segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Eu e eu mesmo



— O que tá acontecendo? Você parece tão... deprimido.

— É. Eu tenho pensado muito sobre algumas coisas nos últimos tempos.

— Tipo...?

— Tenho pensado sobre a minha vida, mas principalmente sobre os meus sonhos. Fico pensando se algum dia eu vou realizar algum.

— Mas por que você tá pensando isso? Você é tão jovem!

— Mas não serei pra sempre.

— Ai, gente! Então, vamo’ lá! Qual é o seu maior sonho? Algum desses que você acha que nunca se realizará?

— Assim... Eu sonho em ser um escritor! — disse envergonhado.

— Ótimo! Só não consigo enxergar o problema.

— É que... quando eu digo o meu sonho, como eu acabei de fazer agora, eu tenho a impressão que ele se torna algo muito irreal. Sei lá! As pessoas fazem planos de ter um carro, ter um filho, se casarem, ter um emprego fixo e eu sonho... em ser escritor.

— E o que tem de mais nisso? Um sonho como outro qualquer!

— Não, não é! Eu sinto que ninguém acredita no meu sonho.

— Mas as pessoas não precisam acreditar no seu sonho. Você é a única pessoa que precisa acreditar nele. Você acredita no seu sonho?

— Muito. Desde quando eu era um menininho. Quando eu aprendi a escrever, eu andava sempre com um pedaço de papel e um lápis. Enquanto os meus primos brincavam de bola, eu tava sentado na sombra escrevendo alguma coisa.

— É um lindo sonho, Lucas! Você deve dar continuidade a ele. Agora, me responda: o que você está fazendo de concreto para realizar o seu sonho de publicar um livro?

— Bem... Pelo menos, eu tenho a consciência de que eu tenho praticado bastante.

— E você espera que alguém descubra algum dos seus textos escondidos no seu computador ou nos seus cadernos de anotação?

— Não. Eu sei que isso não vai acontecer, mas... É que eu tenho medo.

— De...?

— Medo de ser criticado. Eu não sei se os meus textos são bons. Eu tento escrever o melhor possível, mas... eu nunca estou satisfeito!

— Isso acontece porque você é muito exigente consigo mesmo.

— E eu também fico pensando que existem tantas pessoas melhores que eu. Não sei se eu tenho chance de algum dia vender alguma coisa.

— Que pessimismo! É claro que seus textos são bons!

— Quem disse isso? Meus amigos? Minha professora da quarta série?

— E a opinião deles não vale?

— Vale, mas... é que nem quando a minha mãe diz que eu sou bonito. Às vezes, as pessoas mentem para nos agradar.

— Você é muito exigente mesmo! Então, você quer que os críticos aceitem os seus textos, que façam resenhas efusivas para aparecer na capa do seu livro e que eles sejam traduzidos para 40 idiomas, mesmo que você não conheça 40 idiomas?

— Eu adoraria, mas... isso nunca vai acontecer. O meu jeito de escrever não vai agradar a ninguém.

— Como você sabe? Tem um monte de autores que você gosta que outras pessoas detestam. E vice-versa! Você se lembra do Visconde de Taunay? Você gostou de Inocência, mas ninguém mais gostou. E o Oswald de Andrade? Você não diz sempre que passou mal com o Memórias Sentimentais de João Miramar por ele ser tão ruim, enquanto ele é considerado um marco para a literatura moderna?

— É verdade, mas...

— E o Guimarães Rosa? Você chorou com o Sagarana, mas no ano passado você leu uma crítica falando horrores do jeito de escrever dele.

— E fiquei indignado!

— E ainda tem os livros de auto-ajuda! Os livros do Augusto Cury vendem milhares de cópias, enquanto você e várias outras pessoas dormem enquanto leem os conselhos dele.

— Onde você quer chegar com isso?

— Quero dizer que ninguém consegue agradar gregos e troianos! Stephen King, Machado de Assis, Paulo Coelho... Você conhece pessoas que idolatram e outras que odeiam esses autores. Você acha que você é superior e agradará a todos? Eu sei que você já pensou várias vezes que, se um texto seu tocar uma pessoa, você já ficará satisfeito.

— E como você sabe disso?

— Porque somos a mesma pessoa.

— É mesmo. Mas, mesmo assim...

— Ai, Lucas! Vamos continuar essa discussão depois. Eu tô morrendo de sono e amanhã temos um livro pra escrever.

Um comentário:

Babi Farias disse...

Que diálogo interno interessante! Também tenho tido alguns nesses estilo sobre sonhos.

"Mas as pessoas não precisam acreditar no seu sonho. Você é a única pessoa que precisa acreditar nele." Ótima frase para perseverarmos naquilo que acreditamos!

Beijo, Lucas.