Fui trabalhar no caixa de um restaurante no centro da cidade. Muito movimento durante toda a semana. No almoço muitas pessoas almoçavam com seus filhos que acabaram de sair da escola. Gente rica que come fora todos os dias. E eu, Beto, azucrinado por todas elas.
Uma delas é a Dra. Beatriz que adora banana à milanesa e peito de frango grelhado, que almoça com os dois filhos, que tem um carrão prata, que fez luzes no cabelo na semana passada e que sempre foi gentil comigo.
_ Muito obrigada! _ ela sempre respondia quando eu terminava de atendê-la, com aquela voz mansa, cantada.
E, assim, todos os dias. Depois de um almoço ela perguntou meu nome e a partir daí ela começou a me tratar mais proximamente.
_ Muito obrigada, Beto! _ ela cantava. Eu enlouquecia com a sua voz suave, o seu hálito fresco, com sua pele clara.
Numa quarta-feira, ela foi normalmente ao restaurante, comeu peito de frango, pagou e me agradeceu, como sempre. E, naquele dia, eu passei mal e fui embora mais cedo, com tremores e muito suor.
Passei o resto da tarde na cama e à noite eu fui dormir mais cedo. Esperava que a minha indisposição passasse com uma noite de sono.
A visão foi ficando escura e eu me vi no portão da casa da Dra. Beatriz. Não sabia como tinha chegado até lá, mas meu dedo batia a campainha com muita certeza.
Ela veio abrir numa roupa verde e me levou até a sala. Sua pupila ficava cada vez menor e suas unhas mudaram para garras. Seu sorriso me assustava. Ela foi chegando mais perto e meu coração ficava mais disparado. Pulei do sofá e tentei fugir pela janela. Esmurrava-a, mas a mulher era mais rápida. Eu acordei quando eu senti que sua mão tocara meu pescoço.
A Dra. Beatriz apareceu, como de costume, no dia seguinte. Eu já estava melhor da doença, mas o susto ainda permanecia. Ela entrou sorrindo, com um filho de cada lado. Ela me olhou e sorriu. Eu fingi um sorriso, sempre observando-a. Foi como se ela estivesse conferindo se eu estava ali, se eu lembrava da noite anterior.
Quando ela acabou de almoçar, a Dra. Beatriz veio pagar a conta. Agora eu ficava desconfiado da voz mansa dela e estava sempre desconfiado dos olhares dela.
_ Muito obrigada, Beto! _ Que arrependimento por ter dito meu nome!
Nunca mais foi aquela admiração pela educação da dentista. Depois disso eu ficava sempre esperando o dia em que aquele pesadelo viraria realidade.