domingo, 25 de agosto de 2013

O Monstro


Certo vilarejo era rodeado por uma floresta com árvores imensas: troncos tão largos e tão altos que precisaria de uma dezena de homens para abraçá-la e uma visão aguçada para vislumbrar o seu último galho. Essa floresta já fora habitada por gigantes comedores de carne humana, mas depois que esse povo estabeleceu o vilarejo em seu centro, poucos gigantes restaram.

Mesmo em menor número, os gigantes, porém, não se intimidam com a presença humana. De tempos em tempos, uma criança ou um ancião desaparecem para nunca mais voltar. Por isso, desde a mais tenra infância, os meninos do vilarejo são criados para matar gigantes: é um passo importantíssimo para entrar na vida adulta. A sobrevivência do vilarejo depende da coragem e da força desses homens que enfrentam o seu primeiro monstro no início da juventude.

Nosso personagem principal, um menino magricela, mas dono de uma coragem incomensurável, já tem idade suficiente para enfrentar o seu próprio gigante. Ele sabe que pode vencer o gigante não pela sua força (logicamente ele perderia para um ser monstruoso!), mas pela sua inteligência e perspicácia. Nada seria capaz de derrotá-lo!

No dia marcado, ele saiu cedo e não foi preciso andar até muito longe para encontrar o rio onde os gigantes matavam a sede. O seu alvo já fora definido há tempos e o menino o espreitava por detrás de uma árvore. Ele sabia exatamente como derrubar o gigante: venceria pela agilidade! O menino chamou a atenção do gigante para si e correu para deixá-lo tonto; assim poderia chegar ao ponto fraco do monstro com maior rapidez. Ele esperava ser lembrado como o mais rápido a derrotar um gigante.

O menino sabia exatamente onde e como ferir o “calcanhar de Aquiles” daquela criatura, mas não tinha previsto os outros obstáculos: a pressa e o foco único no seu objetivo fez com que ele tropeçasse numa das imensas raízes no chão. O gigante viu o menino caído e viu a sua oportunidade de vitória; para o menino não tinha outra escapatória que não fosse a fuga. Chegou ao vilarejo envergonhado, trazendo a derrota pintada no rosto.

Quais foram seus erros? Querendo reconstituir a sua honra, o menino agora precisava aprimorar suas habilidades: precisa derrubar o gigante, mas precisa prestar atenção nas raízes das árvores. Ele já conhecia toda a constituição do gigante, agora era preciso fazer um mapeamento do terreno: ele precisava saber andar naquele espaço com os olhos fechados, da mesma maneira que percorria os espaços do seu casebre nas noites escuras. E ele treinou muito enquanto os gigantes dormiam!

O momento oportuno chegou mais uma vez: ele tem consciência das raízes e derrotará o gigante. A criatura monstruosa já o persegue, como da outra vez, mas agora o menino presta mais atenção ao chão que pisa. Entretanto, enquanto anda de costas e visualiza as raízes ao seu redor, ele não percebe os galhos das árvores baixas, tão incomuns perto do vilarejo, mas em abundância perto do rio. Bate com a nuca num desses galhos e se fere gravemente. Com a força que ainda lhe resta, rola o corpo para as sombras de uma árvore e fica ali escondido até que o gigante se afastou tarde da noite.

O menino precisa mais uma vez se preparar para conseguir derrotar esse monstro e ser aceito no vilarejo. Ele sabe que esse é apenas o primeiro monstro que todos os homens tem de enfrentar. Mas agora ele não está tão confiante como no início. Ele sabe que tem que derrotar esse monstro, mas também tem consciência da sua imperfeição: sabe que pode tropeçar numa raiz ou bater com a cabeça num galho baixo. Qualquer pequena distração seria capaz de fazer com que todo o castelo de expectativas construído na véspera caísse ao chão. Ruína! Agora ele tem medo do gigante, das raízes, dos galhos, mas, principalmente, tem medo da derrota, medo de desperdiçar toda a sua dedicação de dias numa piscadela.

Ele ainda não venceu o gigante. Ainda! Mais do que as pedras ou os galhos, ele tem que vencer o medo e a insegurança. A questão não é não criar expectativas; a questão é estar preparado para o fracasso e erguer a cabeça para derrotá-lo.

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