Há pouco mais de duas semanas, eu estava numa boate
uberlandense com uma série de amigos: comemorávamos o aniversário de uma delas;
aquela era uma daquelas noites em que todos esperam dar o máximo de si para
aproveitar a reunião. Nós adoramos esse lugar: os frequentadores assíduos, os
preços das bebidas e as músicas... Ah, as músicas! Aquilo era um encontro de
amigos maravilhoso: amigos que eu tinha conhecido nos meus idos 11 anos, amigos
que eu tinha conhecido no Ensino Médio, outros que eu conheci há dois anos na
faculdade, e outro grupo de pessoas que eu conheci há algumas semanas, mas que
nem por isso eu deixo de nutrir um sentimento maravilhoso por eles. Era uma
alegria inexplicável e eu queria fazer tudo aquilo valer a pena!
Esse dia me vem à cabeça quando eu vejo as infinitas
reportagens sobre o incêndio numa casa de shows em Santa Maria (RS). Por mais
que a imprensa seja sensacionalista até o último fio de cabelo, duzentas e
trinta e três mortes não são qualquer coisa; não há como permanecer indiferente
a essa notícia. Pensamos em números: quase mil pessoas estavam dentro daquela
boate, ou seja, para duzentas e tantas mortes, tivemos mais de 700 que
sobreviveram. Sim, tivemos tantos sobreviventes, mas (desculpem-me por cair no
lugar-comum) para as famílias dos jovens que não tiveram essa mesma “sorte”, não
foram 233 mortes, mas a morte de um filho, de um namorado, de uma amiga, de uma
irmã.
Morreu um cara que estava fazendo planos para o Carnaval
daqui duas semanas: ele ia viajar com mais quatro amigos no seu carro para uma
festa de cinco dias; morreu uma moça que lia um romance americano e que estava
apaixonada pelo personagem principal; um menino que gostava de assistir Os
Simpsons, outra que gostava de brincar com o cachorro, outro de fazer barulho
com o plástico-bolha, outra que gostava de panettone.
Sempre que eu vejo um número de mortes (eu sinto uma
depressão tão grande quando vejo humanos traduzidos em números), eu imagino o
mesmo tanto de cartas voando para vários lugares do mundo com a mesma notícia.
E uma imagem que ficará guardada na minha memória sobre essa tragédia é a dos
celulares dos mortos tocando incessantemente; pessoas do outro lado da linha
clamando por notícias que acalmassem seus corações.
É difícil nos colocarmos no lugar dos outros, principalmente
numa hora como essas. Eu tento pensar como as mães que eu conheço: minhas tias,
minha madrinha, minha avó e minha própria mãe. Todas elas se solidarizam pela
dor de outras mães: é impressionante como elas conseguem pegar para si a dor de
outra mãe. Elas conseguem se colocar no lugar de outras mães e chorar pelos
filhos delas como se fossem seus próprios.
Da mesma forma, penso que devemos nos colocar no lugar dos
outros. Talvez nem todos sejam capazes de sentir as dores que outras pessoas que
vivem tão distante estão sentindo; mas é importante nos colocarmos no lugar
dessas pessoas para repensarmos sobre a vida. E sobre a morte! A morte é um
assunto tão delicado para algumas pessoas (às vezes, mais do que sexo ou
drogas), mas a única verdade é que, pra morrer, basta estar vivo! Quem disse
que amanhã não é o dia da minha morte? Quem disse que amanhã não é o dia da sua morte? Deixe de dizer bobagens,
Lucas! Mas é claro, ter consciência de uma coisa é diferente de traduzi-la em
palavras: as palavras, às vezes, podem chocar, assustar, doer.
Os livros de auto-ajuda e as frases motivacionais das redes
sociais dizem que devemos viver cada dia como se fosse o último de nossas
vidas, mas, na prática, ninguém gosta de pensar que morrerá amanhã. Será que,
se eu morrer amanhã, eu estarei feliz? Estarei satisfeito com tudo que eu fiz
na Terra? Terei deixado alguma pendência? Mas ninguém pensa que morrerá amanhã.
Ou nos próximos cinco minutos!
O que eu quero dizer é que o que aconteceu com os jovens na
madrugada de sábado pra domingo poderia acontecer com qualquer um de nós.
Qualquer um! Eu estava numa boate duas semanas atrás, com a capacidade de
pessoas acima do limite e com uma saída diminuta para a quantidade de pessoas
que se espremiam ali dentro. Os cenários são os mesmos! E eu tinha tantos
amigos lá dentro... Cada um com seu jeitinho especial: Ana Paula, amiga antiga
que agora divide apartamento comigo; Thábata, a rondonense mais divertida e
bem-humorada que eu já conheci; Stella, com seus cabelos loiros e olhos azuis
que me deixam ao chão cada vez que eu a encontro; Lúcio, com quem dividi
experiências de amadurecimento durante toda a minha adolescência; Renata, que,
mesmo que eu a tenha conhecido há poucos dias, já tenho muitos assunto em
comum; Nilzilene, que me importuna de uma maneira divertida todas as manhãs;
Flávia, que é minha companheira e meu porto seguro nos momentos difíceis da
faculdade. E tantos outros que não estavam comigo naquele dia, mas já estiveram... É assim que eu vejo o número 233!
Mas... a morte é inevitável! Não estou dizendo com isso que
não devemos sofrer pelas nossas perdas (e de outras pessoas), mas sim que temos
que ter consciência da morte para que a vida não seja um saco de experiências
frias e vazias. Não estou sendo insensível diante dessa tragédia: acho que,
pelo contrário, estou tentando humanizar o 233!
A morte desses jovens foi chocante principalmente pelo
número: como os números são capazes de moldar a intensidade de nossos
sentimentos! Como os números são capazes de nos deixar mais indignados do que
com uma única morte (mas pense que essa única morte, significa uma carta chegando na
casa de qualquer um). Se me der vontade de chorar por esses jovens, eu
chorarei; mas também ficarei triplamente satisfeito por ver meus amigos amanhã
de manhã. Que estejamos todos aqui!