Enquanto as crianças entravam no carro, a mulher sentada no
banco do motorista alisava a sobrancelha olhando no retrovisor interno. Seu
filho mais novo — nossa, quando essas crianças cresceram tanto? —
sentou-se no banco da frente, depois de muito pedir à irmã mais velha; a menina,
de uns 15 anos, sentou-se no banco de trás com o celular na mão.
Era início da tarde e os três pouco conversavam dentro do
carro; a menina zapeava pelos aplicativos do seu celular e o menino estava entretido
com as músicas no som do carro. A mãe dos meninos tentava acompanhar as letras
ensurdecedoras com seu inglês que tinha aprendido num curso de conversação para
funcionários da universidade.
Subiam pela Av. Brasil, perto do fim do bairro com o mesmo
nome. O carro deles é um desses modelos novos do Fiat Uno, branco, discreto.
Pararam num sinaleiro. Mais uma vez a mulher olhou no retrovisor para conferir
a sobrancelha, a menina continuava no celular e o menino remexia nuns papéis em
seu colo.
O sinal ainda estava vermelho quando um rapaz apareceu de
supetão na janela do lado do passageiro. Meu
Deus, a mãe estava tão distraída com o retrovisor que nem percebeu o susto
que o filho levou com aquela aparição inusitada. Vamos ser assaltados!, talvez tenha sido seu pensamento.
O rapaz do lado de fora tinha uma mochila nas costas, óculos
de armação escura, a respiração ofegante e o desespero estampado na cara. Ele vai levar meu celular!, a menina
deve ter pensado. Mas o rapaz só queria falar com a motorista:
— Moça — ele chamou —, moça!
A mulher continuava a cantarolar enquanto arrumava sua
sobrancelha, alheia ao desespero dos seus filhos. Quando percebeu a presença
ameaçadora na janela do seu carro, soltou um Ai, que susto, menino!
— Moça, eu preciso de ajuda — o
rapaz foi logo cuspindo as palavras: — Eu tô com duas meninas
aqui comigo. E elas precisam fazer o vestibular ali na Universidade. No campus que fica logo ali em cima! Mas a
gente desceu do ônibus no ponto errado e agora só faltam 15 minutos pro início
da prova. Tá muito longe pra ir a pé. A gente tá desesperado! Eu preciso
arranjar uma carona pra essas meninas...!
— Meu Deus! Cadê elas, menino? Coloca elas dentro
do carro que eu levo elas lá agora!
— Ai, moça! Obrigado, obrigado, obrigado. — O
rapaz agradeceu.
Esse rapaz desesperado por uma ajuda era eu; as duas meninas
atrasadas para o vestibular de Medicina da Universidade Federal de Uberlândia
eram minha irmã e minha prima. Tudo isso aconteceu no sábado passado numa
correria que durou alguns minutos — mas que, pela dor nas
minhas costas no dia seguinte, pareceu durar horas — em
busca de uma alma caridosa que pudesse nos ajudar.
Quando eu encontrei esse carro parado no semáforo, eu não me
lembrei de vergonha ou timidez e coloquei o “carão” lá dentro pra pedir ajuda.
Assustei o menino que estava sentado no banco da frente, mas, quando a mulher
mostrou-se solidária com a minha causa, eu só fiz agradecer.
Peguei minha irmã pelo braço e joguei no banco de trás ao
lado da menina que mexia no celular; depois empurrei minha prima e espremi todo
mundo até que coubessem todas dentro do carro. O sinal passou do vermelho para
o verde e eu, da calçada, me despedi das meninas que já arrancavam os cabelos
de ansiedade.
Quando eu contei o acontecido pra minha mãe, ela me disse
que essa seria uma história para rirmos daqui uns meses. Nem foi preciso tanto:
no final daquela tarde, nós já estávamos nos contorcendo de tanto rir de tudo
que a gente tinha feito, de todas as pessoas que a gente tinha abordado antes
de encontrar alguém solícito... E agradecemos a essa mulher que eu transformei
em protagonista dessa história, mesmo sem saber seu nome, sua profissão ou se
era mesmo mãe daqueles meninos, mas que foi o nosso anjo da guarda naquele dia.
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