sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A intimidade dos clientes

O cotidiano atrás do balcão. É isso que eu, Beto, me propus a contar quando eu comecei a escrever. E eu me lembrei de uma história numa época que eu trabalhei muito atrás de um balcão. Eu tinha 17 anos quando fui contratado para trabalhar numa locadora de filmes.

Isso foi há seis anos, então, ainda existia as fitas VHS, que estavam sendo substituídas pelos modernos DVD’s, que ficarão obsoletos com a chegada do Blue-Ray e... deixa pra lá!

Nessa locadora eu aprendi muito sobre várias pessoas: sobre vizinhos, clientes do restaurante do meu pai, sobre colegas de escola (eu ainda estudava, na época), conhecidos de vista e outros completamente inéditos.

Na locadora, as pessoas se revelam. Claro que alguns ainda disfarçam dizendo que aquele filme é pra irmã, pra mãe ou pra um amigo; a gente acredita. Mas, pelo comportamento da pessoa, dá pra saber se ela está mentindo.

Por exemplo, tinha um cara gigante, daqueles que a gente está acostumado a ver vestido de jaqueta de motoqueiro naqueles filmes de ação, que adorava pegar filmes de comédia romântica. Tipo Julia Roberts e Sandra Bullock. Esse, pelo menos, era sincero.

— Não! Esse eu não quero. Já assisti.

Eu também atendi uma mulher que sempre queria filmes que as mulheres apareciam... sem a parte de cima do vestuário.

— Quero ver os peito de fora. Senão, não tem graça.

— Senhora, temos...

— Senhora é o caramba.

— É... então... — eu gaguejava, — é... temos aquela sessão destinada ao público adulto.

— Eu não quero filme pornô, não, filhote! — Ela batia no meu rosto. Eu acho que era pra ser um carinho.

Era um porre tentar achar um filme pra essa mulher. Mas era por causa de clientes assim que eu podia levar uns cinco filmes pra casa. Por dia. Quando ela voltava lá eu já ia dizendo os filmes que... que... ela gostava.

E tinha uma senhorinha. Sempre as senhorinhas. Ela andava com a bolsa, o vestido e os sapatos combinados (geralmente rosas), com um prendedor no cabelo e um guarda-chuva. Ela gostava de filmes de guerra.

— Temos esse aqui, dona Amélia — eu mostrava. Não tinha gostado muito desse filme, mas... ela gostava de guerra, né?

— Não, esse eu não quero. Eu gosto de filmes que tenham muito sangue.

Ela dava ênfase na última palavra. Preferia procurar os filmes com as mulheres peladas pr’aquela outra do que procurar um filme que tenha corpos mutilados e cabeças decepadas pra dona Amélia.

Tinha ainda os adolescentes. Já apareceram garotos marrentos pegando filmes de desenho e de romance; meninas sérias que gostam de filmes diabólicos; e patricinhas que gostam de filmes de terror:

— Que tenham morte! — elas diziam, rindo.

E por último. Os solteirões. Talvez seja o pior tipo de cliente de uma locadora. Não tem esposa, filhos, nem mais nada de útil para fazer. Gostam de pegar muitos filmes de sacanagem.

— Um pornozão, aí, pra gente!

Era um constrangimento. Os caras traziam aqueles filmes que eu tinha até nojo de encostar: as capas todas emporcalhadas e mal-cheirosas. Com aqueles títulos luxuriosos, as imagens um pouco... assustadora, às vezes.

E sempre éramos obrigados a usar esses nomes numa conversa à toa.

— É da casa do Tiago? — eu liguei para um cliente, uma vez.

— Sim. É a mãe dele falando.

— Ele precisa devolver uns filmes aqui na locadora. Já estão com uma semana de atraso.

— Ah, é. Eu nem vi esses filmes. Vou procurar aqui em casa. Como que eles chamam?

— O nome? É... tem “Potranca trampolim”, é “Agachada e vai de costas” e... Esquece, eu ligo mais tarde.

Um dia, esse mesmo Tiago, um cara peludo de uns 40 anos, começou a gritar dentro da locadora indignado com a mudança de uma atriz.

— Assisti esse filme aqui e fiquei decepcionado com essa atriz. Não tinha nada nesse filme. A mulher ficou de roupa o tempo inteiro. Ela tinha que continuar fazendo os pornô, mesmo.

— Senhor, tem adolescentes na locadora.

Como se eu já não tivesse ouvido coisa pior nesse vida, né?

— Não apareceu nenhuma vezinha sem roupa. Nem a parte de cima. Que decepção!

E isso foi só o começo de mais um emprego que ainda vai render muita coisa.

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