quarta-feira, 24 de abril de 2013

Déjà vu



“Se lembra quando a gente chegou um dia
acreditar que tudo era pra sempre?
Sem saber que o pra sempre sempre acaba”

Eu já tive uma amizade de duas semanas. É uma das coisas mais vívidas e mais felizes impregnadas na minha memória. Foram duas semanas incrivelmente intensas, com encontros no meio da tarde, abraços apertados e sorvetes de abacaxi. Uma amizade que teve uma vida útil de duas semanas: de um domingo à noite de uma semana até um sábado à tarde na outra. Com direito à despedida!

Que momentos encantadores! Foi uma amizade intensa, forte, rápida como fogo na grama seca. E, como esse fogo, queimou até onde pôde, mas depois se apagou.

Foram duas semanas muito felizes pra mim. Pra ele também. As consequências dessa amizade é que talvez tenham sido dolorosas pra ele. Talvez, não; tenho certeza que foram dolorosas, traumatizantes até. Nesse pouco tempo juntos, ele me contou que, às vezes, precisava de antidepressivos para dormir e, pelas olheiras, eu sabia que suas noites não estavam sendo tão agradáveis.

Eu também sabia de um amor que ele sentia; eu sabia que era um amor sincero. Eu, sempre descuidado, cheguei pisando nas flores que estavam no caminho. Destruí todo o jardim, mas eu nem me dava conta do quanto aquilo era doloroso pra ele. Eu vi que ele estava triste, que seus olhos estavam cheios de lágrimas; e, no fundo, eu sabia que aquela dor era culpa minha. Por isso eu ofereci um abraço... que foi recusado. Mas não guardo mágoas por isso! Talvez eu merecesse.

Acho que eu sempre dei mais valor ao jogo do que às peças. Não entendia muito bem que as peças tinham sentimentos, que elas sofriam; eu jogava sem me dar conta disso tudo. Eu queria era jogar: ganhar ou perder pouco importava; as peças é que se movam da maneira que acharem melhor. Eu queria jogar!

Que jogo agourento!

As lembranças vieram como um tsunami e me derrubaram. O jogo se repete, o presente imita o passado e eu tenho essa sensação de déjà vu. Tudo parece se repetir. A minha alegria, a minha vontade de jogar e, do meu lado, o esforço, a dor velada, o amor maltratado. Eu queria poder mudar tudo isso, mas eu não consigo. As coisas mudam, tudo muda. Alguns são capazes de se moldar como o barro do artesão; ao passo que eu me sinto como um bloco de gelo impenetrável.

Acho que as feridas do meu amigo já cicatrizaram. As minhas talvez estejam apenas no início: mesmo assim, elas serão muito pequenas perto do sofrimento que eu o fiz passar. Queria poder retomar a amizade, mas... prefiro deixar como está. Deixe que o jogo continue e quem sabe essas duas peças não voltem a se encontrar.

domingo, 21 de abril de 2013

Verdade e consequência


Lidar com pessoas sempre foi difícil pra mim. Quando eu era criança, eu tinha tanta dificuldade em me relacionar com outras pessoas que minha mãe achou que eu fosse anti-social. Minha dificuldade em me relacionar vinha não só da minha aversão a qualquer tipo de sociabilidade relacionar-me com os livros era bem menos complicado , mas também por eu ter certa repulsa por manter contatos “íntimos”: aperto de mão, abraço, beijo no rosto... Beijo na boca e sexo, mesmo na adolescência, eram coisas completamente fora de questão!

Com o tempo eu fui aprendendo a superar essas paranoias; o mundo me fez aprender. Quando se tem 18 anos e sua pretensão é sair da casa dos pais e mudar para outra cidade sozinho, você é obrigado a dar conta dos seus próprios problemas. Sendo curto e grosso: você tem que aprender a conversar com as pessoas! Deixar de ser aquele bicho do mato que se esconde debaixo do vestido da mãe quando encontra alguém desconhecido.

Hoje em dia, eu acho até divertido criar novos laços com as pessoas à minha volta. Gosto de criar técnicas para me sair bem num primeiro contato com as outras pessoas, por exemplo: que tipo de piadas contar, que assuntos tratar num jantar, o que falar num primeiro encontro. Eu amo fazer novas amizades. Não estou falando de fazer novos “amigos de infância”, mas de criar vínculos amigáveis com pessoas diferentes. Isso é um desafio que eu me proponho todos os dias!

Além disso, e eu já disse isso em outra ocasião, eu sinto a necessidade de ser lembrado. Eu não gosto de ser apenas mais uma pessoa que os outros conhecem e logo será esquecido. É claro que eu não consigo mudar a vida de todas as pessoas à minha volta, mas só um ato de gentileza nesse mundo repleto de pessoas cinzas já faz uma grande diferença. As pessoas vão se lembrar daquele que te mandou flores, que te deu um cartão de aniversário ou que ouviu suas lamúrias num momento difícil.

Pensar como fazer a diferença na vida das pessoas e como fazer novas amizades tornou-se a parte mais divertida do meu dia-a-dia. E nesses últimos meses, a vida deu-me a oportunidade de fazer uma autoavaliação: na verdade, eu fui obrigado a rever meus conceitos do que é ser amigo, filho, namorado, afilhado, sobrinho, irmão, colega de trabalho... Acho que depois dessa avaliação eu estou muito mais consciente das minhas ações e já estou muito mais seguro para os próximos relacionamentos que virão. Já consigo argumentar melhor e traduzir em palavras muitas coisas que eu vinha refletindo desde sempre.

Mas a maior conclusão de todas é: as pessoas não gostam da verdade. É impressionante o quanto todos nós julgamos as pessoas por elas serem exageradas, mentirosas, falsas, mas nós não aguentamos a verdade. Eu já menti muitas vezes para evitar a fadiga, mas hoje eu já consigo tomar as rédeas das situações e acho muito melhor ser sincero. Mas ninguém quer ouvir a verdade! As pessoas querem ouvir as “verdades” que são confortáveis: mesmo que essas “verdades” não sejam verdadeiras. Ser sincero é correr o risco de ser chamado de rude, inconveniente, insensível e mais um milhão de termos negativos. Você é julgado por mentir, e condenado por falar a verdade.

Mesmo eu tendo tanta experiência com relacionamentos humanos, eu fui surpreendido com um pensamento: se as pessoas gostam apenas das “verdades” que gostam de ouvir, todos os relacionamentos duradouros são baseados na mentira? Eles tem que ser baseados na mentira?

Eu não soube responder a essas questões. Só sei dizer que eu continuarei falando a verdade quando eu achar que deva dizer a verdade. E eu também sei ser falso, mas a minha máscara cai se você souber onde desamarrar.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Entrelinhas



Quantos anos? Se alguém me perguntasse, eu saberia dizer com exatidão que foram quatro anos e três meses desde o dia em que ele tinha partido para estudar em Lisboa.

Ele enviava-me cartas mensalmente: a maioria delas  muito animadas, por sinal  descrevia os costumes europeus, as paixões passageiras e a vida boêmia na noite lisboeta. Quão feliz ele estava! Dava-me a impressão de que ele gozava de uma felicidade plena do outro lado do Atlântico.

Nas minhas respostas, eu não abria mão de demonstrar o quanto as conquistas dele me causavam satisfação e deleite. Mas a tristeza, impregnada de saudade, estava sempre ali entre as páginas, entre as manchas de tintas, entrelinhas. Era inevitável!

Na noite em que ele partiu, enquanto ele embarcava num navio no porto, eu encostei a cabeça no travesseiro e tentei entender o que eu sentia. Era uma angústia sem tamanho: uma sensação que trespassava o meu peito como uma lâmina, fechava a minha garganta e não me deixava controlar as lágrimas que saiam desimpedidas. Um murro no estômago, a imobilidade das pernas...

E, naquele momento, ele descia do trem e firmava os pés no chão da estação! A barba crescera-lhe pelo rosto outrora tão infantil e agora ele parecia um homem: engravatado, roupas alinhadas, chapéu e sapatos engraxados. Por trás das lentes diminutas dos seus óculos, consegui vislumbrar o prazer de reconhecer o meu rosto; essa felicidade traduzida num sorriso largo e ensolarado.

Durante esses quatro anos, eu tive inúmeros momentos de alegria e divertimento, nos cafés e nos bares, nas livrarias e nas esquinas; tudo aquilo me fizera esquecer, mesmo que temporariamente, a angústia da ausência. Mas aquelas eram sensações secundárias. Foi apenas com a visão daquele homem na minha frente é que eu senti o peso da dor esvaindo-se junto à fumaça da locomotiva.

Quando ele segurou sua mala com firmeza e colocou-se em passos largos na minha direção eu senti... Junto ao burburinho dos encontros saudosos ao nosso redor, eu entendi que eu o amava. Sempre o amei desde o primeiro momento em que coloquei os meus olhos sobre ele. Eu o amava mais do que pela sua aparência inclusive, ele era possuidor de uma beleza sutil , mais do que por tudo que ele tinha feito por mim durante todos aqueles esquecidos anos da mocidade, mais do que pelas cartas, mais do que por qualquer outra coisa que vivêssemos dali pra frente. Eu o amava apenas pelo simples fato de ele existir. Sua existência era essencial para a minha.

Ele era o meu mundo! Eu o amava mais do que a mim mesmo.

Todos os sentimentos que eu tinha esquecido para que a minha vida ou essa sobrevivência a que eu chamei de vida durante esses anos pudesse caminhar, correram de volta às minhas veias como um tiro de um mosquete. E o meu choro caiu incontrolável pelos ombros dele quando eu o abracei, quando eu abracei o meu mundo. A minha vida estava segura entre os meus braços e eu não deixaria que ela fugisse mais uma vez de mim; não queria tornar-me um jovem pálido e cadavérico, entregue aos vícios e aos erros. Eu segurava meu mundo e ele retribuiu com vigor. Sem entender.