sábado, 31 de dezembro de 2011

100 palavras para se lembrar de 2011




Dona Norma

Pitbull

Game of Thrones

Hebe

USP

Born this way

7 bilhões

Agora é tarde

Joana Machado

Rafinha Bastos

Pereirão

Amanhecer

Harry Potter e as Relíquias da Morte

Anderson Silva

Amor e Revolução

Patrícia Poeta

11 de setembro de 2011

As Esganadas

Obrigada, Nazaré

Criolo 

Osama Bin Laden

Itamar Franco

Adele

Príncipe William e Lady Kate

Fukushima

Líbia

Realengo

Muammar al-Kadhafi

Beato Papa João Paulo II

Amy Winehouse

Rock in Rio

O Palhaço

Banda UÓ

Medida Certa

Cláudia Leitte

Que deselegante

Steve Jobs

O Melhor do Mundo

Colin Firth

Kim Jong-II

Reynaldo Gianecchini

iPad-2

Cisne Negro

Belo Monte

Euro

Discurso do Rei

Guadalajara

Luís Inácio Lula da Silva

Grécia

Ai, como eu tô bandida!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Ângulos



“No mesmo instante em que Mello Noronha tenta acender um dos temíveis charutos, sua bela dona Yolanda adentra o gabinete. Está deslumbrante, num tailleur azul-escuro estilo Chanel, boina da mesma cor, o pescoço enfeitado por um fio de pérolas. Ato contínuo, Noronha apaga o fósforo e guarda o Panatela. Esteves levanta-se para saudá-la:

— Imenso prazer em revê-la e, se o marido me permite o elogio, linda e elegante como sempre.

— Nem tanto. Preciso perder dois quilos.

Tobias Esteves pontifica sobre o assunto:

— Senhora dona Yolanda, se me permite, sua declaração tem uma característica universal. Toda mulher do mundo acha que precisa perder dois quilos. O que disse já foi repetido em todas as demais línguas faladas no dito mundo civilizado. Sabe como a mulher chega a esta conclusão? Observando-se nas fotos. No espelho, ninguém se vê como realmente é. Diante do espelho, acontece uma correção inconsciente do corpo, e ela apresenta o melhor ângulo de si mesma. Numa fotografia, as pessoas aparecem chapadas no papel. Ninguém faz de si uma imagem real. Nos achamos um pouco melhores do que somos. Por isso é tão comum ouvir-se a frase: ‘Estou horrorosa nesta foto!’. Geralmente, não é verdade. De modo que posso garantir à senhora, dona Yolanda, que a sua beleza é irreprochável.

— Muito obrigada, seu Tobias, mas a verdade é que eu preciso perder dois quilos.”

Trecho do livro “As Esganadas” de Jô Soares

sábado, 24 de dezembro de 2011

Pedido de Natal


Entrar no shopping era como mergulhar num mar de luzes coloridas que piscavam esquizofrenicamente. As lojas oferecem as melhores condições de pagamento, querem aproveitar o seu 13º e estão todas decoradas de verde e vermelho.

Um Papai Noel está sentado no centro do shopping esperando que as crianças se postem ao seu lado (ou sentem no seu colo), façam seu pedido, tirem uma foto e saiam satisfeitas com o seu Ho-ho-ho!

Um menino de cabelos enrolados, olhos esbugalhados e um sorriso babão estava encantado com a chance de poder fazer seu pedido direto para o Papai Noel.

— Pai, ele veio do Pólo Norte?

— Veio, meu filho — o pai respondeu.

Era a vez do menino subir no colo do Papai Noel. Ele correu e deu um salto que foi amortecido pelo enchimento na barriga do ator contratado: um estudante de teatro que dividia o quarto da república com três colegas e tentava sobreviver com os auxílios da universidade.

— Papai Noel, eu fui obediente o ano inteiro! — o menino disse orgulhoso.

— Ho-ho-ho! Então, essa é a hora de você fazer o seu pedido. Quem sabe eu não entrego o seu presente pessoalmente na noite de Natal!

O menino ficou calado.

— Diga, meu filho — o Papai Noel o incentivou —, qual é o seu pedido?

— Papai Noel, eu quero mil reais!

— Ho-ho-ho! — Foi uma risada sincera. Aí, o Papai Noel ficou sério e disse pro menino: — Todos querem, meu filho. Todos querem...

O menino saiu do shopping com uma foto na mão sem entender o que o Papai Noel quisera dizer.

sábado, 17 de dezembro de 2011

Pensamentos mórbidos



Não sei se isso é saudável, mas pensar na nossa própria morte é uma coisa, no mínimo, interessante. O meu cansaço deve ter contribuído para esses pensamentos mórbidos, mas, nessa última noite, eu sonhei com a minha morte e as reações das pessoas.

Pensei primeiro na minha amiga Ana Paula, que foi minha companhia principal nas últimas 48 horas. Ela contaria pra todo mundo o quanto eu estava animado na quinta-feira quando fomos beber e dançar; ela contaria o quanto eu fiquei emocionado com o coral de Natal na sexta de manhã e o quanto eu me dediquei para escolher presentes no shopping. A Ana também seria responsável em explicar o monte de coisas que eu tinha comprado: esse presente é pra tal pessoa, esse outro é o do amigo oculto... Com lágrimas nos olhos, ela sorriria lembrando-se dos nossos infortúnios dentro do ônibus.

Logo em seguida, lembrei-me de mais duas amigas: Nathália e Gabriela. A Nathália ficaria com remorso por não ter me acompanhado nas compras de Natal e a Gabriela ia comentar com todo mundo o quanto eu parecia feliz no bate-papo do Facebook.

Por último, lembrei-me do meu amigo Igor, que eu não vejo desde julho, que ficaria olhando para a tela do seu celular olhando a mensagem que eu tinha lhe enviado na quinta-feira! E ficaria arrependido de não ter me feito algumas perguntas pessoais antes.

Pode parecer idiota para quem está lendo, mas, com isso, eu me lembro de uma coisa que eu sempre digo e que revela um traço da minha personalidade: eu sinto necessidade de ser lembrado. Talvez seja por isso que eu às vezes sinto necessidade de ser extravagante.

Esse relato, em que eu transformei os meus amigos em personagens — como se eu conhecesse os sentimentos mais íntimos deles —, é só um desejo inconsciente. Sim, desejo. Porque eu quero ser lembrado. Não tem nada mais egocêntrico do que isso, mas eu só estou abrindo meu coração.

E eu ainda me lembrei de um diálogo entre eu e outro amigo: 

— Porque, quando alguém morre, tem pelo menos uma pessoa pra chorar por ela — ele disse.

— Ah, eu quero que os outros chorem no meu velório — eu respondi.

— Eu não — ele completou. — Quero todo mundo alegre.

Aí, eu já não sei se eu quero que as pessoas chorem ou festejem no meu velório. Só quero ter pessoas pensando em mim quando eu me for. Na verdade, prefiro pensar como Chico Xavier: “Se não quiser chorar, não chore. Se não conseguir chorar, não se preocupe. Se tiver vontade de rir, ria.”

Minha mãe já teria me mandado calar a boca, mas... Gente, todo mundo vai morrer! Por que conversar sobre uma notícia de jornal é diferente de conversar sobre a minha morte? A morte é minha, uai!

O mais louco é que, depois da morte, nosso corpo se torna responsabilidade de pessoas que, às vezes, nunca tínhamos visto antes. Nós já não teremos mais controle sobre as nossas vontades; as pessoas farão as escolhas por nós. Aí vem uma coisa muito tensa e eu vos peço:

Gente, pelo amor de Deus: coloquem uma foto descente na minha lápide!

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Uga-uga-rá


[eu não sei de onde tirei isso²]

Os dois estavam sozinhos, perdidos numa praia deserta. Não tinham a mínima ideia de como voltar.

— A culpa é toda sua por me passar raiva. Acabamos perdidos — disse o primeiro.

— Você que é leso e fica pondo a culpa em mim — disse o outro. — E eu ainda tenho uma pederneira. Vou ser bonzinho e te livrar dessa também. Vou botar fogo nessa mata toda. Alguém vai encontrar a gente.

— Tenho certeza que, se você tivesse um bote que só coubesse uma pessoa, você não me livraria dessa.

— E você faria diferente?

— Mas você me deve dinheiro!

— Só por causa disso eu deveria te salvar? — o outro diz tentando usar a pederneira. — É... como é que usa isso aqui mesmo?

— Nossa, mas você é um herói mesmo, hein.

De repente, uma chuva de flechas. Uma acertou a panturrilha de um; outra acertou os fundilhos do outro. Caíram desmaiados.

— Ih, mas a minha carne é muito ruim!

Agora, os dois estavam amarrados em árvores separadas, com os braços para trás, sem camisa, com as testas marcadas de vermelho. Enquanto isso, os membros da tribo preparavam o ritual: uns esquentavam a água no caldeirão, outros cantavam e dançavam o Uga-uga-rá!

Os membros da tribo se pintavam de preto com listras verdes e vermelhas imitando répteis da mata. Também tinham pintas brancas no rosto. Balançavam chocalhos e, nos pés, as conchas amarradas produziam sons.

— Uga-uga-rá!

E os capturados se preparavam (se é que isso é possível) para serem cozidos vivos:

— A minha carne é muito dura. Vocês precisam d’um amaciante de carne. Vocês tem isso aí?

— Uga-uga-rá!

— Esquece, cara! — o outro aconselha. — Essa gente não entende nossa língua. Eles são um bando de ignorantes!

— Talvez eles te soltem também...

— Eu não preciso da sua ajuda.

— Do mesmo jeito que você  não precisou de mim com a pederneira? Tudo bem, então. Na verdade, eles vão ver a bondade na minha cara. Eu tenho filho pequeno pra criar! Diferente de você, canalha!

— Canalha? Eu também tenho filho pra criar.

— Não tem, nada! Já chega de mentiras. — Ele tenta alcançar o outro para chutá-lo. — Você é um enganador barato. Me devolve meu dinheiro, seu desgraçado!

— Uga-uga-rá!

— Eu vou te pagar. É só ter paciência.

— Paciência?! Você está me pedindo para ter paciência há mais de um ano! Me devolve meu dinheiro!

— Olha, já que a gente vai morrer mesmo... Eu nunca vou te pagar. Nunca nem pensei nisso. 
Pronto, falei.

— Uga-uga-rá!

— Seu filho da mãe!

— E pra que você precisa de dinheiro agora? Vamos morrer de qualquer jeito. Você nunca foi à missa e ouviu o padre dizer que da terra não levamos nada...

— CALA A BOCA! Eu tenho filho pra criar, seu cretino.

— Mas ele também tem mãe.

— Claro! Eles não são filhos de parideira. E ela precisa de mim também. A gente se ama.

O outro ri.

— Nessa hora, ela deve estar na sua cama com o Ricardão.

— Uga-uga-rá!

— Ela não é como a sua mãe! — Vira-se para a tribo: — Eu preciso criar meu filho. Deixa eu ir embora.

— Você acha que esses índios pelados e analfabetos vão entender o que você fala? Isso aí é que nem bicho.

— Nóis entender o que cara pálida fala.

O outro engole seco.

— Nóis não ser bicho — o cacique continua. — E nóis não gosta de traidor. — Vira-se para alguns jovens da tribo: — Solta o que tem filhote.

— Como assim? E eu?

— Ir pro caldeirão. Nóis não soltar traidor.

Ele ainda alimenta uma última chama de esperança.

— Cara, me tira daqui. Chama ajuda. Pel’amor de Deus!

O outro diz enquanto se livra das cordas:

— O que foi que você disse agora há pouco? Que não precisa da minha ajuda, não é?

— Mas agora é diferente.

Mas o que está livre já está rindo e correndo para longe. Ainda se vira e grita de longe:

— Bom apetite!

domingo, 4 de dezembro de 2011

A Gorda



[ou “A Rechonchuda” para os politicamente corretos]

Não tenho nada contra quem está acima do peso e essa história nem é tão interessante quanto outras, mas, se alguém me perguntasse o motivo de eu ter gasto o meu tempo com essa gorda, eu responderia... Não sei! Na verdade, eu nunca tinha vista mais gorda. Mas ela é uma daquelas personagens que eu encontro na rua e não me saem da cabeça. É uma das personagens que precisam ter suas histórias contadas.

Cinco horas da tarde e o sol está insuportável! Não é como o sol quente do meio-dia, é um sol que entra por todos os nossos poros e nos impede de respirar. É um mormaço que faz com que você chame todos os santos para que o ônibus chegue o mais rápido possível; é um mormaço que faz com que você se sinta como se estivesse numa estufa de boteco de esquina.

E foi justamente de uma dessas estufas que saiu o salgado que a gorda comia. Sentei-me ao lado dela no ônibus enquanto ela mordia o risole e bebia guaraná. O óleo ultrapassava o guardanapo fino e escorria entre seus dedos roliços, enquanto o cheiro de fritura entrava pelas minhas narinas quase impossibilitadas de respirar por causa do calor. Aquilo me revirava o estômago.

Ela terminou o salgado e limpou os dedos no guardanapo quase transparente e bebeu o resto de refrigerante numa única chupada no canudinho. O ônibus se aproximava do ponto em que ela deveria descer e eu atrapalhava a sua passagem. Ela se virou para mim e disse mal-humorada:

— Sai que eu quero descer!

Educação mandou lembranças... Saí como ela tinha mandado e quase pedi desculpas por eu existir. E ela desceu com a mesma cara amarrada e com a mesma delicadeza com que ela tinha me pedido passagem.

Para terminar, uma menininha de uns 6 anos gritou:

— Olha, vó! É aquela mulher ali, ó. É mais gorda que a senhora.

Ai, ai... a sinceridade das crianças.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O Fruto Proibido



“O tempo não foi a única novidade trazida por Eva ao jardim do Paraíso. Foi ela que, dias depois, colheu o fruto proibido , que os tornou, de uma só mordida, sexuais e mortais. E foi depois de comer o fruto proibido, quando a Terra entrou na sombra da noite e os dois se deitaram lado a lado, que Adão sentiu seu membro, que ele pensara que fosse só para fazer xixi, se mexer. E avisou à Eva:

— É melhor chegar para trás porque eu não sei até onde este negócio cresce.”

Em algum lugar do paraíso, Luís Fernando Veríssimo