sexta-feira, 12 de abril de 2013

Entrelinhas



Quantos anos? Se alguém me perguntasse, eu saberia dizer com exatidão que foram quatro anos e três meses desde o dia em que ele tinha partido para estudar em Lisboa.

Ele enviava-me cartas mensalmente: a maioria delas  muito animadas, por sinal  descrevia os costumes europeus, as paixões passageiras e a vida boêmia na noite lisboeta. Quão feliz ele estava! Dava-me a impressão de que ele gozava de uma felicidade plena do outro lado do Atlântico.

Nas minhas respostas, eu não abria mão de demonstrar o quanto as conquistas dele me causavam satisfação e deleite. Mas a tristeza, impregnada de saudade, estava sempre ali entre as páginas, entre as manchas de tintas, entrelinhas. Era inevitável!

Na noite em que ele partiu, enquanto ele embarcava num navio no porto, eu encostei a cabeça no travesseiro e tentei entender o que eu sentia. Era uma angústia sem tamanho: uma sensação que trespassava o meu peito como uma lâmina, fechava a minha garganta e não me deixava controlar as lágrimas que saiam desimpedidas. Um murro no estômago, a imobilidade das pernas...

E, naquele momento, ele descia do trem e firmava os pés no chão da estação! A barba crescera-lhe pelo rosto outrora tão infantil e agora ele parecia um homem: engravatado, roupas alinhadas, chapéu e sapatos engraxados. Por trás das lentes diminutas dos seus óculos, consegui vislumbrar o prazer de reconhecer o meu rosto; essa felicidade traduzida num sorriso largo e ensolarado.

Durante esses quatro anos, eu tive inúmeros momentos de alegria e divertimento, nos cafés e nos bares, nas livrarias e nas esquinas; tudo aquilo me fizera esquecer, mesmo que temporariamente, a angústia da ausência. Mas aquelas eram sensações secundárias. Foi apenas com a visão daquele homem na minha frente é que eu senti o peso da dor esvaindo-se junto à fumaça da locomotiva.

Quando ele segurou sua mala com firmeza e colocou-se em passos largos na minha direção eu senti... Junto ao burburinho dos encontros saudosos ao nosso redor, eu entendi que eu o amava. Sempre o amei desde o primeiro momento em que coloquei os meus olhos sobre ele. Eu o amava mais do que pela sua aparência inclusive, ele era possuidor de uma beleza sutil , mais do que por tudo que ele tinha feito por mim durante todos aqueles esquecidos anos da mocidade, mais do que pelas cartas, mais do que por qualquer outra coisa que vivêssemos dali pra frente. Eu o amava apenas pelo simples fato de ele existir. Sua existência era essencial para a minha.

Ele era o meu mundo! Eu o amava mais do que a mim mesmo.

Todos os sentimentos que eu tinha esquecido para que a minha vida ou essa sobrevivência a que eu chamei de vida durante esses anos pudesse caminhar, correram de volta às minhas veias como um tiro de um mosquete. E o meu choro caiu incontrolável pelos ombros dele quando eu o abracei, quando eu abracei o meu mundo. A minha vida estava segura entre os meus braços e eu não deixaria que ela fugisse mais uma vez de mim; não queria tornar-me um jovem pálido e cadavérico, entregue aos vícios e aos erros. Eu segurava meu mundo e ele retribuiu com vigor. Sem entender.

Um comentário:

Carol Bonetti disse...

Nossa que texto impactante,
bem elaborado. É você
que escreve?
Se escreve, escreve muito bem.
www.dezoitoeai.blogspot.com