“O poeta é um
fingidor
Finge tão
completamente
Que chega a
fingir que é dor
A dor que
deveras sente.”
Fernando Pessoa,
Autopsicografia
Chove lá fora.
Quarto escuro, assoalho de madeira, escrivaninha num canto, cheiro de querosene...
Relâmpago!
O poeta escrevia
no seu bloco de papel pardo com seu lápis de ponta grossa. Ouvia-se o barulho
das gotas de chuva e do atrito do grafite no papel.
Era um poema de
amor e o poeta quase que podia ver o rosto de sua musa inspiradora à luz da
lamparina: seus olhos vivos, sua pele branca, seu ar tímido e sensual...
Naquela hora, o racional só servia para juntar as letras e formar palavras, mas
era o coração que dava vida às rimas, que pegava emprestada a mão do poeta para
mostrar a força que batia.
Mas não era um
amor correspondido e aquelas palavras românticas se transformavam; o coração
tomava-se de dor e chorava aquelas letras cabisbaixas: uma letra trêmula e
hesitante. Relâmpago!
E ainda havia um
rival: quente, ousado e seguro. Sorria-lhe debochando do poeta. O poeta sentia
uma agitação que subia pelas suas coxas, um enrijecimento da coluna, um fogo,
uma erupção no seu peito. O coração escrevia com traços retos, rápidos e, às
vezes, um tremor nas mãos fazia um risco no canto da página.
Por fim, ele se
deu por vencido e a morte pareceu-lhe branca, clara, calma. Enaltecia-a! O
coração sentia isso. O sangue corria pelo corpo sem ânimo, desencorajado. E as
palavras choravam com (como) o poeta. O fim era belo em versos e rimas.
Ele (o coração
ou o poeta?) se deu por vencido. Batimentos fracos, pedaços que caíam! Todas as
sensações descritas em pedaços de papel: o legado de um poeta apaixonado. A
única herança deixada; produzida antes de trocar o lápis por um punhal. Ele se
deu por vencido! Relâmpago!
O coração era
jovem, mas já estava cansado de bater. As mãos agiam pela força da emoção.
Aliás, o corpo inteiro: os olhos firmes, a mente vazia, o pulmão interrompido.
Só as pernas insistiam em tremer. Na verdade, até o coração batia nervoso, mas
a missão já tinha sido dada às mãos.
Um último
suspiro, um movimento súbito e o sangue escorrendo da mesa para o chão.
Relâmpago!
O poeta tinha
dado morte a seus versos.
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