sexta-feira, 23 de novembro de 2012

O Último Tango


— Está tudo terminado entre nós! — ela disse segura; controlava cada milímetro dos músculos do seu rosto para que sua expressão não mostrasse como aquilo estava sendo difícil pra ela.

Ele ficou olhando fixamente para os olhos dela, sem reação. Depois, como se acordasse, balançou a cabeça tentando organizar os pensamentos, piscou os olhos e umedeceu a língua.

— É... Bem, eu não sei... — ele olhou para o chão puxando alguma coisa da memória; ela já conhecia aquele ritual. — Espere um pouco.

Ele correu para apagar as lâmpadas do apartamento que estavam lhe atrapalhando e abriu as cortinas da enorme janela do quinto andar.

— Por favor, querida, fique aqui em cima desse tapete. — Então ligou o abajur que iluminou o rosto dela debaixo. — Agora sim! Dá um ar... sobrenatural! Pode repetir o que você disse?

— Você é louco!

— Não foi exatamente isso que você disse antes. Não existem cacos nessa cena.

Ela respirou fundo:

— Está tudo terminado entre nós.

— Bem, eu imagino que... minha próxima fala deveria ser: — Ficou com um ar de estupefação. Metade do seu rosto estava escondido na penumbra e a outra metade iluminada pela luz azul que entrava pela janela. Perfeito. — Eu não compreendo, querida! Estávamos tão bem ontem à noite quando saímos pra jantar.

— Ontem estávamos bem? — ela aumentou o tom de voz; sem gritar. Era perceptível o sentimento que crescia dentro dela as poucos. Ele gostava dessas nuances na voz dela. — Você me deixou envergonhada quando pediu para que os nossos amigos trocassem de lugar três vezes porque aquela iluminação não favorecia a cena. E ainda falou mal da maquiagem da minha amiga.

— Perfeito, querida! É assim que eu gosto. Adorei a ênfase que você deu em “minha amiga”. — Ele volta a ficar sério. Foi para o balcão do bar, colocou dois gelos no copo e se serviu de dois... três... alguns dedos de whisky. — Você está sendo precipitada. — Ele caminhava na penumbra azul do apartamento. Bebericou o whisky. — Você... você está apaixonada por outro? — E virou o conteúdo do copo de uma vez. Olhos semicerrados. — Eu não estou satisfazendo seus desejos? É claro que eu não sou mais aquele rapaz de 21 anos que você conheceu, mas... você tem que compreender! Podemos superar essa traição juntos...

— Não é nada disso! Não é questão de eu gostar de outro! A questão é que eu não aguento mais as suas loucuras.

— Ficaria melhor se fosse “delírios”.

— Eu não aguento mais os seus delírios. Essa sua ideia disparatada de vivermos como se estivéssemos em Hollywood.

— Na verdade, eu imagino um filme europeu, mas tudo bem!

— E toda a sua preocupação com a iluminação, o cenário, a ordem das coisas, o meu cabelo!

Já foi dito que ele se apaixonou por essa voz oscilante, hesitante, marcante...

— E quantos momentos ridículos eu tive que passar por causa de suas insanidades! Como aquela vez que você me maquiou e me deixou com a cara pálida; então, você colocou aquele sobretudo preto e andava com aquela lanterna no meio da rua.

— Era a época que eu estava lendo sobre os alemães. Expressionismo alemão, minha querida! Expressionismo alemão.

— E as suas manias de balançar a cabeça...

— “Uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”.

— Mas você não tinha câmera alguma e, pra mim, também não tinha nada na cabeça.

— São testes que eu colocarei em prática. Algum dia. Não questione o meu jeito excêntrico. Foram anos para moldá-lo a meu gosto. Sou um cineasta nato, mon Cher. — Ele se aproxima do rádio. Last Tango in Paris, de Gato Barbieri. 


Ele coloca uma rosa vermelha na boca e a sola do seu sapato de couro italiano faz o toc toc no chão de assoalho. Charuto. A fumaça que ele sopra é iluminada pelo neon de um anúncio na rua. 

— Lembra daquele dia no parque? As estrelas, nós dois, a lua...

— Por favor...

— ...o som no carro, a brisa... — Ele tira o blazer; está de camisa, colete e gravata. Ele sorri sutilmente. Ele sabia que inconscientemente ela era apaixonada pelo Marlon Brando. Aquele sorriso era de horas na frente do espelho. — Por que não me concede essa última dança?

— Eu já disse que...

— Shhhh... — Ele apertou o quadril dela ao seu. Queria tê-la ali mesmo; no sofá, na mesa de jantar. Colocar seu corpo no dela. O cheiro dela invadia seus pulmões. — Não preciso explicar o roteiro mais uma vez! Lembra de quando assistimos juntos e, no fim...?

— Pare com isso!

— Você é uma desconhecida. Acabo de te encontrar por acaso numa rua parisiense e...


— E não acontece nada. E...

— E...?

Ela deu-lhe um beijo ardente. Ela odiava quando ele fazia aquilo. Mas ela sentia o calor subindo pelas costas e sufocando-a; só se salvava nos lábios experientes do seu marido. Precisava de um pouco de vinho; nada de manteiga.

2 comentários:

igor disse...

que lindo Lucas, senti o ambiente totalmente. Parabéns!!

igor disse...

e no post anterior vc disse que perdera a criatividade. Então ela voltou com força total né?