Quantos anos? Se alguém me perguntasse, eu saberia dizer com
exatidão que foram quatro anos e três meses desde o dia em que ele tinha
partido para estudar em Lisboa.
Ele enviava-me cartas mensalmente: a maioria delas — muito animadas,
por sinal — descrevia os costumes europeus, as paixões passageiras e a vida
boêmia na noite lisboeta. Quão feliz ele estava! Dava-me a impressão de que ele
gozava de uma felicidade plena do outro lado do Atlântico.
Nas minhas respostas, eu não abria mão de demonstrar o
quanto as conquistas dele me causavam satisfação e deleite. Mas a tristeza,
impregnada de saudade, estava sempre ali entre as páginas, entre as manchas de
tintas, entrelinhas. Era inevitável!
Na noite em que ele partiu, enquanto ele embarcava num navio
no porto, eu encostei a cabeça no travesseiro e tentei entender o que
eu sentia. Era uma angústia sem tamanho: uma sensação que trespassava o meu
peito como uma lâmina, fechava a minha garganta e não me deixava controlar as lágrimas
que saiam desimpedidas. Um murro no estômago, a imobilidade das pernas...
E, naquele momento, ele descia do trem e firmava os pés no chão da estação! A
barba crescera-lhe pelo rosto outrora tão infantil e agora ele parecia um
homem: engravatado, roupas alinhadas, chapéu e sapatos engraxados. Por trás das
lentes diminutas dos seus óculos, consegui vislumbrar o prazer de reconhecer o
meu rosto; essa felicidade traduzida num sorriso largo e ensolarado.
Durante esses quatro anos, eu tive inúmeros momentos de
alegria e divertimento, nos cafés e nos bares, nas livrarias e nas esquinas;
tudo aquilo me fizera esquecer, mesmo que temporariamente, a angústia da
ausência. Mas aquelas eram sensações secundárias. Foi apenas com a visão
daquele homem na minha frente é que eu senti o peso da dor esvaindo-se junto à
fumaça da locomotiva.
Quando ele segurou sua mala com firmeza e colocou-se em
passos largos na minha direção eu senti... Junto ao burburinho dos encontros
saudosos ao nosso redor, eu entendi que eu o amava. Sempre o amei desde o
primeiro momento em que coloquei os meus olhos sobre ele. Eu o amava mais do
que pela sua aparência — inclusive, ele era possuidor
de uma beleza sutil —, mais do que por tudo que ele
tinha feito por mim durante todos aqueles esquecidos anos da mocidade, mais do
que pelas cartas, mais do que por qualquer outra coisa que vivêssemos dali pra
frente. Eu o amava apenas pelo simples fato de ele existir. Sua existência era
essencial para a minha.
Ele era o meu mundo! Eu o amava mais do que a mim mesmo.
Todos os sentimentos que eu tinha esquecido para que a minha
vida — ou
essa sobrevivência a que eu chamei de vida durante esses anos —
pudesse caminhar, correram de volta às minhas veias como um tiro de um
mosquete. E o meu choro caiu incontrolável pelos ombros dele quando eu o
abracei, quando eu abracei o meu mundo. A minha vida estava segura entre os
meus braços e eu não deixaria que ela fugisse mais uma vez de mim; não queria tornar-me um jovem pálido e cadavérico, entregue aos vícios e aos erros.
Eu segurava meu mundo e ele retribuiu com vigor. Sem entender.
Um comentário:
Nossa que texto impactante,
bem elaborado. É você
que escreve?
Se escreve, escreve muito bem.
www.dezoitoeai.blogspot.com
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