quinta-feira, 27 de junho de 2013

Anjo da Guarda


Enquanto as crianças entravam no carro, a mulher sentada no banco do motorista alisava a sobrancelha olhando no retrovisor interno. Seu filho mais novo nossa, quando essas crianças cresceram tanto? sentou-se no banco da frente, depois de muito pedir à irmã mais velha; a menina, de uns 15 anos, sentou-se no banco de trás com o celular na mão.

Era início da tarde e os três pouco conversavam dentro do carro; a menina zapeava pelos aplicativos do seu celular e o menino estava entretido com as músicas no som do carro. A mãe dos meninos tentava acompanhar as letras ensurdecedoras com seu inglês que tinha aprendido num curso de conversação para funcionários da universidade.

Subiam pela Av. Brasil, perto do fim do bairro com o mesmo nome. O carro deles é um desses modelos novos do Fiat Uno, branco, discreto. Pararam num sinaleiro. Mais uma vez a mulher olhou no retrovisor para conferir a sobrancelha, a menina continuava no celular e o menino remexia nuns papéis em seu colo.

O sinal ainda estava vermelho quando um rapaz apareceu de supetão na janela do lado do passageiro. Meu Deus, a mãe estava tão distraída com o retrovisor que nem percebeu o susto que o filho levou com aquela aparição inusitada. Vamos ser assaltados!, talvez tenha sido seu pensamento.

O rapaz do lado de fora tinha uma mochila nas costas, óculos de armação escura, a respiração ofegante e o desespero estampado na cara. Ele vai levar meu celular!, a menina deve ter pensado. Mas o rapaz só queria falar com a motorista:

Moça ele chamou , moça!

A mulher continuava a cantarolar enquanto arrumava sua sobrancelha, alheia ao desespero dos seus filhos. Quando percebeu a presença ameaçadora na janela do seu carro, soltou um Ai, que susto, menino!

Moça, eu preciso de ajuda o rapaz foi logo cuspindo as palavras: Eu tô com duas meninas aqui comigo. E elas precisam fazer o vestibular ali na Universidade. No campus que fica logo ali em cima! Mas a gente desceu do ônibus no ponto errado e agora só faltam 15 minutos pro início da prova. Tá muito longe pra ir a pé. A gente tá desesperado! Eu preciso arranjar uma carona pra essas meninas...!

Meu Deus! Cadê elas, menino? Coloca elas dentro do carro que eu levo elas lá agora!

Ai, moça! Obrigado, obrigado, obrigado. O rapaz agradeceu.

Esse rapaz desesperado por uma ajuda era eu; as duas meninas atrasadas para o vestibular de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia eram minha irmã e minha prima. Tudo isso aconteceu no sábado passado numa correria que durou alguns minutos mas que, pela dor nas minhas costas no dia seguinte, pareceu durar horas em busca de uma alma caridosa que pudesse nos ajudar.

Quando eu encontrei esse carro parado no semáforo, eu não me lembrei de vergonha ou timidez e coloquei o “carão” lá dentro pra pedir ajuda. Assustei o menino que estava sentado no banco da frente, mas, quando a mulher mostrou-se solidária com a minha causa, eu só fiz agradecer.

Peguei minha irmã pelo braço e joguei no banco de trás ao lado da menina que mexia no celular; depois empurrei minha prima e espremi todo mundo até que coubessem todas dentro do carro. O sinal passou do vermelho para o verde e eu, da calçada, me despedi das meninas que já arrancavam os cabelos de ansiedade.

Quando eu contei o acontecido pra minha mãe, ela me disse que essa seria uma história para rirmos daqui uns meses. Nem foi preciso tanto: no final daquela tarde, nós já estávamos nos contorcendo de tanto rir de tudo que a gente tinha feito, de todas as pessoas que a gente tinha abordado antes de encontrar alguém solícito... E agradecemos a essa mulher que eu transformei em protagonista dessa história, mesmo sem saber seu nome, sua profissão ou se era mesmo mãe daqueles meninos, mas que foi o nosso anjo da guarda naquele dia. 

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Loser


Eu nunca me dei bem com os esportes e nunca fui a pessoa mais sociável do colégio; meu nome nunca esteve envolvido em algum escândalo engraçado, nunca fui suspenso, nunca me envolvi em brigas. Nos tempos da escola, eu era encontrado nos arredores da biblioteca, ou dentro dela, jogando conversa fora, sendo um aluno comum.

Dentro da sala, eu estava entre os primeiros da turma. Sempre. Foi assim a minha vida inteira: as boas notas e o bom exemplo era o mínimo que as professoras esperavam de mim. Eu sempre me cobrei demais: eu sabia que eu nunca seria perfeito, mas eu queria, pelo menos, passar perto de ser. E foi assim durante toda a minha vida até os dias de hoje.

Mesmo com tudo isso, eu dizia sempre que eu era um perdedor: I’m a loser, eu queria escrever na minha camiseta. Eu era o menino que apanhava na escola ou era chantageado para não apanhar , que era empurrado das escadas, que era passado pra trás na fila do lanche. Mas, pensando bem, isso nunca me fez ser um perdedor! Talvez eu fosse um pouco imbecil, mas tudo isso que me aconteceu não fazia de mim um perdedor. Eu nunca fui um perdedor.

Eu sempre vencia; eu sempre queria vencer. Ah, como é bom ser assim! Na grande parte da minha vida, eu me sentia o melhor. Tomei cuidado para que minhas vaidades não fossem alimentadas, e espero que não tenham sido e consiga comprovar isso nessas linhas que escrevo. Uma vida de muitas vitórias, muitos pódios, muitos prêmios por ser o melhor (ou um dos). Isso me fez uma pessoa melhor? Isso aumentou a minha auto-estima? Isso me deixou mais confiante?

Talvez, por algum tempo, tenha contribuído para eu adquirir aquele negócio que chamam de amor-próprio, mas depois... Não me serviu de muita coisa. E, nos últimos dias, vi que isso até me atrapalhou um pouco. A vida não é feita apenas de vitórias; na verdade, mais de derrotas e perdas do que de momentos de êxito. E o caminho que minha vida percorreu não me ensinou a ser um bom perdedor.

Pouco mais de uma semana atrás, eu fui reprovado pela primeira vez na prova de direção veicular. Que coisa tosca!, alguns devem pensar. Talvez pensem isso por acharem que é uma prova baba ou por pensarem que isso não é um tipo de preocupação que se carregue por dias... Enfim, eu fui reprovado! E eu nunca pensei que essa reprovação fosse me jogar no chão, me chutar e mostrar que eu sou um nada. Eu sou um péssimo perdedor.

Eu me cobro demasiadamente e um erro é um passo mais distante do ideal. Um erro é um erro. Não tem meio-termo! Mas talvez isso seja um golpe do destino, da vida ou de sei-lá-o-que para me mostrar que eu não sou perfeito e que eu sou humano como todas as outras pessoas; sujeito a erros e a acertos na mesma proporção. Não adianta culpar ninguém ou chorar pelo leite derramado. Não tem como voltar atrás e fazer aquela baliza do jeito certo ou tentar ficar mais calmo enquanto eu tentava colocar o cinto de segurança. Eu perdi. Pronto. Ponto.


Eu espero, no fundo do meu coração, que eu consiga enxergar isso; que eu coloque os meus pés no chão e me esqueça de chegar sempre ao topo; que a vida é feita de vitórias e derrotas e blá-blá-blá. Mas, até lá, eu vou sofrer pensando que todos os motoristas do mundo são mais inteligentes que eu.