“— Esquerda
— Syrio cantou. — Baixo — sua espada era uma mancha indistinta, e o Pequeno
Salão ecoava com os clac, clac, clac. — Esquerda. Esquerda. Alto. Esquerda. Direita. Esquerda. Baixa. Esquerda!
A
lâmina de madeira a atingiu na parte superior do peito, num súbito golpe que
era mais doloroso por ter vindo do lado errado.
— Au —
ela gritou. Teria ali um novo hematoma quando fosse dormir, em algum lugar no
mar. Um hematoma é uma lição,
disse a si mesma, e todas as lições nos melhoram.
Syrio
deu um passo para trás.
— Agora
está morta.
Arya
fez uma careta.
— Você
me enganou — disse com veemência. — Disse esquerda e foi pela direita.
—
Precisamente. E agora é uma garota morta.
— Mas você
mentiu!
—
Minhas palavras mentiram. Os olhos e o braço gritaram a verdade, mas você não
estava vendo.
—
Estava, sim — Arya rebateu. — Observeio-o segundo a segundo!
—
Observar não é ver, garota morta. O dançarino de água vê. Anda, deixe a espada,
agora é tempo de escutar.
Arya o
seguiu até junto da parede, onde ele se instalou num banco.
— Syrio
Forel foi a primeira espada do Senhor do Mar de Bravos, mas saberá você como
isso aconteceu?
— Você
era o melhor espadachim da cidade.
—
Precisamente. Mas por quê? Outros homens eram mais fortes, mais rápidos, mais
jovens. Por que Syrio Forel era melhor? Vou lhe dizer — tocou ligeiramente a pálpebra
com a ponta do mindinho. — Ver, ver realmente, é o coração de tudo. Escute-me.
Os navios de Bravos navegam até tão longe quanto os ventos sopram, até terras
estranhas e maravilhosas, e quando regressam, seus capitães trazem animais
bizarros para a coleção do Senhor do Mar. Animais como você nunca viu, cavalos
listrados, grandes coisas malhadas com pescoços longos como pernas de pau,
ratos-porcos peludos do tamanho de vacas, manticoras com espinhos, tigres que
transportam as crias numa bolsa, terríveis lagartos que caminham com foices no
lugar das garras. Syrio Forel viu estas coisas. No dia do qual falo, a primeira
espada tinha morrido havia pouco tempo e o Senhor do Mar mandou me chamar.
Muitos espadachins tinham sido levados à sua presença e a todos mandara embora,
sem que nenhum soubesse por quê. Quando foi a minha vez, encontrei-o sentado
com um gordo gato amarelo ao colo. Disse-me que um dos capitães lhe tinha
trazido o animal de uma ilha para lá do sol nascente. ‘Já viu algum animal como
ela?’, ele perguntou. E eu lhe disse: ‘Todas as noites, nas vielas de Bravos,
vejo mil como ele’, e o Senhor do Mar riu e nesse mesmo dia fui nomeado
primeira espada.
Arya
contraiu o rosto.
— Não
entendi.
Syrio
rangeu os dentes.
— O
gato era um gato comum, nada mais. Os outros esperavam um animal fabuloso, e
era isso que viam. Era tão grande, diziam. Não era maior que qualquer outro
gato, tinha apenas engordado devido à indolência, pois o Senhor do Mar o
alimentava de sua própria mesa. Que curiosas pequenas orelhas possuía, diziam.
Suas orelhas tinham sido roídas em lutas entre crias. E era claramente um
macho, mas o Senhor do Mar dizia ‘ela’, e era isso que os outros viam. Está
ouvindo?
Arya
refletiu sobre aqui.
— Viu o
que havia para ver.
—
Precisamente. Abrir os olhos era o quanto bastava. O coração mente e a cabeça
usa truques conosco, mas os olhos veem a verdade. Olhe com os olhos. Ouça com
os ouvidos. Saboreie com a boca. Cheire com o nariz. Sinta com a pele. E então, depois, que chega o tempo de pensar e de,
assim conhecer a verdade.”
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