Já passavam das nove horas da noite e o vento batia frio nas
minhas orelhas. Mochila nas costas, mãos nos bolsos da calça, cabeça abaixada,
eu subia um caminho comprido que começava lá naquele último estacionamento do
campus da universidade, passava ao lado da biblioteca e acaba ali, ao lado do
bloco do Direito.
Na direção contrária, um rapaz descia apressado trazendo na
mão uma meia dúzia de livros. O barulho dos seus pés no cimento me fez levantar
a cabeça e nossos olhares se cruzaram; sempre que isso acontece, surge um tipo
de intimidade entre os envolvidos. O menino precisava de ajuda e aquela troca
de olhares, então, deu-lhe o espaço que ele precisava para se aproximar:
— Oi. A biblioteca tá aberta? — perguntou
com um sorriso.
Eu olhei para o prédio lá embaixo e não estava muito certo
sobre a resposta.
— Uai, eu acho que tá...
— É que disseram que essa semana não ia abrir. Eles ‘tão em
greve? É que eu preciso entregar esses livros.
Eu já sabia que era um desses novatos inexperientes. Coitados...
— Eu não vi nenhum cartaz falando de greve, não. Ontem, pelo
menos, a biblioteca tava aberta.
— Tava?
— Tava. E, se eles ‘tiverem de greve, não precisa ficar
preocupado, não: eles não cobram multa nesses casos.
Ele ainda hesitou. Sinceramente, eu não sei por que aquele rapaz
ainda estava perdendo tempo comigo: seria mais fácil descer mais alguns metros
e conferir se a porta estava aberta do que tentar tirar alguma informação de um
sujeito distraído.
De qualquer forma, eu tentei animá-lo:
— Ontem tava!
— Sério? Eu vou descer lá.
— Desce mesmo! Deve ‘tá aberta, sim.
— Você tem certeza?
Levantei os braços pra cima, encolhi os ombros:
— Olha, moço, certeza certeza eu só tenho da morte...
Ele sorriu pra mim e eu vi pela sua expressão o quanto ele
achava tudo aquilo absurdo. Eu também ri. O que eu tinha dito?
— Obrigado — ele disse no meio de uma
risada tímida. E foi.
Enquanto eu... segui meu caminho pensando sobre a nossa vida
frágil e efêmera.