terça-feira, 30 de julho de 2013

Livre pra voar


Era um pássaro lindo que estava sempre a mudar de cor. A primeira vez que eu o vi, tinha penas de um amarelo pálido, suave e macio; nos dias em que o sol queimava mais ardente no céu, ele aparecia com o topo da cabeça pintado de laranja e a calda esfumaçada de vermelho; mas nada se comparava aos dias frios em que ele aparecia com o peito verde e estufado: pinceladas esverdeadas tão delicadas que me traziam calafrios todas as vezes que eu encarava tamanha singeleza.

Quando eu o conheci vestindo seu traje amarelo pálido, como eu já disse , ele apareceu rápido na minha janela e se foi sem nem mesmo cantar-me algumas notas. No entanto, aquele movimento fugaz chamou-me a atenção. No dia seguinte, ele voltou no mesmo horário e eu pude deslumbrar-me com aquelas penas por mais tempo. Nos poucos segundos em que ele permaneceu ali, eu pude notar o que tanto o atraia: farelos que caiam no umbral da janela quando eu comia, observando o movimento da rua lá embaixo.

No outro dia, bem cedo, eu deixei que as migalhas caíssem com mais frequencia: e, mais tarde, lá estava ele ciscando os restos de bolos e biscoitos. Comprei-lhe comida de pássaro e, daquele dia em diante, alimentei-o como deveria ser. Religiosamente, ele aparecia sempre no meio da tarde, batendo o bico alaranjado na estrutura de metal.

Com o passar do tempo, ele foi se demorando e soltando suas asinhas; cantava suas canções de passarinho, enquanto eu me entretinha com um livro ou com minha gaita. Arrisquei-me a colocar os farelos na palma da minha mão para que nosso contato fosse mais próximo; no início, ele pareceu tímido na verdade, até eu estava um pouco temeroso , mas no fim ele se acostumou.

As pessoas que apareciam no meu quarto me viam acariciando a cabeça multicor de um pássaro tão mágico e diziam para que eu não mais o alimentasse, enquanto outros diziam que eu deveria prendê-lo numa gaiola para que pudesse exibir aquele belo exemplar da espécie. Não fiz nem uma coisa nem outra: nossa relação estava ótima do jeito que estava.

Algumas vezes eu tinha que viajar por obrigações familiares, mas sempre deixava um pote com farelo para o meu passarinho; quando eu voltava, o pote estava vazio. Talvez tivesse sido outro pássaro, mas isso não me importava. O que me interessava era que o passarinho colorido pelo qual eu tinha me apaixonado sempre aparecia de volta.

Quando ele demorava, eu me preocupava. Passava dias sem aparecer. Houve também o dia em que ele ficou preso no espaço apertado de uma calha: sempre que ele se aproximava de lá, eu tentava tirá-lo, mas ele era muito teimoso e sempre voltava. Depois do dia em que ficou com as asas sem movimento e eu tive que tirá-lo com muito esforço, ele não mais se atreveu a voltar lá.

Ele partia todos os dias e sempre voltava. Sempre voltava. Dessa vez, porém, ele não voltou. Meu coração se esmaga só de pensar que aqueles dias em que ele comia na minha mão nunca mais voltarão; o meu coração chora de pensar que ele nunca mais voltará aos meus cuidados. 

Ele alçou voos mais longos, agora está percorrendo caminhos diferentes... Não o culpo! Ele é livre. Eu tentava me enganar dizendo que ele era meu passarinho, mas ele nunca foi meu: ele sempre foi e sempre será livre para ir onde suas asas puderem levá-lo.

Eu vou sofrer muito eu estou sofrendo muito , mas eu sei que algumas coisas são inevitáveis. Só queria ter a oportunidade de acariciá-lo pela última vez. Mas se, mesmo eu lhe dando todas as chances de ser feliz comigo, ele ainda cometer atos irresponsáveis e desaparecer durante muito tempo, eu sempre estarei aqui esperando pela sua volta.  

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