo e a insegurança. A questão não é não criar expectativas; a questão é estar preparado para o fracasso e erguer a cabeça para derrotá-lo.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Aniversário do Atrás do Horizonte [4]

As Crônicas de Nárnia 
tem tanta relação com o blog quanto o 
símbolo dos Rolling Stones ali em cima.

Sim, sim, esse blog completa quatro anos nessa semana. Não me perguntem como eu consegui chegar até aqui, porque eu não sei. Talvez aquela frase ali em cima (Esse é o caminho. Ou não.), enfim, faça algum sentido pra mim. Sim, porque um milhão de coisas nesse blog estão onde estão por motivos completamente aleatórios: incluindo esse título que, pra mim, nunca fez sentido (começando pelo dia seguinte à criação do blog).

Eu lembro que, pouco tempo depois de fazer meu cadastro aqui no Blogger, eu conheci um blog chamado Championship Vinyl. Logo no cabeçalho do blog estava escrito "Ano 4": aquilo me intimidava, mas também me fez admirar ainda mais aquele blogueiro: o Rob Gordon, que se tornou um dos meus ídolos da internet (quatro anos depois o "Ano 4" continua lá, mas ele disse que precisa atualizar aquilo). Eu achava que depois de quatro anos de blog eu fosse ser tão bom quanto o Rob Gordon... Bem, já estou entrando no Ano 5 e ainda não cheguei muito perto dele, não. Mas é claro que, de 2009 pra cá, esse blog já mudou de cara 3485938475938 vezes, mas, de uns tempos pra cá, conseguiu se firmar como alguma coisa coerente e... Ai, que coisa chata! Vamo' falar de outra coisa?


Eu já me disse várias vezes que 2012 foi o fim do mundo: o fim do mundo que eu conhecia. Sério! Quem faz parte do meu círculo de convivência sabe que os acontecimentos do último ano deram um nó na minha vida de uma tal maneira! E é impressionante como, mesmo sem querer, eu consigui imprimir tudo isso nos textos do blog. Em agosto do ano passado, eu estava me dedicando às primeiras aulas na autoescola, trabalhava com um projeto de pesquisa sobre História e Cinema e morava com os meus tios. Hoje, eu já estou na minha quarta repetência em exame de direção, começando um projeto de Iniciação Científica, no meio do meu curso da faculdade, morando sozinho com uma amiga. E o que mais aconteceu nesse tempo todo? 

Virei um Atendente comercial dos Correios (Atravessando pontes, 8 de setembro de 2012), abri mão da minha adolescência e fui morar sozinho numa cidade desconhecida (Vinte primaveras, 7 de outubro de 2012) e, logo depois, pedi demissão (Carta Aberta aos meus amigos dos Correios, 5 de novembro de 2012). O início de 2013 foi como uma luz que veio me salvar de dentro do túnel (Vida, pessoas e planos para o futuro, 7 de janeiro de 2013) e realmente está sendo um ótimo ano. Mas, é claro, a vida sempre te joga no chão e chuta sua cabeça pra fazer você acordar (Verdade e consequência, 21 de abril de 2013; Déjà vu, 24 de abril de 2013).

Foi um ano complicado, cheio de altos e baixos. O ano com menos textos de todos os quatro, mas o que teve mais reflexões inúteis sobre a vida, o passado, o ser humano... Algumas pessoas me cobraram explicações sobre os textos (como sempre), mas eu descobri que tenho uma habilidade extremamente útil: o uso das metáforas (Livre pra voar, 30 de julho de 2013). Ai, ai... Eu escrevo sobre abobrinha e a pessoa pensa que eu estou falando sobre ela!

É claro que eu li muito (Experiência e reflexões sobre Game of Thrones, 8 de julho de 2013; Como um raposo, 1 de maio de 2013), vi novela (Uma história de amor, 24 de maio de 2013) e ainda me arrisquei com alguns contos (Entrelinhas, 12 de abril de 2013; O Último Tango, 23 de novembro de 2012; Conto de fadas (sem fadas), 4 de março de 2013), mas esse não foi o forte do blog esse ano...

O Atrs.com (ou como queira chamar esse blog aqui!) transformou-se num lugar onde eu venho contar das minhas preocupações do dia-a-dia e mal olhar para os vizinhos da blogosfera. Eu tenho os meus blogs de cabeceira (tanto que eu fiz uma lista com os melhores textos do ano 2012-2013 aqui), mas pouco interajo. Fico aqui no meu canto com minhas lamúrias, reclamando que ninguém comenta no blog. Plantando o que colheu.

As piadas eu deixo para o meu dia-a-dia, para o Facebook, ou para os meus contos "sérios" que eu imprimo e guardo dentro da gaveta. De resto... Talvez esse blog se transforme, mas, nesse momento, é essa a cara que ele tem! Mas, esqueçam isso, hoje é dia de festa!!

Atrás do Horizonte em números


Quarteto Fantástico... quatro... quatro anos?
 Sacou? Tá, eu também não entendi!

Esse blog foi criado nos idos tempos do Orkut. Agora estamos na era do Facebook e eu achei relevante incluir alguns números interessantes aqui sobre essa ferramenta de divulgação.

Enfim... Nesses 365 dias, foram 39 posts com 16 comentários e 96 curtidas no fim de cada texto: uma média de 2,46 curtidas por texto (eu ia fazer um gráfico, mas esqueci como mexe no Excel). No Facebook, foram 23 comentários e 83 curtidas. Ou seja... 

Com as ferramentas do Blogger, dá pra perceber que, depois do Google, o Facebook é o lugar de onde mais chegam visitantes no meu blog: seguidos pelo Twitter e por blogs amigos. Se eu fosse um pouco mais esperto, saberia usar esse meio de divulgação com mais eficiência, mas... cadê disposição?

Prova de que o Facebook e essas curtidas ajudam tanto nas visitas é o fato de que dois dos textos desse ano (Atravessando pontes, 8 de setembro de 2012 e Beijos, sussurros e o lápis no papel, 14 de outubro de 2012) foram os que tiveram mais alcance na rede social. Amo!

Então, é isso! Esse blog começa o seu quinto ano e bola pra frente que o santo é de barro. Não, não é isso! Bola pra frente que atrás vem gente...? Isso não faz muito sentido. Eu acho que tem alguma coisa a ver com o apito do juiz...

Muito obrigado!

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Por que não me cativas?


“Mas aconteceu que o pequeno príncipe [...] descobriu, enfim, uma estrada. [...]

Bom dia! disse ele.

Era um jardim cheio de rosas.

Bom dia! disseram as rosas.

Ela as contemplou. Eram todas iguais à sua flor.

Quem sois? perguntou ele, espantado.

Somos as rosas. responderam elas.

Ah! exclamou o principezinho...

E ele se sentiu extremamente infeliz. Sua flor lhe havia dito que ela era a única de sua espécie em todo o universo. E eis que havia cinco mil, iguaizinhas, num só jardim!

‘Ela teria se envergonhado’, pensou ele, ‘se visse isto... Começaria a tossir, simularia morrer para escapar ao ridículo. E eu seria obrigado a fingir que cuidava dela; porque senão, só para me humilhar, ela seria bem capaz de morrer de verdade...’

Depois, refletiu ainda: ‘Eu me julgava rico por ter uma flor única, e possuo apenas uma rosa comum. [...] Isso não faz de mim um príncipe muito poderoso...’

E, deitado na relva, ele chorou.

E foi então que apareceu a raposa: [...]

A gente só conhece bem as coisas que cativou disse a raposa. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas, como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos. [...]

Depois ela acrescentou:

Vai rever as rosas. Assim compreenderás que a tua é única no mundo. Tu voltarás para me dizer adeus, e eu te presentearei com um segredo.

O pequeno príncipe foi rever as rosas:

Vós não sois absolutamente iguais à minha rosa, vós não sois nada ainda. Ninguém ainda vos cativou, nem cativastes ninguém [...] Sois belas, mas vazias continuou ele. [...] Um passante qualquer sem dúvida pensaria que a minha rosa se parece convosco. Ela sozinha é, porém, mais importante que todas vós, pois foi ela que eu reguei. Foi ela que pus sob a redoma. Foi ela que abriguei com o para-vento. Foi por ela que eu matei as larvas (exceto duas ou três, por causa das borboletas). Foi ela que eu escutei se queixar ou se gabar, ou mesmo calar-se algumas vezes, já que ela é a minha rosa.

E voltou, então, à raposa:

Adeus... disse ele.

Adeus disse a raposa. Eis o meu segredo. É muito simples: só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos. [...] Foi o tempo que perdeste com tua rosa que a fez tão importante. [...] Os homens esqueceram essa verdade disse ainda a raposa. Mas tu não a deves esquecer. Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela tua rosa...

Eu sou responsável pela minha rosa... repetiu o principezinho, para não se esquecer.”

terça-feira, 30 de julho de 2013

Livre pra voar


Era um pássaro lindo que estava sempre a mudar de cor. A primeira vez que eu o vi, tinha penas de um amarelo pálido, suave e macio; nos dias em que o sol queimava mais ardente no céu, ele aparecia com o topo da cabeça pintado de laranja e a calda esfumaçada de vermelho; mas nada se comparava aos dias frios em que ele aparecia com o peito verde e estufado: pinceladas esverdeadas tão delicadas que me traziam calafrios todas as vezes que eu encarava tamanha singeleza.

Quando eu o conheci vestindo seu traje amarelo pálido, como eu já disse , ele apareceu rápido na minha janela e se foi sem nem mesmo cantar-me algumas notas. No entanto, aquele movimento fugaz chamou-me a atenção. No dia seguinte, ele voltou no mesmo horário e eu pude deslumbrar-me com aquelas penas por mais tempo. Nos poucos segundos em que ele permaneceu ali, eu pude notar o que tanto o atraia: farelos que caiam no umbral da janela quando eu comia, observando o movimento da rua lá embaixo.

No outro dia, bem cedo, eu deixei que as migalhas caíssem com mais frequencia: e, mais tarde, lá estava ele ciscando os restos de bolos e biscoitos. Comprei-lhe comida de pássaro e, daquele dia em diante, alimentei-o como deveria ser. Religiosamente, ele aparecia sempre no meio da tarde, batendo o bico alaranjado na estrutura de metal.

Com o passar do tempo, ele foi se demorando e soltando suas asinhas; cantava suas canções de passarinho, enquanto eu me entretinha com um livro ou com minha gaita. Arrisquei-me a colocar os farelos na palma da minha mão para que nosso contato fosse mais próximo; no início, ele pareceu tímido na verdade, até eu estava um pouco temeroso , mas no fim ele se acostumou.

As pessoas que apareciam no meu quarto me viam acariciando a cabeça multicor de um pássaro tão mágico e diziam para que eu não mais o alimentasse, enquanto outros diziam que eu deveria prendê-lo numa gaiola para que pudesse exibir aquele belo exemplar da espécie. Não fiz nem uma coisa nem outra: nossa relação estava ótima do jeito que estava.

Algumas vezes eu tinha que viajar por obrigações familiares, mas sempre deixava um pote com farelo para o meu passarinho; quando eu voltava, o pote estava vazio. Talvez tivesse sido outro pássaro, mas isso não me importava. O que me interessava era que o passarinho colorido pelo qual eu tinha me apaixonado sempre aparecia de volta.

Quando ele demorava, eu me preocupava. Passava dias sem aparecer. Houve também o dia em que ele ficou preso no espaço apertado de uma calha: sempre que ele se aproximava de lá, eu tentava tirá-lo, mas ele era muito teimoso e sempre voltava. Depois do dia em que ficou com as asas sem movimento e eu tive que tirá-lo com muito esforço, ele não mais se atreveu a voltar lá.

Ele partia todos os dias e sempre voltava. Sempre voltava. Dessa vez, porém, ele não voltou. Meu coração se esmaga só de pensar que aqueles dias em que ele comia na minha mão nunca mais voltarão; o meu coração chora de pensar que ele nunca mais voltará aos meus cuidados. 

Ele alçou voos mais longos, agora está percorrendo caminhos diferentes... Não o culpo! Ele é livre. Eu tentava me enganar dizendo que ele era meu passarinho, mas ele nunca foi meu: ele sempre foi e sempre será livre para ir onde suas asas puderem levá-lo.

Eu vou sofrer muito eu estou sofrendo muito , mas eu sei que algumas coisas são inevitáveis. Só queria ter a oportunidade de acariciá-lo pela última vez. Mas se, mesmo eu lhe dando todas as chances de ser feliz comigo, ele ainda cometer atos irresponsáveis e desaparecer durante muito tempo, eu sempre estarei aqui esperando pela sua volta.  

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Experiências e reflexões sobre Game of Thrones


Obs.: Leia sem medo; não solto nenhum spoiler.

A primeira imagem era um enorme portão de madeira aberto no meio de uma muralha de gelo que se estendia até se perder de vista no horizonte; dele, três cavaleiros cobertos de peles negras cavalgavam seus garranos. Isso foi há mais de um ano, quando numa tarde de domingo despreocupada eu comecei assistir à primeira temporada de Game of Thrones. Não foi preciso muitos dias para que eu já estivesse de quatro pelos personagens da série.

Depois de assistir aos dez primeiros episódios da série de TV, foi um passo muito curto para que eu comprasse os livros e me mudasse para Westeros, com uma espada de um lado e um saco de dragões de ouro do outro. Depois de vários meses, enfim, eu terminei a leitura dos cinco livros publicados e das três temporadas produzidas pela HBO.

Foi um convívio intenso com os livros: nas rodoviárias, nos ônibus, jogado em algum canto da minha casa, eu sempre estava com um daqueles calhamaços de 800 páginas na mão. As crônicas de Gelo e Fogo tornaram-se o meu vício, a minha mania constante. Quando eu não estava lendo um dos livros, eu estava em algum blog ou site sobre a série: mas, como diria Melisandre, a noite é escura e cheia de terrores spoilers, então encontrar algumas revelações bombásticas era inevitável para minha mente curiosa.


No início, eu achava que era uma injustiça dizer que As crônicas de Gelo e Fogo era melhor que Harry Potter ou que era uma heresia dizer que era melhor que O Senhor dos Anéis, mas hoje eu dou minha cara à tapa e enfrento quem quiser me desafiar num duelo singular (Quem é você para falar de Gayme ofi Tônis?). É como eu ouvi certa vez: essa rivalidade entre os fãs é saudável; é como se fosse o fanatismo dos torcedores de times de futebol transferido para o mundo nerd. Mas, por favor, prepare os argumentos antes de passar vergonha!

Eu passei o final da minha adolescência lendo fantasias infanto-juvenis que envolviam bruxos, vampiros e semideuses, mas agora aquilo já não me satisfaz. Agora eu passo horas e horas (pelas minhas contas foram mais ou menos 222h nove dias e meio para ler a série) para passar mais um tempinho com meus personagens favoritos.


E eu tenho certeza que quando eu ler outros livros a partir de agora vou sentir falta dos sonhos infantis e da ingenuidade da Sansa Stark, do caso incestuoso entre Jaime e Cersei Lannister, dos dragões e das “relações diplomáticas” encaradas pela Daenerys Targaryen, do sangue quente dos habitantes de Dorne, dos Caminhantes Brancos que habitam as terras Para Lá da Muralha, do amor incandescente que o Loras Tyrell sentia pelo rei Renly Baratheon, do temperamento psicopata do Ramsay Snow

E ainda têm os planos gigantescos do Petyr Baelish, que meu cérebro tão inexperiente não consegue descobrir o alcance verdadeiro; as maquinações da Senhora Coração de Pedra que muito me intrigam; a perspicácia e o poder de persuasão do Tyrion Lannister; e do treinamento pelo qual a Arya Stark está submetida do outro lado do Mar Estreito. 

Sem falar dos juramentos honrados, das visões que aparecem nas chamas, dos navios, dos lobos gigantes, dos bastardos, dos saques, dos estupros, dos Sete Deuses, dos Deuses Antigos, de R’hllor, dos wargs, do Rei Menino, das descrições de refeições que duram páginas e páginas e do inverno que está chegando.


E algumas pessoas, quando me veem com um dos livros ou quando descobrem que eu tenho todas as temporadas da série no meu computador, me perguntam:

É sobre o que essa série?

É uma fantasia medieval eu me limito a dizer para não tomar as próximas três horas do dia da pessoa.

Mas qual é a história principal? Quem é o personagem central? algumas ainda insistem.

Bem, se você quer começar Game of Thrones esqueça essa de história principal: uma rainha, um bastardo, o comandante de um navio, um menino paraplégico, uma menina cega ou um fantasma podem se tornar os protagonistas em algum momento: é a partir de seus pontos de vista que veremos a história. E qualquer um deles pode morrer na próxima página com um punhal, uma espada ou um arakh dothraki que os cortará do ombro até a virilha. Valar morghulis! Mas um certo deus vermelho é solícito se a prece for feita com muita fé...


Eu trouxe Game of Thrones para a minha vida e descobri que nosso dia-a-dia é um grande jogo, uma grande dança: só sobrevivem os que conseguem dançar conforme a música, os que conseguem compreender significados ocultos nas palavras do oponente, os que conseguem sorrir e chorar conforme a ocasião pedir. Jogar esse jogo com pessoas reais é mais excitante que uma partida de cyvasse.

Game of Thrones tanto me proporcionou momento de excitação, como os capítulos finais de Cersei, Arianne e Sansa em O Festim dos Corvos, quanto momentos de desolação, de luto, como o Casamento Vermelho, em A Tormenta de Espadas (a versão da TV me deixou com taquicardia, em estado de choque) e o antipenúltimo capítulo de A Dança dos Dragões, que me deixou com as mãos tão trêmulas que quase não me deixavam segurar o livro de 864 páginas!

Se formos muito otimistas, podemos esperar o próximo volume da série, Os Ventos de Inverno, chegando às livrarias em 2015 (eu espero que sim, George Martin!), mas, enquanto isso, vou ir sonhando com os personagens e inventando teorias das mais absurdas para satisfazer o meu vício.