terça-feira, 15 de junho de 2010

Mas que merda!

O primeiro jogo do Brasil na Copa do Mundo 2010: Brasil e Coreia do Norte. Os dois amigos voltavam da fazenda. Pois é. Tinham estado isolados do mundo desde o último sábado e resolveram voltar à civilização para torcerem pela seleção canarinho.

Neto, 30 anos, cabelos pretos, olhos castanhos. Felipe, 29 anos, loiro, olhos azuis.

Neto dirigia o carro, enquanto Felipe procurava um CD no porta-luvas do Ford 1983.

— Meu Deus do Céu! Você precisa dar uma renovada nesse seu repertório, Neto! Só tem lixo aqui. Tem umas bandas aqui que eu nem sabia que tinha CD. Eu achava fitas cassete muito modernas para elas.

— Larga de ser mané.


Ainda faltavam uns bons 20 quilômetros para a cidade e 
uns 40 minutos para o início do jogo. O carro pifou.


— O que é isso?

— Ah, esse carro é doido, mesmo! Às vezes, ele dá uma engasgada, Felipe. Desce lá e vê o que é.

— Eu não sou mecânico. Vai lá você que é o dono do carro.

Os dois descem. Do capô do carro sai uma fumaça e o cheiro não é muito agradável.

— Mas que merda! Esse cheiro não é bom sinal. O carro vai explodir!

— Por enquanto, o carro não é prioridade, Neto. O jogo do Brasil é daqui a pouco.

— Como assim o futebol é mais importante que o meu carro?

— Neto, a Copa do Mundo é só de quatro em quatro anos. A gente só tem poucas oportunidades de ver o Brasil ganhando por goleada. Então, nós temos que aproveitar o momento, entende?

— Não entendo. O meu carro é muito mais importante. Juntei dinheiro durante um tempão. E só na formatura que eu consegui comprar um antigão desse.

— Tá certo. Mas, então, pense que o jogo é daqui meia hora. A gente assiste ao jogo, noventa minutos, tudo direitinho, e volta. Seu carro vai estar aqui.

— E como é que a gente vai chegar na cidade!

Felipe chuta a poeira.

— Mas que merda! É por isso que eu disse que o jogo é mais importante.

Felipe senta na poeira e olha para o tempo. Neto senta-se ao seu lado.

— Já sei! Neto, você tenta chegar lá na rodovia e volta quando arranjar carona.

— Por que eu? Vá você.

— Eu tenho que vigiar o carro.

— Eu posso muito bem fazer isso, também. — Silêncio. — Tenho uma ideia melhor: vamos nós dois.

O carro é trancado e os dois saem correndo pela estrada de terra. A poeira começa a subir. Faltavam apenas 20 minutos para o início do jogo. Os dois começavam a ficar desesperados. Não precisavam dizer nada um para o outro. O silêncio valia mais. Os segundos iam passando e a estreia do Brasil estava se aproximando a passos largos.

— Mas que merda! — Felipe para de correr. — Eu tô pensando aqui: quem vai ser o idiota que vai tá passando na rodovia na hora do jogo do Brasil.

— Talvez dois idiotas feito a gente — Neto gritou sem parar de correr.

Continuaram a correr. O carro estragado já estava longe da vista dos dois.

— Mas que merda! — Neto foi quem parou de correr dessa vez!

— O que foi?

— Se a gente pegar carona não vai dar pra eu passar em casa! Como é que o Brasil vai ganhar o jogo sem eu tá usando a minha cueca da sorte.

— Eu não acredito que você tem uma cueca da sorte.

— Tenho, uai! Como é que você achou que o Brasil ganhou a Copa de 94 e a de 2002. Foi a minha cueca que fez o Baggio errar aquele pênauti em 94.

— Ah! Mas agora eu já sei o porquê do Brasil ter perdido em 98 e em 2006. Se não fosse a sua cueca a gente já seria hexa ou heptacampeão.

Continuaram discutindo.

Um carro passou ao longe.

Correram. A garganta já estava seca, o pulmão já estava sem ar quando alcançaram o fusquinha de uma senhora de uns 60 anos.

— PISA FUNDO, VOVÓ.

Não conseguiram esperar mais. Entraram no primeiro barzinho à esquerda da estrada.

Goleada.

— Viu? O Brasil só ganhou porque você não tava usando sua cueca.

— Todo regra tem sua exceção.

Saíram sorrindo.

— Peraí, Neto. Você tem sua cueca desde 94?

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