domingo, 22 de dezembro de 2013

Juventude


"─ Você não deve, na verdade, permitir-se queimar ao sol. Seria inconveniente.

Ora, o que me importa?

Dorian Gray riu, ao sentar-se no banco ao fundo do jardim.

Deveria significar tudo para você, sr. Gray.

Por quê?

Porque você possui uma juventude maravilhosa, e a juventude é a única coisa que vale a pena possuir.

Eu não sinto as coisas dessa maneira, lorde Henry.

Não sente agora. Um dia, quando estiver velho, enrugado, feio, quando o pensamento vier, com suas linhas, murchar-lhe a testa, e a paixão, com seu fogo medonho, vier cauterizar-lhe os lábios, você vai senti-lo de modo terrível. Você, agora, onde quer que vá, encanta o mundo. As coisas serão sempre assim?... Você tem um rosto lindo, maravilhoso, sr. Gray. Não franza o cenho, pois é verdade. E a genialidade, pois não carece de explicação. Pertence aos grandes fatos do mundo, como a luz do sol, a primavera, o reflexo das águas turvas, ou aquela concha de prata, a que chamamos lua. Não pode ser questionada. Possui o direito divino de soberania. Os que a têm, ela os faz príncipes. Você ri? Pois não vai rir quando perdê-la! As pessoas costumam dizer que a beleza é coisa superficial. Mesmo que o seja, não é ao menos tão superficial quanto o pensamento. A beleza, para mim, é a maravilha das maravilhas. Apenas as pessoas superficiais não julgam pelas aparências. O verdadeiro mistério do mundo é o visível, e não o invisível..., sr. Gray; os deuses foram bondoso com você. Mas, tudo o que os deuses dão, tiram rapidamente. Dispomos de apenas alguns poucos anos para vivermos com realidade, perfeição e plenitude. Quando a juventude se for, a beleza irá com ela e você descobrirá, de repente, que não restaram triunfos por conquistar, ou terá que se contentar com os triunfos perversos que a memória do passado tornará ainda mais amargos que as derrotas. E cada mês que feneça o fará aproximar-se, mais e mais, de algo medonho. O tempo tem inveja de você e abre guerra contra seus lírios, suas rosas. Você ficará pálido, de bochechas fundas, de olhos opacos. Você sofrerá horrivelmente... Ah! Perceba a juventude enquanto a tem. Não esbanje os dias de ouro, dando ouvidos aos entediosos, tentando melhorar o fracasso sem esperanças, ou entregando sua vida ao ignorante, ao comum, ao vulgar, ideais doentios de nossa era. Viva! Viva a vida maravilhosa que está em você! Que nada se perca em você! Esteja sempre à procura de novas sensações! Não tenha medo de nada... Um novo hedonismo, eis o que deseja nosso século, e quem sabe você não será seu símbolo visível! Com a personalidade que tem, nada existe que não possa fazer. O mundo lhe pertence, por toda uma temporada... No momento em que o encontrei, percebi que você não tinha muita consciência do que era, do que, na verdade, pode vir a ser. Tanta coisa em você me encantou, que me senti na obrigação de dizer-lhe algo que lhe diz respeito. Pensei, seria trágico que você se desperdiçasse, pois tão curta, tão curta será a duração de sua juventude! Ressecam as flores comuns da colina, mas reflorescem. O laburno, no mês de junho vindouro, será tão amarelo quanto o é hoje, e daqui a um mês, haverá muitos asteroides púrpuras na clematite. Mas jamais voltamos à juventude. A pulsação de alegria, que bate em nós aos vinte, preguiça. Nossos membros falham, nossos sentidos apodrecem. Nos degeneramos em fantoches repugnantes, assediados pela lembrança de paixões a que muito tememos e pelas tentações exóticas a que não tivemos coragem de nos entregar. Juventude! Juventude! Não existe nada no mundo, nada!, senão a juventude!"

Diálogo entre Henry Wotton e Dorian Gray, no romance O Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde. Imagem: cena do filme homônimo (2009), com Colin Firth e Ben Barnes, do diretor Oliver Parker.

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