Certo vilarejo era rodeado por uma floresta com árvores
imensas: troncos tão largos e tão altos que precisaria de uma dezena de homens
para abraçá-la e uma visão aguçada para vislumbrar o seu último galho. Essa
floresta já fora habitada por gigantes comedores de carne humana, mas depois
que esse povo estabeleceu o vilarejo em seu centro, poucos gigantes restaram.
Mesmo em menor número, os gigantes, porém, não se intimidam
com a presença humana. De tempos em tempos, uma criança ou um ancião desaparecem
para nunca mais voltar. Por isso, desde a mais tenra infância, os meninos do
vilarejo são criados para matar gigantes: é um passo importantíssimo para
entrar na vida adulta. A sobrevivência do vilarejo depende da coragem e da
força desses homens que enfrentam o seu primeiro monstro no início da
juventude.
Nosso personagem principal, um menino magricela, mas dono de
uma coragem incomensurável, já tem idade suficiente para enfrentar o seu
próprio gigante. Ele sabe que pode vencer o gigante não pela sua força
(logicamente ele perderia para um ser monstruoso!), mas pela sua inteligência e
perspicácia. Nada seria capaz de derrotá-lo!
No dia marcado, ele saiu cedo e não foi preciso andar até
muito longe para encontrar o rio onde os gigantes matavam a sede. O seu alvo já
fora definido há tempos e o menino o espreitava por detrás de uma árvore. Ele
sabia exatamente como derrubar o gigante: venceria
pela agilidade! O menino chamou a atenção do gigante para si e correu para
deixá-lo tonto; assim poderia chegar ao ponto fraco do monstro com maior
rapidez. Ele esperava ser lembrado como o mais rápido a derrotar um gigante.
O menino sabia exatamente onde e como ferir o “calcanhar de
Aquiles” daquela criatura, mas não tinha previsto os outros obstáculos: a
pressa e o foco único no seu objetivo fez com que ele tropeçasse numa das
imensas raízes no chão. O gigante viu o menino caído e viu a sua oportunidade
de vitória; para o menino não tinha outra escapatória que não fosse a fuga.
Chegou ao vilarejo envergonhado, trazendo a derrota pintada no rosto.
Quais foram seus erros? Querendo reconstituir a sua honra, o
menino agora precisava aprimorar suas habilidades: precisa derrubar o gigante,
mas precisa prestar atenção nas raízes das árvores. Ele já conhecia toda a
constituição do gigante, agora era preciso fazer um mapeamento do terreno: ele
precisava saber andar naquele espaço com os olhos fechados, da mesma maneira
que percorria os espaços do seu casebre nas noites escuras. E ele treinou muito
enquanto os gigantes dormiam!
O momento oportuno chegou mais uma vez: ele tem consciência
das raízes e derrotará o gigante. A criatura monstruosa já o persegue, como da
outra vez, mas agora o menino presta mais atenção ao chão que pisa. Entretanto,
enquanto anda de costas e visualiza as raízes ao seu redor, ele não percebe os
galhos das árvores baixas, tão incomuns perto do vilarejo, mas em abundância
perto do rio. Bate com a nuca num desses galhos e se fere gravemente. Com a
força que ainda lhe resta, rola o corpo para as sombras de uma árvore e fica
ali escondido até que o gigante se afastou tarde da noite.
O menino precisa mais uma vez se preparar para conseguir
derrotar esse monstro e ser aceito no vilarejo. Ele sabe que esse é apenas o
primeiro monstro que todos os homens tem de enfrentar. Mas agora ele não está
tão confiante como no início. Ele sabe que tem que derrotar esse monstro, mas
também tem consciência da sua imperfeição:
sabe que pode tropeçar numa raiz ou bater com a cabeça num galho baixo.
Qualquer pequena distração seria capaz de fazer com que todo o castelo de
expectativas construído na véspera caísse ao chão. Ruína! Agora ele tem medo do
gigante, das raízes, dos galhos, mas, principalmente, tem medo da derrota, medo
de desperdiçar toda a sua dedicação de dias numa piscadela.
Ele ainda não venceu o gigante. Ainda! Mais do que as pedras ou os galhos, ele tem que vencer o
medo e a insegurança. A questão não é não criar expectativas; a questão é estar
preparado para o fracasso e erguer a cabeça para derrotá-lo.