— Eu vou pular! — ele gritava. — Eu vou pular e nem tentem me segurar!
Ele tinha uns bons quarenta anos de idade e estava na beira de um prédio olhando para a “plateia” que o observava lá de baixo.
— Eu vou pular!
Sua filha adolescente olhava envergonhada para o pai lá em cima. Ao seu lado, uma amiga da escola. As duas de óculos e chapéus seguravam suas malas. Não estavam nem um pouco felizes com a atitude do quarentão lá em cima.
— Que mico! Meu pai agora ‘tá querendo dar uma de super-homem!
— Mas será que ele pula, mesmo?
A outra não acreditava naquela pergunta.
— Claro que não, né! — respondeu como se fosse óbvia a resposta.
O aglomerado de pessoas aumentava a cada segundo e cada um tinha sua opinião sobre o cara lá em cima.
— Ele é louco!
— São as drogas que fazem isso com o ser humano.
— Olha o que uma grande paixão faz com um homem.
— É um mal-acabado que perdeu tudo no jogo.
As duas adolescentes continuavam observando os gritos do suicida quando o Corpo de Bombeiros apareceu.
— Ai, meu Deus — exclamou a filha. — Era o que faltava. Quem foi o idiota que ligou para os Bombeiros?
— Credo! Que horror, amiga! Eles vieram só ajudar. E ajudar seu pai ainda por cima.
— É, mas o Corpo de Bombeiros aqui era o que meu pai mais queria. Só falta agora chegar uma emissora de televisão! Aí ele vai ficar se achando. E quando chegar em casa, vai ficar todo orgulhoso por se ver no Jornal Nacional.
Os bombeiros se aproximaram. Um subiu até a cobertura e ficou de butuca esperando qualquer movimento brusco do cara problemático.
Foi-se mais uma meia hora de atenção ao cara a beira do prédio.
— Eu vou pular! — Agora ele estava sentado na beirada. Ficava gangorrando, como se fosse cair. Cada movimento seu, era uma respirada interrompida dos bombeiros. Câmeras de emissoras de televisão filmavam tudo detalhadamente.
— Olha ali! Olhe o que seu pai está fazendo!
A filha já estava sentada olhando para outro lugar.
— Eu não quero ficar olhando isso mais. Tô com o pescoço dolorido. E também estamos atrasadas para a viagem. É possível que o ônibus já tenha saído da rodoviária.
— Não. Ainda faltam uns quarenta minutos. E a gente não pode ir sem saber o que vai acontecer com seu pai.
— Não que eu seja uma má filha, mas se ele cair… — risos. — ele nunca mais vai querer brincar de Tarzan…
Ela foi interrompida por gritos dos bombeiros, do pai da menina e um suspiro uníssono da plateia na frente do prédio.
— Me solta, me solta! Eu vou pular.
— Soltem-no já que ele está pedindo — a filha disse, levantando-se.
— Nossa! É seu pai.
— Que bom que ele desceu. Estamos mesmo precisando de uma carona até a rodoviária.
O pai saiu acompanhado de três bombeiros.
— Moço, moço! — a filha se aproximou. — Vão levar meu pai pr’um hospício ou pr’uma delegacia? É que eu tô atrasada…
— O Pereira? Pr’uma delegacia?!
— Pereira? Não. Esse não é o Pereira, não. É meu pai.
Uma longa história esquecida há muitos anos.
As meninas acabaram alcançando o ônibus e o Pereira foi com a turma dos Bombeiros pr’o boteco da esquina. Chopp a noite inteira. Por conta do Pereira.
Eram altas horas da noite quando o telefone do quarto das meninas tocou no hotel à beira da praia.
— Alô!
— Filha, eu não apareci no Jornal Nacional, mas você me viu no Jornal da Globo? Eu tô impressionado com o quanto eu sou fotogênico.
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