sexta-feira, 7 de março de 2014

A Árvore Que Queria Ser Livre


Um casal de jardineiros foi quem plantou aquela pequena semente naquele jardim simétrico. Na medida em que foi crescendo, a jovem planta olhava ao seu redor as árvores suntuosas, as flores harmoniosamente organizadas por suas cores, as sebes, os arbustos: o poder dos jardineiros em colocar ordem em toda aquela diversidade era admirado por todos.

Aos poucos, essa planta foi se transformando numa arvorezinha miúda, tímida que sonhava em ser como as outras ao seu redor. Ela sabia que deveria fazer alguns sacrifícios para ser como todas ali, mas aquilo pouco lhe incomodava: sem questionar, deixava que os jardineiros cortassem seus galhos rebeldes e a deixassem bonita como as outras.

O primeiro jardineiro que cuidou dos seus galhos chamava-se Família. Era um jardineiro respeitado por todos, um profissional inquestionável, sempre dono da verdade. Esse jardineiro, assim como todos os outros, gostava de conversar com suas plantas e, desde a primeira infância da nossa protagonista, ele lhe apontava as maiores e dizia que ela deveria se esforçar para ser como essas árvores que coçavam o céu com seus galhos bem cuidados. Então, a nossa arvorezinha ficava satisfeita toda vez que Família vinha lhe cortar os galhos indisciplinados.

Depois de alguns anos, Família passou a dividir os cuidados da nossa árvore com uma senhora que se dizia muito sábia: Igreja. Ela já era uma velha muito debilitada, ruim das pernas, mas todos continuavam confiando cegamente nos seus julgamentos. Desde sempre, ela queria que tudo fosse do seu jeito; ela estava sempre por perto condenando todos os galhos selvagens que desobedeciam a harmonia do jardim. Existia um modelo e todos deveriam segui-lo. Ela contava das árvores com troncos muito grossos que tinham sido brutalmente arrancados do solo e queimados por não se adequarem ao padrão estabelecido.

A arvorezinha ficava preocupada o dia todo. Via que alguns dos seus galhos cresciam sem seu controle e ela não entendia aquilo muito bem. Pedia desculpas aos jardineiros, Família e Igreja, e pedia ajuda para cortar esses galhos teimosos. Ela estava sempre com medo de que alguém percebesse que seus galhos não lhe obedeciam. Não apenas os jardineiros, mas também as outras plantas ao redor lhe vigiavam e condenavam todos os seus desvios. Não saber controlar os seus galhos para se adequar à beleza do jardim era a comprovação de que ela era uma aberração da natureza.

E, depois de muitas batalhas e pelejas, a arvorezinha tornou-se uma árvore vistosa, magnífica, com flores e frutos de causar inveja. Mas, assim, como seus galhos, suas flores cresciam desordenadamente: havia flores rosas e laranjas que combinavam com o resto do jardim, mas suas flores roxas e azuis quebravam qualquer sintonia esperada pelos jardineiros. Um jardineiro chamado Mídia era quem dizia quais flores cultivar e quais arrancar: essas flores diferentes eram horríveis, ele dizia.

Nossa árvore ela linda e esbelta, com seus galhos comportados, com suas flores rosas e laranjas e todo o seu caule bem cuidado. Não se importava quando alguém vinha com um machado, um serrote ou uma grande tesoura para torná-la igual a todas as outras.

Um dia, porém, ela se sentia sufocada. Então, um daqueles seus galhos indomáveis foi crescendo em direção ao céu e ela não pôde controlá-lo: tudo acontecia muito rápido. Ela ficou impaciente. Entretanto, mais do que desesperada, ela se sentiu livre: era como se uma corda que tivesse lhe segurado durante toda a sua existência tivesse se soltado e ela agora podia respirar com satisfação.

No dia seguinte, é claro, os jardineiros vieram cuidar daquele galho horroroso. Mas, depois de sentir aquela maravilhosa sensação de liberdade, a árvore já não conseguia (e não queria) controlar os seus galhos. Tudo aquilo preocupava os jardineiros. Essa árvore tentava, então, convencer as outras ao seu redor: deixem que seus galhos cresçam, deixem que as flores desabrochem! Algumas árvores mais velhas estavam escandalizadas com tamanha insanidade, mas algumas jovens experimentaram aquilo, mesmo que tenha sido timidamente. E gostaram!

Tudo aquilo estava saindo do controle dos jardineiros. Era preciso que alguma coisa fosse feita! Uma equipe subia pelo tronco da nossa protagonista e tentava cortar os galhos rebeldes: ela tinha que seguir o padrão! Por que ela não podia ser como todos os outros? Tudo seria bem mais fácil! Mas ela não queria: tentava se balançar e derrubar todos aqueles jardineiros que sufocavam sua respiração, sua liberdade, sua felicidade.

Depois de uma reunião com os principais jardineiros, uma decisão foi tomada: o mal deveria ser cortado pela raiz. Bravo!, as árvores senhoras comemoravam a decisão. A atitude dessa jovenzinha era um desrespeito ao bom andamento do jardim.

A árvore e seus galhos rebeldes foram arrancados violentamente do solo e levados pra bem longe. Nenhuma das árvores lamentou o ocorrido: ela tinha feito por onde merecer; precisava ser punida e excluída do jardim.

As árvores jovens, que num ímpeto queriam ser como aquela árvore livre que deixava seus galhos soltos sem vergonha da sua alegria, sem vergonha de ser diferente, ficaram caladas. O jardim tinha suas leis antiquadas, suas estúpidas regras e os jardineiros e as árvores conservadoras estavam ali para vigiar quem tentasse transgredi-las. Pensavam que era melhor ficarem caladas do que terem o mesmo fim que sua heroína.

Mas elas ainda torciam para que o grito silencioso daquela árvore que queria ser livre mudasse de alguma maneira aquele jardim: torciam para que, durante a sua revolta, suas sementes tenham caído em solo fértil e ela continuasse a viver mesmo depois de ter sido sufocada.

Um comentário:

Roger.R.A.Raimundo disse...

Legal Lucas, mas eu esperava um outro fim para essa árvore...