Era um pássaro lindo que estava sempre a mudar de cor. A
primeira vez que eu o vi, tinha penas de um amarelo pálido, suave e macio; nos
dias em que o sol queimava mais ardente no céu, ele aparecia com o topo da
cabeça pintado de laranja e a calda esfumaçada de vermelho; mas nada se
comparava aos dias frios em que ele aparecia com o peito verde e estufado:
pinceladas esverdeadas tão delicadas que me traziam calafrios todas as vezes
que eu encarava tamanha singeleza.
Quando eu o conheci — vestindo seu traje
amarelo pálido, como eu já disse —, ele apareceu rápido na
minha janela e se foi sem nem mesmo cantar-me algumas notas. No entanto, aquele
movimento fugaz chamou-me a atenção. No dia seguinte, ele voltou no mesmo
horário e eu pude deslumbrar-me com aquelas penas por mais tempo. Nos poucos
segundos em que ele permaneceu ali, eu pude notar o que tanto o atraia: farelos
que caiam no umbral da janela quando eu comia, observando o movimento da rua lá
embaixo.
No outro dia, bem cedo, eu deixei que as migalhas caíssem
com mais frequencia: e, mais tarde, lá estava ele ciscando os restos de bolos e
biscoitos. Comprei-lhe comida de pássaro e, daquele dia em diante, alimentei-o
como deveria ser. Religiosamente, ele aparecia sempre no meio da tarde, batendo
o bico alaranjado na estrutura de metal.
Com o passar do tempo, ele foi se demorando e soltando suas
asinhas; cantava suas canções de passarinho, enquanto eu me entretinha com um
livro ou com minha gaita. Arrisquei-me a colocar os farelos na palma da minha mão
para que nosso contato fosse mais próximo; no início, ele pareceu tímido — na
verdade, até eu estava um pouco temeroso —, mas no fim ele se
acostumou.
As pessoas que apareciam no meu quarto me viam acariciando a
cabeça multicor de um pássaro tão mágico e diziam para que eu não mais o
alimentasse, enquanto outros diziam que eu deveria prendê-lo numa gaiola para que pudesse exibir aquele belo exemplar da espécie. Não
fiz nem uma coisa nem outra: nossa relação estava ótima do jeito que estava.
Algumas vezes eu tinha que viajar por obrigações familiares,
mas sempre deixava um pote com farelo para o meu passarinho; quando eu voltava,
o pote estava vazio. Talvez tivesse sido outro pássaro, mas isso não me
importava. O que me interessava era que o passarinho colorido pelo qual eu
tinha me apaixonado sempre aparecia de volta.
Quando ele demorava, eu me preocupava. Passava dias sem
aparecer. Houve também o dia em que ele ficou preso no espaço apertado de uma
calha: sempre que ele se aproximava de lá, eu tentava tirá-lo, mas ele era
muito teimoso e sempre voltava. Depois do dia em que ficou com as asas sem
movimento e eu tive que tirá-lo com muito esforço, ele não mais se atreveu a
voltar lá.
Ele partia todos os dias e sempre voltava. Sempre voltava. Dessa vez, porém, ele
não voltou. Meu coração se esmaga só de pensar que aqueles dias em que ele
comia na minha mão nunca mais voltarão; o meu coração chora de pensar que ele
nunca mais voltará aos meus cuidados.
Ele alçou voos mais longos, agora está
percorrendo caminhos diferentes... Não o culpo! Ele é livre. Eu tentava me
enganar dizendo que ele era meu passarinho,
mas ele nunca foi meu: ele sempre foi e sempre será livre para ir onde suas
asas puderem levá-lo.
Eu vou sofrer muito — eu estou sofrendo muito —, mas eu sei que algumas
coisas são inevitáveis. Só queria ter a oportunidade de acariciá-lo pela última
vez. Mas se, mesmo eu lhe dando todas as chances de ser feliz comigo, ele ainda cometer atos irresponsáveis e desaparecer durante muito tempo, eu sempre estarei aqui
esperando pela sua volta.
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