— Está tudo terminado entre nós! — ela disse segura;
controlava cada milímetro dos músculos do seu rosto para que sua expressão não
mostrasse como aquilo estava sendo difícil pra ela.
Ele ficou olhando fixamente para os olhos dela, sem reação.
Depois, como se acordasse, balançou a cabeça tentando organizar os pensamentos,
piscou os olhos e umedeceu a língua.
— É... Bem, eu não sei... — ele olhou para o chão puxando
alguma coisa da memória; ela já conhecia aquele ritual. — Espere um pouco.
Ele correu para apagar as lâmpadas do apartamento que
estavam lhe atrapalhando e abriu as cortinas da enorme janela do quinto andar.
— Por favor, querida, fique aqui em cima desse tapete. —
Então ligou o abajur que iluminou o rosto dela debaixo. — Agora sim! Dá um
ar... sobrenatural! Pode repetir o que você disse?
— Você é louco!
— Não foi exatamente isso que você disse antes. Não existem
cacos nessa cena.
Ela respirou fundo:
— Está tudo terminado entre nós.
— Bem, eu imagino que... minha próxima fala deveria ser: —
Ficou com um ar de estupefação. Metade do seu rosto estava escondido na
penumbra e a outra metade iluminada pela luz azul que entrava pela janela.
Perfeito. — Eu não compreendo, querida! Estávamos tão bem ontem à noite quando
saímos pra jantar.
— Ontem estávamos bem? — ela aumentou o tom de voz; sem
gritar. Era perceptível o sentimento que crescia dentro dela as poucos. Ele
gostava dessas nuances na voz dela. — Você me deixou envergonhada quando pediu
para que os nossos amigos trocassem de lugar três vezes porque aquela
iluminação não favorecia a cena. E ainda falou mal da maquiagem da minha amiga.
— Perfeito, querida! É assim que eu gosto. Adorei a ênfase
que você deu em “minha amiga”. — Ele volta a ficar sério. Foi para o balcão do
bar, colocou dois gelos no copo e se serviu de dois... três... alguns dedos de whisky. — Você está sendo precipitada. —
Ele caminhava na penumbra azul do apartamento. Bebericou o whisky. — Você... você está apaixonada por outro? — E virou o
conteúdo do copo de uma vez. Olhos semicerrados. — Eu não estou satisfazendo
seus desejos? É claro que eu não sou mais aquele rapaz de 21 anos que você
conheceu, mas... você tem que compreender! Podemos superar essa traição
juntos...
— Não é nada disso! Não é questão de eu gostar de outro! A
questão é que eu não aguento mais as suas loucuras.
— Ficaria melhor se fosse “delírios”.
— Eu não aguento mais os seus delírios. Essa sua ideia disparatada de vivermos como se
estivéssemos em Hollywood.
— Na verdade, eu imagino um filme europeu, mas tudo bem!
— E toda a sua preocupação com a iluminação, o cenário, a
ordem das coisas, o meu cabelo!
Já foi dito que ele se apaixonou por essa voz oscilante, hesitante, marcante...
— E quantos momentos ridículos eu tive que passar por causa
de suas insanidades! Como aquela vez que você me maquiou e me deixou com a cara
pálida; então, você colocou aquele sobretudo preto e andava com aquela lanterna
no meio da rua.
— Era a época que eu estava lendo sobre os alemães.
Expressionismo alemão, minha querida! Expressionismo alemão.
— E as suas manias de balançar a cabeça...
— “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.
— Mas você não tinha câmera alguma e, pra mim, também não
tinha nada na cabeça.
— São testes que eu
colocarei em prática. Algum dia. Não
questione o meu jeito excêntrico. Foram anos para moldá-lo a meu gosto. Sou um
cineasta nato, mon Cher. — Ele se
aproxima do rádio. Last Tango in Paris, de
Gato Barbieri.
Ele coloca uma rosa vermelha na boca e a sola do seu sapato
de couro italiano faz o toc toc no
chão de assoalho. Charuto. A fumaça que ele sopra é iluminada pelo neon de um anúncio na rua.
— Lembra daquele dia no parque? As estrelas, nós dois, a lua...
— Lembra daquele dia no parque? As estrelas, nós dois, a lua...
— Por favor...
— ...o som no carro, a brisa... — Ele tira o blazer; está de
camisa, colete e gravata. Ele sorri sutilmente. Ele sabia que inconscientemente
ela era apaixonada pelo Marlon Brando. Aquele sorriso era de horas na frente do
espelho. — Por que não me concede essa última dança?
— Eu já disse que...
— Shhhh... — Ele apertou o quadril dela ao seu. Queria tê-la ali mesmo; no sofá, na mesa de jantar. Colocar seu corpo no dela. O cheiro dela invadia seus pulmões. — Não
preciso explicar o roteiro mais uma vez! Lembra de quando assistimos juntos e,
no fim...?
— Pare com isso!
— Você é uma desconhecida. Acabo de te encontrar por acaso
numa rua parisiense e...
— E não acontece nada. E...
— E...?
Ela deu-lhe um beijo ardente. Ela odiava quando ele fazia aquilo. Mas ela sentia o calor subindo pelas costas e sufocando-a; só se salvava nos lábios experientes do seu marido. Precisava de um pouco de vinho; nada de manteiga.