Um casal de jardineiros foi quem plantou aquela pequena semente
naquele jardim simétrico. Na medida em que foi crescendo, a jovem planta olhava
ao seu redor as árvores suntuosas, as flores harmoniosamente organizadas por suas
cores, as sebes, os arbustos: o poder dos jardineiros em colocar ordem em toda
aquela diversidade era admirado por todos.
Aos poucos, essa planta foi se transformando numa
arvorezinha miúda, tímida que sonhava em ser como as outras ao seu redor. Ela
sabia que deveria fazer alguns sacrifícios para ser como todas ali, mas aquilo
pouco lhe incomodava: sem questionar, deixava que os jardineiros cortassem seus
galhos rebeldes e a deixassem bonita como as outras.
O primeiro jardineiro que cuidou dos seus galhos chamava-se
Família. Era um jardineiro respeitado por todos, um profissional
inquestionável, sempre dono da verdade. Esse jardineiro, assim como todos os
outros, gostava de conversar com suas plantas e, desde a primeira infância da
nossa protagonista, ele lhe apontava as maiores e dizia que ela deveria se
esforçar para ser como essas árvores que coçavam o céu com seus galhos bem
cuidados. Então, a nossa arvorezinha ficava satisfeita toda vez que Família
vinha lhe cortar os galhos indisciplinados.
Depois de alguns anos, Família passou a dividir os cuidados
da nossa árvore com uma senhora que se dizia muito sábia: Igreja. Ela já era uma
velha muito debilitada, ruim das pernas, mas todos continuavam confiando cegamente
nos seus julgamentos. Desde sempre, ela queria que tudo fosse do seu jeito; ela
estava sempre por perto condenando todos os galhos selvagens que desobedeciam a
harmonia do jardim. Existia um modelo e todos deveriam segui-lo. Ela contava
das árvores com troncos muito grossos que tinham sido brutalmente arrancados do
solo e queimados por não se adequarem ao padrão estabelecido.
A arvorezinha ficava preocupada o dia todo. Via que alguns
dos seus galhos cresciam sem seu controle e ela não entendia aquilo muito bem.
Pedia desculpas aos jardineiros, Família e Igreja, e pedia ajuda para cortar
esses galhos teimosos. Ela estava sempre com medo de que alguém percebesse que
seus galhos não lhe obedeciam. Não apenas os jardineiros, mas também as outras
plantas ao redor lhe vigiavam e condenavam todos os seus desvios. Não saber
controlar os seus galhos para se adequar à beleza do jardim era a comprovação
de que ela era uma aberração da natureza.
E, depois de muitas batalhas e pelejas, a arvorezinha
tornou-se uma árvore vistosa, magnífica, com flores e frutos de causar inveja.
Mas, assim, como seus galhos, suas flores cresciam desordenadamente: havia
flores rosas e laranjas que combinavam com o resto do jardim, mas suas flores
roxas e azuis quebravam qualquer sintonia esperada pelos jardineiros. Um
jardineiro chamado Mídia era quem dizia quais flores cultivar e quais arrancar:
essas flores diferentes eram horríveis, ele dizia.
Nossa árvore ela linda e esbelta, com seus galhos
comportados, com suas flores rosas e laranjas e todo o seu caule bem cuidado.
Não se importava quando alguém vinha com um machado, um serrote ou uma grande
tesoura para torná-la igual a todas as outras.
Um dia, porém, ela se sentia sufocada. Então, um daqueles seus
galhos indomáveis foi crescendo em direção ao céu e ela não pôde controlá-lo: tudo
acontecia muito rápido. Ela ficou impaciente. Entretanto, mais do que
desesperada, ela se sentiu livre: era
como se uma corda que tivesse lhe segurado durante toda a sua existência
tivesse se soltado e ela agora podia respirar com satisfação.
No dia seguinte, é claro, os jardineiros vieram cuidar
daquele galho horroroso. Mas, depois de sentir aquela maravilhosa sensação de
liberdade, a árvore já não conseguia (e não queria) controlar os seus galhos. Tudo
aquilo preocupava os jardineiros. Essa árvore tentava, então, convencer as
outras ao seu redor: deixem que seus galhos cresçam, deixem que as flores
desabrochem! Algumas árvores mais velhas estavam escandalizadas com tamanha
insanidade, mas algumas jovens experimentaram aquilo, mesmo que tenha sido
timidamente. E gostaram!
Tudo aquilo estava saindo do controle dos jardineiros. Era
preciso que alguma coisa fosse feita! Uma equipe subia pelo tronco da nossa
protagonista e tentava cortar os galhos rebeldes: ela tinha que seguir o
padrão! Por que ela não podia ser como todos os outros? Tudo seria bem mais
fácil! Mas ela não queria: tentava se balançar e derrubar todos aqueles
jardineiros que sufocavam sua respiração, sua liberdade, sua felicidade.
Depois de uma reunião com os principais jardineiros, uma
decisão foi tomada: o mal deveria ser cortado pela raiz. Bravo!, as árvores
senhoras comemoravam a decisão. A atitude dessa jovenzinha era um desrespeito
ao bom andamento do jardim.
A árvore e seus galhos rebeldes foram arrancados
violentamente do solo e levados pra bem longe. Nenhuma das árvores lamentou o
ocorrido: ela tinha feito por onde merecer; precisava ser punida e excluída do
jardim.
As árvores jovens, que num ímpeto queriam ser como aquela
árvore livre que deixava seus galhos soltos sem vergonha da sua alegria, sem
vergonha de ser diferente, ficaram caladas. O jardim tinha suas leis antiquadas,
suas estúpidas regras e os jardineiros e as árvores conservadoras estavam ali
para vigiar quem tentasse transgredi-las. Pensavam que era melhor ficarem
caladas do que terem o mesmo fim que sua heroína.
Mas elas ainda torciam para que o grito silencioso daquela
árvore que queria ser livre mudasse de alguma maneira aquele jardim: torciam
para que, durante a sua revolta, suas sementes tenham caído em solo fértil e
ela continuasse a viver mesmo depois de ter sido sufocada.
Um comentário:
Legal Lucas, mas eu esperava um outro fim para essa árvore...
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