terça-feira, 25 de outubro de 2011

Corpo




"Percebo que estar com aqueles de quem gosto é o bastante,

Ficar em companhia deles pelo resto da noite é o bastante
Ser rodeado pela carne bela, curiosa, palpitante, sorridente é o bastante,
Passar entre eles, ou tocar todos eles, ou descansar meu braço mesmo bem de leve em torno do ombro dele ou dela por um momento — o que significa isto, então?
Não exijo nenhum deleite maior que este — nado nele, como num mar.
Há algo em se permanecer junto a homens e mulheres, a olhar para eles, sentir-lhes o contato e o odor, que agrada tanto a alma,
Tudo agrada a alma — mas isso lhe agrada bem.
[...]
Ó meu corpo! Não ouso fugir ao que preferes em outros homens e mulheres, nem as preferências de algumas de tuas partes,
Creio que tuas preferências se erguerão ou cairão com as preferências da alma, (e que elas são a alma,)
Creio que as tuas preferências se erguerão ou cairão com meus poemas — e que elas são poemas,
Poemas do homem, da mulher, da criança, do jovem, da esposa, do marido, da mãe, do pai, do rapaz, da moça,
Cabeça, pescoço, cabelo, ouvidos, lóbulos e tímpanos,
Olhos, órbitas, íris, sobrancelhas, e o acordar e adormecer das pálpebras,
Boca, língua, lábios, dentes, céu da boca, maxilares, e as articulações,
Nariz, narinas, e o septo nasal,
Faces, têmporas, testa, queixo, garganta, nuca, fossa jugular,
Ombros fortes, barba viril, omoplatas, espáduas, e a ampla arcada do peito,
Bíceps, axilas, o pilão do cotovelo, ante-braço, tendões, os ossos do braço,
Pulso e as articulações do pulso, a mão, a palma, os nós dos dedos, polegar, indicador, as articulações, as unhas,
O amplo arcabouço do peito, os cabelos ondulados do peito, os ossos do peito, as laterais do peito,
Costelas, ventre, espinha dorsal, as junções da espinha,
Quadris, cavidades do fêmur, a força dos quadris, as chãs internas e externas, os testículos, a raiz do homem,
Forte conjunto de coxas, belos suportes do tronco acima,
Filamentos da perna, joelho, rótula, alto da coxa, barriga da perna,
Tornozelos, a curva do pé, o peito do pé, os artelhos, as articulações, o tornozelo;
Todas as atitudes, todas as simetrias, todas as propriedades do meu ou do teu corpo, de qualquer um, homem ou mulher,
As esponjas pulmonares, a bolsa estomacal, os intestinos limpos e saudáveis,
O cérebro com suas circunvoluções na caixa craniana,
O nervo simpático, as válvulas cardíacas, as válvulas palatais, a sexualidade, a maternidade,
A feminilidade e tudo o que é da mulher — e o homem que provém da mulher,
O ventre, os seios, os mamilos, o leite materno, as lágrimas, os sorrisos, o pranto, olhares amorosos, perturbações do amor e excitações,
A voz, a dicção, a linguagem, o murmúrio, os gritos altos,
Comida, bebida, pulso, digestão, suor, sono, passeios, natação,
O equilíbrio dos quadris, os saltos, as flexões, os braços que se curvam para abraçar as pernas,
As modificações contínuas dos movimentos da boca e em torno dos olhos,
A pele, o bronzeado que o sol lhe causa, as sardas, o cabelo,
A curiosa sensação que se tem quando se apalpa a carne desnuda de um corpo,
Os círculos recorrentes da respiração, aspirando e expirando,
A beleza da cintura, e logo dos quadris, e ainda para baixo em direção aos joelhos,
Os pequenos glóbulos vermelhos dentro de ti ou de mim — os ossos e a medula dentro deles,
A fantástica conscientização da saúde;
Ó, eu digo que estas não são apenas partes e poemas do Corpo, mas também da Alma,
Digo mesmo que elas são a própria Alma!"

Trecho de "I sing the body electric" de Walt Whitman




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