segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

233


Há pouco mais de duas semanas, eu estava numa boate uberlandense com uma série de amigos: comemorávamos o aniversário de uma delas; aquela era uma daquelas noites em que todos esperam dar o máximo de si para aproveitar a reunião. Nós adoramos esse lugar: os frequentadores assíduos, os preços das bebidas e as músicas... Ah, as músicas! Aquilo era um encontro de amigos maravilhoso: amigos que eu tinha conhecido nos meus idos 11 anos, amigos que eu tinha conhecido no Ensino Médio, outros que eu conheci há dois anos na faculdade, e outro grupo de pessoas que eu conheci há algumas semanas, mas que nem por isso eu deixo de nutrir um sentimento maravilhoso por eles. Era uma alegria inexplicável e eu queria fazer tudo aquilo valer a pena!


Esse dia me vem à cabeça quando eu vejo as infinitas reportagens sobre o incêndio numa casa de shows em Santa Maria (RS). Por mais que a imprensa seja sensacionalista até o último fio de cabelo, duzentas e trinta e três mortes não são qualquer coisa; não há como permanecer indiferente a essa notícia. Pensamos em números: quase mil pessoas estavam dentro daquela boate, ou seja, para duzentas e tantas mortes, tivemos mais de 700 que sobreviveram. Sim, tivemos tantos sobreviventes, mas (desculpem-me por cair no lugar-comum) para as famílias dos jovens que não tiveram essa mesma “sorte”, não foram 233 mortes, mas a morte de um filho, de um namorado, de uma amiga, de uma irmã.

Morreu um cara que estava fazendo planos para o Carnaval daqui duas semanas: ele ia viajar com mais quatro amigos no seu carro para uma festa de cinco dias; morreu uma moça que lia um romance americano e que estava apaixonada pelo personagem principal; um menino que gostava de assistir Os Simpsons, outra que gostava de brincar com o cachorro, outro de fazer barulho com o plástico-bolha, outra que gostava de panettone.

Sempre que eu vejo um número de mortes (eu sinto uma depressão tão grande quando vejo humanos traduzidos em números), eu imagino o mesmo tanto de cartas voando para vários lugares do mundo com a mesma notícia. E uma imagem que ficará guardada na minha memória sobre essa tragédia é a dos celulares dos mortos tocando incessantemente; pessoas do outro lado da linha clamando por notícias que acalmassem seus corações.

É difícil nos colocarmos no lugar dos outros, principalmente numa hora como essas. Eu tento pensar como as mães que eu conheço: minhas tias, minha madrinha, minha avó e minha própria mãe. Todas elas se solidarizam pela dor de outras mães: é impressionante como elas conseguem pegar para si a dor de outra mãe. Elas conseguem se colocar no lugar de outras mães e chorar pelos filhos delas como se fossem seus próprios.

Da mesma forma, penso que devemos nos colocar no lugar dos outros. Talvez nem todos sejam capazes de sentir as dores que outras pessoas que vivem tão distante estão sentindo; mas é importante nos colocarmos no lugar dessas pessoas para repensarmos sobre a vida. E sobre a morte! A morte é um assunto tão delicado para algumas pessoas (às vezes, mais do que sexo ou drogas), mas a única verdade é que, pra morrer, basta estar vivo! Quem disse que amanhã não é o dia da minha morte? Quem disse que amanhã não é o dia da sua morte? Deixe de dizer bobagens, Lucas! Mas é claro, ter consciência de uma coisa é diferente de traduzi-la em palavras: as palavras, às vezes, podem chocar, assustar, doer.

Os livros de auto-ajuda e as frases motivacionais das redes sociais dizem que devemos viver cada dia como se fosse o último de nossas vidas, mas, na prática, ninguém gosta de pensar que morrerá amanhã. Será que, se eu morrer amanhã, eu estarei feliz? Estarei satisfeito com tudo que eu fiz na Terra? Terei deixado alguma pendência? Mas ninguém pensa que morrerá amanhã. Ou nos próximos cinco minutos!

O que eu quero dizer é que o que aconteceu com os jovens na madrugada de sábado pra domingo poderia acontecer com qualquer um de nós. Qualquer um! Eu estava numa boate duas semanas atrás, com a capacidade de pessoas acima do limite e com uma saída diminuta para a quantidade de pessoas que se espremiam ali dentro. Os cenários são os mesmos! E eu tinha tantos amigos lá dentro... Cada um com seu jeitinho especial: Ana Paula, amiga antiga que agora divide apartamento comigo; Thábata, a rondonense mais divertida e bem-humorada que eu já conheci; Stella, com seus cabelos loiros e olhos azuis que me deixam ao chão cada vez que eu a encontro; Lúcio, com quem dividi experiências de amadurecimento durante toda a minha adolescência; Renata, que, mesmo que eu a tenha conhecido há poucos dias, já tenho muitos assunto em comum; Nilzilene, que me importuna de uma maneira divertida todas as manhãs; Flávia, que é minha companheira e meu porto seguro nos momentos difíceis da faculdade. E tantos outros que não estavam comigo naquele dia, mas já estiveram... É assim que eu vejo o número 233!

Mas... a morte é inevitável! Não estou dizendo com isso que não devemos sofrer pelas nossas perdas (e de outras pessoas), mas sim que temos que ter consciência da morte para que a vida não seja um saco de experiências frias e vazias. Não estou sendo insensível diante dessa tragédia: acho que, pelo contrário, estou tentando humanizar o 233!

A morte desses jovens foi chocante principalmente pelo número: como os números são capazes de moldar a intensidade de nossos sentimentos! Como os números são capazes de nos deixar mais indignados do que com uma única morte (mas pense que essa única morte, significa uma carta chegando na casa de qualquer um). Se me der vontade de chorar por esses jovens, eu chorarei; mas também ficarei triplamente satisfeito por ver meus amigos amanhã de manhã. Que estejamos todos aqui!

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