"Percebo que estar
com aqueles de quem gosto é o bastante,
Ficar em
companhia deles pelo resto da noite é o bastante
Ser rodeado
pela carne bela, curiosa, palpitante, sorridente é o bastante,
Passar entre
eles, ou tocar todos eles, ou descansar meu braço mesmo bem de leve em torno do
ombro dele ou dela por um momento — o que significa isto, então?
Não exijo
nenhum deleite maior que este — nado nele, como num mar.
Há algo em se
permanecer junto a homens e mulheres, a olhar para eles, sentir-lhes o contato
e o odor, que agrada tanto a alma,
Tudo agrada a
alma — mas isso lhe agrada bem.
[...]
Ó
meu corpo! Não ouso fugir ao que preferes em outros homens e mulheres, nem as
preferências de algumas de tuas partes,
Creio
que tuas preferências se erguerão ou cairão com as preferências da alma, (e que
elas são a alma,)
Creio
que as tuas preferências se erguerão ou cairão com meus poemas — e que elas são
poemas,
Poemas
do homem, da mulher, da criança, do jovem, da esposa, do marido, da mãe, do
pai, do rapaz, da moça,
Cabeça,
pescoço, cabelo, ouvidos, lóbulos e tímpanos,
Olhos,
órbitas, íris, sobrancelhas, e o acordar e adormecer das pálpebras,
Boca,
língua, lábios, dentes, céu da boca, maxilares, e as articulações,
Nariz,
narinas, e o septo nasal,
Faces,
têmporas, testa, queixo, garganta, nuca, fossa jugular,
Ombros
fortes, barba viril, omoplatas, espáduas, e a ampla arcada do peito,
Bíceps,
axilas, o pilão do cotovelo, ante-braço, tendões, os ossos do braço,
Pulso
e as articulações do pulso, a mão, a palma, os nós dos dedos, polegar,
indicador, as articulações, as unhas,
O
amplo arcabouço do peito, os cabelos ondulados do peito, os ossos do peito, as
laterais do peito,
Costelas,
ventre, espinha dorsal, as junções da espinha,
Quadris,
cavidades do fêmur, a força dos quadris, as chãs internas e externas, os
testículos, a raiz do homem,
Forte
conjunto de coxas, belos suportes do tronco acima,
Filamentos
da perna, joelho, rótula, alto da coxa, barriga da perna,
Tornozelos,
a curva do pé, o peito do pé, os artelhos, as articulações, o tornozelo;
Todas
as atitudes, todas as simetrias, todas as propriedades do meu ou do teu corpo,
de qualquer um, homem ou mulher,
As
esponjas pulmonares, a bolsa estomacal, os intestinos limpos e saudáveis,
O
cérebro com suas circunvoluções na caixa craniana,
O
nervo simpático, as válvulas cardíacas, as válvulas palatais, a sexualidade, a
maternidade,
A
feminilidade e tudo o que é da mulher — e o homem que provém da mulher,
O
ventre, os seios, os mamilos, o leite materno, as lágrimas, os sorrisos, o
pranto, olhares amorosos, perturbações do amor e excitações,
A
voz, a dicção, a linguagem, o murmúrio, os gritos altos,
Comida,
bebida, pulso, digestão, suor, sono, passeios, natação,
O
equilíbrio dos quadris, os saltos, as flexões, os braços que se curvam para
abraçar as pernas,
As
modificações contínuas dos movimentos da boca e em torno dos olhos,
A
pele, o bronzeado que o sol lhe causa, as sardas, o cabelo,
A
curiosa sensação que se tem quando se apalpa a carne desnuda de um corpo,
Os
círculos recorrentes da respiração, aspirando e expirando,
A
beleza da cintura, e logo dos quadris, e ainda para baixo em direção aos
joelhos,
Os
pequenos glóbulos vermelhos dentro de ti ou de mim — os ossos e a medula dentro
deles,
A
fantástica conscientização da saúde;
Ó, eu digo que estas não são apenas partes e poemas do Corpo, mas também da Alma,
Digo
mesmo que elas são a própria Alma!"
Trecho de "I sing the body electric" de Walt Whitman