Ele sorria pensando em
todos os seus desejos que se realizariam na próxima semana. Ele dividia o
prédio de dois apartamentos com uma professora de Educação Física que tinha
cheiro de lavanda e usava tênis antiderrapantes. A professora viajaria de
férias e ele poderia pôr em prática o seu plano diabólico.
A escolhida era uma mulher
ruiva, de uns quarenta anos que ia à padaria todos os dias as seis e quarenta e
cinco da manhã. Ela usava short florido, chinelo de dedo, cabelo preso e andava
com o chaveiro pendurado no dedo indicador. Ela tinha cheiro de água sanitária
e ele a odiava.
Ele a odiava e queria
vê-la morrer. Mas antes ela sofreria em suas mãos. Ele queria ver o medo e o
sofrimento nos olhos dela; queria que ela implorasse por clemência; queria que
ela chorasse.
Ele preparou todo o
material necessário muito antes das férias da vizinha professora.
Comprou as
facas que eram amoladas todas as noites num ritual à luz da lua; comprou um
machado que seria de extrema utilidade para os retoques finais; comprou velas,
muitas velas e incensos que ele acendia por todo o apartamento; e mel. Ele
gostava de mel. Passado no pão de fôrma. Era o que ele comia enquanto observava
a mulher ruiva indo à padaria as seis e quarenta e cinco da manhã.
Quando a professora entrou
de férias, ele ficou animado com a perspectiva de realizar o seu sonho. Seus
rituais eram mais frequentes e intensos. O apartamento era iluminado apenas
pelas dezenas de velas. E ele no centro de todas elas, sentado de pernas
cruzadas, completamente nu.
Enfim, a professora
viajou. Antes de ir, ela passou no apartamento do vizinho para se despedir e
dar o número do seu celular. Ele garantiu que ligaria para ela se alguma coisa
acontecesse com o apartamento dela. A vizinha nem estranhou o fato de ele ter
mostrado só o rosto por uma fresta na porta: a bagagem estava pesada e as tão
merecidas férias a aguardavam ansiosamente.
Ele ouviu o carro da
professora se distanciando e ficou excitado como nunca ficara com nenhuma
mulher. Quer dizer, ele nunca tinha estado com uma mulher.
Encaminhou-se para seu
quarto e observou sua cama com as amarras preparadas para receber a hóspede.
Ele imaginava a cena com clareza agora. A vizinha ruiva ficaria amarrada na
cama, nua, com uma mordaça e ele começaria com os jogos: facas, sangue, sal,
limão, chicotes, tesouras, cigarros e mel. Ele gostava de mel. Ele se
besuntaria de mel quando a vizinha ruiva estivesse gritando de dor. Ou prazer,
quem sabe.
E o grand finalle: o machado o ajudaria a fazer com que ela coubesse
direitinho dentro da mala guardada dentro do guarda-roupa.
O nosso personagem não
conseguiu dormir na véspera. Estava muito nervoso. Às cinco da manhã reacendeu
as velas e no meio da sala começou sua meditação. Quando foi chegando a hora de
capturar sua presa, ele vestiu sua túnica branca. Iria sem nenhuma peça de
roupa por baixo da túnica, mas precisou de algo para disfarçar a sua ereção.
Eram seis e trinta e cinco
e ele estava na espreita. Não tremia. Sorria discretamente. Seus dedos no chão
frio estavam rijos. Deixou tudo pronto.
Saiu para as escadas cinco
minutos antes de a vizinha ruiva sair para a padaria. Descia cada degrau
vagarosamente sentindo a temperatura do piso. Mas, além de frio, o piso estava
escorregadio. Ele segurou no corrimão e conseguiu manter o equilíbrio. Só por
um segundo.
Agora, deslizou bruscamente e seu corpo rolou pelos degraus do
prédio. Batia o corpo no chão e ele pôde sentir os seus ossos se partindo.
Antes de se vestir por
completo com a escuridão da morte, amaldiçoou a vizinha professora que sempre
lhe aconselhara a usar tênis antiderrapantes.
E às seis e quarenta e
cinco, a ruiva foi à padaria.
Um comentário:
Que fim genial! Me vi surpresa, tudo planejadinho e o maldito não conseguiu. Bem feito. rs
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