Saiu de casa altas horas da noite, blusa de frio e tênis. Seus pés faziam barulho pela calçada das ruas desertas onde um vento frio soprava discreto. O bairro afastado tinha pouca iluminação e uns cachorros latiam longe.
Com as mãos nos bolsos da blusa, foi andando depressa. Entrou na penumbra de um viaduto e surpreendeu-se com um vulto que saiu detrás de um muro de concreto. Agarrou-lhe pela cintura e deu-lhe um beijo desesperado.
Logo, um cheiro nauseante invadiu suas narinas. Não conseguia se concentrar em mais nada.
— Espera, espera! Assim não dá!
— O que foi? Fiz alguma coisa errada?
— Sei lá! Esse lugar... Nossa, esse... cheiro tá me dando dor de cabeça.
— Mas, sem esse cheiro, não tem o clima.
— Clima? Então, pra que você me pediu pra vir debaixo desse viaduto? Eu conheço esse clima do banheiro de um boteco lá perto de casa.
O outro estava com as mãos na cintura.
— Agora, sou eu que digo: assim não dá! Falando desse jeito, você quebra todo o... romantismo do negócio.
— Hã?
— É. A ideia era essa: eu te surpreender como um homem desconhecido...
— Escondido num lugar fedido?
— Um homem desconhecido, misterioso e atraente — ele corrigiu.
Segurou o riso.
— Tudo bem! — Voltou ao beijo.
Nenhum carro passaria por ali. As carícias eram mais quentes.
Engasgou.
— Cof! Cof! Desculpa, mas não dá! Tá muito forte. Essa... carniça...
— Eu também não consigo mais assim — saiu pisando forte. — Você esqueceu o significado de romantismo?
— Eu acho que foi você que esqueceu. Romantismo é caixa de bombons, flores, filme na televisão...
Olharam-se e concluíram que aquela não tinha sido a melhor ideia do casal.
— Meu carro tá ali na frente. — Sorriu.
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