"Sem o sopro de vida das narrativas historiográficas, as brasas que restaram do fogo das batalhas do passado, das fogueiras das vaidades ou das revoluções, e que jazem ainda crepitando mortiças sob as cinzas do tempo, fagulhas de esperanças, de projetos, de desejos, de sonhos, restos das chamas das paixões e das rebeliões humanas, não voltariam a brilhar, a crepitar, a queimar em nosso tempo, a nossa carne e a nossa consciência.
O historiador é a carpideira que, ao mesmo tempo, chora e louva os mortos, que num gesto de carinho para com os que se foram, os veste de novo para um ato inaugural, os fazem novamente vir para o centro da sala, para frente do cortejo, os fazem levantar a fronte e novamente falarem.
A história pode ser delicioso pão que alimenta nossas vaidades, nossa onipotência, nossos preconceitos, que explica e justifica nossas desigualdades e diferenças, mas pode ser também o licor amargo que tragamos para nos darmos conta de nossas veleidades, de nossos crimes, de nossas injustiças, de nossas ignomínias, de tudo que nos amarga a existência individual e coletiva.
Historiador, o cozinheiro do tempo, aquele que traz para nossos lábios a possibilidade de experimentarmos, mesmo que diferencialmente, os sabores, saberes e odores de outras gentes, de outros lugares, de outras formas de vida social e cultural.
O texto do historiador, como o objeto fabricado pelo artesão, exige muitas horas de trabalho, é um produto que exige um trabalho extensivo, mas que será adquirido por preços que estão muito longe de corresponder ao tempo gasto para sua produção.
Só fazendo da vida e da história uma arte é que seremos felizes."
O Tecelão dos Tempos: o historiador como artesão das temporalidades
Durval Muniz de Albuquerque Júnior
Nenhum comentário:
Postar um comentário