terça-feira, 9 de agosto de 2011

Entendeu?

A casa ficava nos fundos de um boteco. Tinha dois cômodos separados por uma parede mal-acabada e um banheiro do lado de fora.

No primeiro compartimento, conviviam uma pia, uma televisão sobre um banquinho, um fogão enferrujado, uma poltrona que algum dia fora amarela, algumas garrafas de cerveja e um casal de ratos. Uma infiltração ali, uma rachadura aqui.

Esticado sobre a poltrona velha, um personagem magro com a mão direita dentro de uma calça jeans surrada, rasgada nos joelhos. Sua camisa florida estava aberta mostrando o peito magro com alguns pelos em volta do umbigo. A outra mão dependurada em algum lugar e um cigarro apagado se equilibrava nos lábios quase mortos.


Nessa hora, quando seus pensamentos estavam perdidos ou já nem existiam mais, um homem arrombou a porta enferrujada. Ele estava de terno e óculos escuros. Seus sapatos faziam barulho em contato com toda a sujeira daquela casa. Estava acompanhado de dois capangas.

Pegou um resto de cerveja que tinha numa das garrafas e despejou-o sobre a cabeça do maltrapilho deitado na poltrona encardida.

O sujeito acordou num sobressalto cuspindo o cigarro e tirando a mão de dentro da calça.

O magnata percebeu que o sujeito estava bastante acordado para entender o recado. Deu-lhe um tapa com as costas da mão e seu anel cortou o lábio do recém-acordado.

— Seu filho da puta! —gritou.

— O que é isso? — o outro perguntou. — Por que você fez isso?

O de terno aproximou-se do sujeito surrado e mostrou toda a sua raiva pela sua respiração. Era possível ver três cores diferentes em cada um de seus dentes.

— Você é um nada! Na verdade, eu nem sei porque eu tô aqui. Podia ter mandado os meus homens para te apagarem direto, mas... eu sou muito bonzinho.

— Quê?

— Quem mandou mexer com a mulher dos outros? — disse dando-lhe outro tapa. — Olha aqui, seu filho da puta, seu merdinha, eu não quero vê-lo mais andando perto da minha casa, tá me ouvindo? Ou melhor: você não deve se aproximar da minha casa num raio de... dois quilômetros! Entendeu?

— Entendi!

— Eu só não fiz nada com você hoje porque foram apenas suposições. Eu não sou de acreditar em fofocas. Se contente com minha generosidade. Mas da próxima vez... eu vou arrancar fora os seus colhões.

Foi a primeira vez que o outro arregalou o olho. O de terno deu-lhe mais um tabefe na cara e saiu com os capangas do mesmo jeito como tinham entrado.

O da poltrona bocejou e voltou a dormir. Acordou vinte minutos depois com o barulho de um salto alto vindo do outro cômodo, o qual chamava de quarto só porque tinha uma cama.

A dona do salto alto vinha prendendo o sutiã.

— Onde tá meu dinheiro?

Ele se levantou da poltrona e foi pra pia. Colocou a água pra esquentar naquele fogão imundo. Sempre com uma mão dentro da calça. Deu uma espreguiçada enquanto a mulher vestia uma blusinha.

Ele, arrastando os chinelos no chão, foi até a televisão. Tinha umas notas amarrotadas debaixo dela. Molhou o dedo com a língua e separou o da mulher.

— Isso aqui dá?

Ela tomou-lhe as notas rudemente. Molhou o dedo na língua e contou as notas pequenas.

— Essa é a última vez que eu faço por esse preço.

A cara dele era a mesma de um funcionário público quando recebe um “bom-dia”.

— Agora, vaza daqui, vadia!

A mulher saiu e ele continuou no preparo do café. Não tinha açúcar: bebeu amargo mesmo.

Sentou-se na poltrona enquanto ouvia um jornalista qualquer falando ali na televisão. Foi quando ele se lembrou de que tinha recebido uma visita naquele dia.

Colocou o café num canto e começou a pensar.

— O que foi que ele disse mesmo?

Coçava a barba, o umbigo e voltou a mão pra dentro da calça. Pegou o café e continuou assistindo ao jornal matinal.

— Isso vai dar merda!

Um comentário:

Clara disse...

Não sei se eu entendi, pra falar a verdade, mas a história ficou muito realista mesmo! Deu pra imaginar tudinhho, adorei.