sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Internautas Anônimos


— Bom dia, meu nome é Lucas.

— Oooooi, Lucas!

— Bem, eu tenho dezenove anos e, como todos podem perceber, essa é a minha primeira sessão. E... Eu estou aqui por causa do apoio dos meus familiares, dos meus amigos e... — calei.

— Você não quer nos contar a sua história, Lucas?

Eu olhei pra ele e balancei a cabeça; eu tinha que encarar tudo com coragem:

— Bem, tudo começou quando eu tinha uns 13 anos. Alguns ‘amigos’ sempre me chamavam pra gente passar a tarde juntos e aí, papo vai, papo vem, a conversa acabava na frente da tela de um computador. O meu “amigo” sempre usufruía mais da Internet, mas ele sempre deixava que eu experimentasse rapidinho: ele ia me ensinando como fazia e eu rapidinho fui aprendendo algumas manhas. Sabe? Era uma coisa inocente: não tinha nenhum efeito na minha vida. Até que eu comecei a gastar dinheiro com isso.

“Foi uma experiência inesquecível quando eu entrei numa Lan-House pela primeira vez: eram muitas opções disponíveis ali por um preço baratinho. No início, eu entrava em sites inocentes: lia algumas notícias, pesquisava alguma coisa sobre algum filme ou algum ator, via vídeos no YouTube. Tudo muito inocente. Tá vendo? Eu podia ter parado por aí, mas a influência dos tais ‘amigos’ que é fogo!

“Quando você vê todo mundo usando, você também quer usar. Eu resisti por muito tempo dizendo pra mim mesmo que eu não precisava daquilo, mas os meus ‘amigos’ me convenceram a fazer um Orkut. Comecei aos poucos: adicionava algumas pessoas da minha turma de escola, algumas pessoas da família e participava de umas dez comunidades. Eu nem tinha fotos! Eu não sentia necessidade de entrar no meu Orkut, mas depois ele se tornou um meio de comunicação entre todas as pessoas. Eu precisava entrar no Orkut quase todos os dias para ver se alguém tinha me adicionado ou se alguém tinha comentado nas minhas fotos.

“Eu comecei a gastar grande parte do meu dinheiro em Lan-House. Quando o funcionário vinha com aquela frase “Acabou seu tempo! Vai renovar?”, eu gastava até a minha última moeda. Eu precisava de só mais meia horinha. Mas aquela meia horinha não era suficiente.

“Durante três anos eu fiquei nessa história de ir à Lan-House e tal, mas, quando eu tinha 16 anos, meu pai comprou um computador lá pra casa. E colocou Internet! Meus amigos no Orkut aumentaram de uma forma estrondosa. Pouco mais de um mês depois, eu entrei no Blogger. Foi uma sensação inebriante: era um gosto diferente do Orkut. Eu tinha mais espaço, mais liberdade e não precisava ficar preso naquele layout pré-definido do Orkut. Mandei o meu link para todos os meus amigos e conferia diariamente o número de visitas. Foi uma fase muito difícil.

“Os meus ‘amigos’ começaram a me pressionar para fazer um MSN. Sim, porque era obrigatório ter um MSN nos dias de hoje: aqueles bate-papos de sites famosos eram para quem procurava por parceiros. Os amigos íntimos tinham o MSN do outro. Eu fiz um MSN e, ao mesmo tempo, um Skoob. Foi um baque muito forte. Era uma mistura de duas substâncias completamente diferentes. E eu comecei a me comportar diferente! Eu fiz uma coisa que eu não fazia antes: comecei a interagir com pessoas que eu não conhecia. Pessoas de outras cidades e até de outros estados!

“Eu encontrava os meus ‘amigos’ diariamente na escola, mas a gente precisava se “encontrar” no MSN à noite. E quando você está ali, esperando a resposta do companheiro de conversa, você se envereda por outros caminhos: 4shared, Google Earth, Submarino e, se você não se controlar, você entra até em sites com conteúdos adultos. Mas a pior droga de todas veio mais tarde: o Twitter.

“O microblog atrai tanta gente e é uma sensação diferente do restante das redes sociais: você tem a resposta dos seus seguidores na hora por um Reply, um Retweet ou um Unfollow. É um prazer instantâneo e, naquele momento, era aquilo que eu procurava. Eu queria me sentir integrado àquela rede e queria ter uma resposta direta dos meus leitores.

“Tudo parecia tranquilo até que meus ‘amigos’ largaram o Twitter e investiram numa droga mais forte: todos migraram para o Facebook. Eu nem conheço as substâncias dessa rede social, mas é uma coisa forte. Você se sente atraído por aquilo o tempo todo: você quer ler o que os seus amigos postaram, Curtir e Compartilhar. Você é levado a falar sobre política, cantores sertanejos, bandas desconhecidas, clipes e programas de TV que você nunca viu. Seus ‘amigos’ cobram uma postura da sua parte.

“E, depois de todo esse martírio, eu ainda consegui chegar ao fundo do poço: troquei o meu celular antigo por um Smartphone e agora eu consigo acessar o Twitter e o Facebook do meu celular! Gente, eu tento me controlar, mas eu não consigo me desconectar! As minhas senhas estão salvas no meu computador, sempre que eu penso numa piada nova eu tenho que postar no Facebook, mas... Eu tô conseguindo mudar:

“Eu consigo deixar a minha foto do perfil do Facebook durante mais de dois meses, coisa impossível antes e... o mais difícil, mas o que eu me sinto mais orgulhoso: consegui me conter e não tenho conta no Tumblr nem no Google+.

Terminei o meu depoimento e todos me aplaudiram emocionados. 

domingo, 22 de janeiro de 2012

Plano Diabólico



Ele sorria pensando em todos os seus desejos que se realizariam na próxima semana. Ele dividia o prédio de dois apartamentos com uma professora de Educação Física que tinha cheiro de lavanda e usava tênis antiderrapantes. A professora viajaria de férias e ele poderia pôr em prática o seu plano diabólico.

A escolhida era uma mulher ruiva, de uns quarenta anos que ia à padaria todos os dias as seis e quarenta e cinco da manhã. Ela usava short florido, chinelo de dedo, cabelo preso e andava com o chaveiro pendurado no dedo indicador. Ela tinha cheiro de água sanitária e ele a odiava.

Ele a odiava e queria vê-la morrer. Mas antes ela sofreria em suas mãos. Ele queria ver o medo e o sofrimento nos olhos dela; queria que ela implorasse por clemência; queria que ela chorasse.

Ele preparou todo o material necessário muito antes das férias da vizinha professora. 
Comprou as facas que eram amoladas todas as noites num ritual à luz da lua; comprou um machado que seria de extrema utilidade para os retoques finais; comprou velas, muitas velas e incensos que ele acendia por todo o apartamento; e mel. Ele gostava de mel. Passado no pão de fôrma. Era o que ele comia enquanto observava a mulher ruiva indo à padaria as seis e quarenta e cinco da manhã.

Quando a professora entrou de férias, ele ficou animado com a perspectiva de realizar o seu sonho. Seus rituais eram mais frequentes e intensos. O apartamento era iluminado apenas pelas dezenas de velas. E ele no centro de todas elas, sentado de pernas cruzadas, completamente nu.

Enfim, a professora viajou. Antes de ir, ela passou no apartamento do vizinho para se despedir e dar o número do seu celular. Ele garantiu que ligaria para ela se alguma coisa acontecesse com o apartamento dela. A vizinha nem estranhou o fato de ele ter mostrado só o rosto por uma fresta na porta: a bagagem estava pesada e as tão merecidas férias a aguardavam ansiosamente.

Ele ouviu o carro da professora se distanciando e ficou excitado como nunca ficara com nenhuma mulher. Quer dizer, ele nunca tinha estado com uma mulher.

Encaminhou-se para seu quarto e observou sua cama com as amarras preparadas para receber a hóspede. Ele imaginava a cena com clareza agora. A vizinha ruiva ficaria amarrada na cama, nua, com uma mordaça e ele começaria com os jogos: facas, sangue, sal, limão, chicotes, tesouras, cigarros e mel. Ele gostava de mel. Ele se besuntaria de mel quando a vizinha ruiva estivesse gritando de dor. Ou prazer, quem sabe.

E o grand finalle: o machado o ajudaria a fazer com que ela coubesse direitinho dentro da mala guardada dentro do guarda-roupa.

O nosso personagem não conseguiu dormir na véspera. Estava muito nervoso. Às cinco da manhã reacendeu as velas e no meio da sala começou sua meditação. Quando foi chegando a hora de capturar sua presa, ele vestiu sua túnica branca. Iria sem nenhuma peça de roupa por baixo da túnica, mas precisou de algo para disfarçar a sua ereção.

Eram seis e trinta e cinco e ele estava na espreita. Não tremia. Sorria discretamente. Seus dedos no chão frio estavam rijos. Deixou tudo pronto.

Saiu para as escadas cinco minutos antes de a vizinha ruiva sair para a padaria. Descia cada degrau vagarosamente sentindo a temperatura do piso. Mas, além de frio, o piso estava escorregadio. Ele segurou no corrimão e conseguiu manter o equilíbrio. Só por um segundo. 

Agora, deslizou bruscamente e seu corpo rolou pelos degraus do prédio. Batia o corpo no chão e ele pôde sentir os seus ossos se partindo.

Antes de se vestir por completo com a escuridão da morte, amaldiçoou a vizinha professora que sempre lhe aconselhara a usar tênis antiderrapantes.

E às seis e quarenta e cinco, a ruiva foi à padaria.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Cena de cinema

Foi um encontro totalmente inesperado. Não se encontravam há um tempo e evitavam lugares onde esse encontro seria inevitável. Se se encontrassem não saberiam o que fazer. Mas o destino está pouco se lixando para os seus desconfortos: fez com que tudo conspirasse a favor daquele encontro.

Um pensava no outro o dia todo: “Tenho que estar bem vestido quando ele aparecer” ou “Meu cabelo tá muito bagunçado?” ou ainda “Que cara idiota é essa que eu fiz agora?”. Mas, às vezes, os pensamentos voavam.

Pensavam na agenda, na rotina, nos estudos e, nessa hora nada propícia, os dois se encontraram. Levantaram a cabeça ao mesmo tempo e os olhares se cruzaram. Droga! Não dava nem pra fingir que eu não vi. Os olhos se arregalaram contra a vontade deles e os dois pararam um em frente o outro. Obrigado, destino!

Uma risada sem graça e um:

— Oi! Eh...! Tudo bem?

— Tudo, e você?

Isso é péssimo! Quando você não tem assunto, pergunta se está tudo bem na esperança de que o outro sugira algum tema para a conversa, mas ele te responde com um “Tudo, e você?”, jogando toda a responsabilidade pro seu lado.

— Ótimo. — Silêncio para pensar. — Eu... tava indo pra livraria e... Bem, muito tempo que a gente não se vê, né!

— Pois é. Não tô tendo muito tempo pra... Você tá passando bem? Por que você tá chorando?

— O quê? Hã? Não, eu... não tô chorando. É que eu tô com uma alergia de um... uma pomada. Eu...

— ?

— Olha, a verdade é que... — Nessa hora, olha decidido no olho do outro: — A verdade é que eu não tava nenhum pouco preparado pra te ver.

Uma pausa para que os sentimentos se organizassem. Depois, continuou num ritmo frenético:

— Sério! Naquele dia, eu disse que eu não gostava mais de você, mas... É impossível! Nada foi tão intenso quanto aquilo que tivemos juntos. Eu não consigo parar de pensar em você e talvez você esteja me achando um idiota por falar isso tudo, mas é que eu não consigo guardar as coisas, sabe? Eu tenho que falar olho no olho, senão... Ah, sei lá!

— Calma, calma! Tome fôlego. Não precisa ficar assim.

O outro fungou e gritou baixo (espero que saibam o que é gritar baixo):

— Ai, que raiva de você!

— Hã? Como assim?

— Você é um idiota! Essa sua pose.

— Pose? Não tô entendendo!

— Na verdade, ninguém me entende mesmo. Eu tenho raiva dessa sua pose, mas eu gosto de você. Que raiva! Eu tô com raiva de mim. E de você. Tô com raiva por você me deixar tão confuso. E eu tô com raiva de mim por não conseguir admitir que eu te amo.

— Mas você me ama?

— Vá pro inferno!

E saiu. Mas ele não está satisfeito com a sua cena.

— Tá, tudo bem — ele ainda grita de longe. — Eu assumo que eu gosto de você. Eu não consigo me “desapaixonar”, ok? Eu não consigo! É isso. Pronto, falei! Tá satisfeito?

O outro ria com o desconserto do outro.

— Para de me olhar desse jeito. Eu... eu não consigo parar de pensar em você... Eu já tentei te esquecer, mas é só eu olhar pra você que eu sinto uma bambeza nas pernas, um tremor... Os outros me acham um idiota por eu me entregar tão completamente a um sentimento, me descabelar, chorar, sentir ciúmes até o último fio de cabelo, mas... Eu sou assim, droga!

Ficaram alguns segundos se encarando.

— Eu te amo tanto. Tanto.

Virou-se para ir embora, mas aquilo não podia ficar por assim. Os romances tem que ser o mais melodramáticos possível. Tem que te arrepiar no final.

Um segurou o outro pelo braço e deu-lhe um beijo apaixonado.

E a cena termina com um beijo risonho, com dois corações aliviados e com uma sincronia que só existia entre aqueles dois.


quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Observadores de nuvens


[diálogo real]


Ela:

— Vamo' olhar as nuvens!

Ele:

— Vamo'!

Ela apontou para uma nuvem na esquerda:

— Olha aquela ali, ó! — ela mostrou. — Parece um coelho!

— Coelho? — ele olha torto. — Parece mais um boi nelore. Olha lá!

— É mesmo! Tem até aquele negócio assim... Como é que chama aquilo?

— Cupim! É mesmo, olha lá. Tem o cupim e é todo branquinho.

Riram.

— Mas aquela ali é muito mais interessante — ele apontou uma à direita deles. — Parece um porco montando numa porca.

Riram mais ainda.

— Olha lá. Diretinho! O rabo do porco, o nariz... Olha a porca! Tá até se desfazendo com o êxtase do amor.

— E aquela ali? — ela mostrou. — O que parece?

— Que nuvem preta, né? MEU DEUS DO CÉU! Aquilo ali é chuva! Ow, tenho que ir embora agora.

E foi.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Um homem de coragem


Algumas histórias que eu escrevo por aqui são adaptações de bobagens que eu já ouvi durante toda a minha vida. Mas eu nunca citei de onde eu as tiro. Até hoje. Mais do que uma história interessante e engraçada, o contador do causo é uma das personagens mais incríveis que eu já encontrei.

Ele é tio da minha mãe — portanto, meu tio-avô — e na última quarta-feira tive a oportunidade de ouvir algumas de suas histórias. Quando eu encontro alguém como ele, disposto a contar histórias e com muitos anos no lombo — o tio Amir tem 70 anos — eu fico cutucando, cutucando pra que ele me conte mais e mais anedotas.

Eu não sei o porquê, mas por várias vezes nossas reuniões familiares terminavam com o tema assombração. O Tio Amir disse que, quando era criança, tinha muito medo de assombração. Para curar esse medo, os adultos o aconselharam a beijar o pé de um defunto no caixão.

— E resolveu, Tio Amir?

— O medo ficou foi pior.

Isso muito tempo atrás. Hoje, ele garante que já não tem medo de nada. Aí, ele contou o causo de um homem de muita coragem. Ou não.

Tio Amir contou que, certa vez, um grupo de amigos decidiu fazer uma aposta. Um do grupo, para provar sua coragem, receberia uma quantia em dinheiro do resto dos amigos se ele entrasse num cemitério e trouxesse a canela de um defunto.

E o homem entrou cheio de coragem no cemitério. Esqueci de perguntar se isso tinha acontecido durante o dia ou à noite, mas, essas histórias de terror, sempre acontecem à noite. Depois da meia-noite de preferência!

Reescrevendo...

E à noite o homem entrou cheio de coragem no cemitério. Tio Amir disse que ele era um homem de muita coragem mesmo. Abriu um dos túmulos e começou a fuçar na ossada. 
Pegou a canela do defunto e, quando se virou para voltar ao encontro dos amigos, deu de cara com um homem.

Eu tenho a impressão que esse homem que apareceu era um negão, porque me pareceu que em todas as histórias do Tio Amir tem um negão.

O negão apareceu e disse:

— Aonde ‘cê tá indo com essa canela? — Antes que o homem de coragem pudesse responder, o negão completou: — Essa canela é minha!

 — ...?

— Essa canela é minha!

Tio Amir disse que o homem não queria pagar o dinheiro da aposta, mas não teve coragem de continuar. Jogou a canela no meio do mato e, com as calças cheias, correu para os amigos.

Para arrematar, ainda perguntamos para o Tio Amir:

— E o senhor, Tio Amir? O que o senhor teria feito?

— Uai, eu acabava de chegar.