(Doraci tinha marcado um encontro com David. Precisavam ter uma conversa muito séria. O encontro era às 8 no sofá da sala).
DAVID: E então, Doraci... Tô aqui!
DORACI: Pois é...
DAVID: E... então?
DORACI: O que eu tenho pra te falar é uma coisa muito... delicada.
DAVID: (apreensivo) Doraci, não me diga que você... Não, Doraci! Eu não vou aguentar. Eu prefiro permanecer na ignorância. Não me conte dos seus casos extraconjugais. Eu junto as minhas coisas e...
DORACI: Eu não disse nada disso, David.
DAVID: Mas você disse que era delicado.
DORACI: Só por causa disso você acha que eu te traí.
DAVID: ... não sei. Mas o que é, então?
DORACI: É que... eu tô grávida.
(pausa)
(pausa)
DAVID: Como é que é? Eu não entendi direito!
DORACI: Eu tô grávida.
DAVID: Grávida “grávida”? Você tá esperando um bebê?
DORACI: Pelo menos eu acho que esse é o significado de estar grávida.
(David escorou na parede e sentou-se no sofá com a mão no peito).
DAVID: Ai, meu Pai! Eu não vou aguentar isso. Eu não tô passando bem, não. Não estava preparado pra receber uma notícia dessas assim, Doraci.
DORACI: Deixe de ser exagerado.
DAVID: Eu acho que minhas vistas estão escurecendo.
DORACI: Pare com o drama, David. Não vai ser você que vai passar nove meses carregando um bebê dentro de você. Não vai ser você que vai engordar 15 quilos e ainda ter que acordar todas as noites durante muitos meses pra dar de mamar ao nosso filho.
DAVID: Doraci, que falta de sensibilidade! Eu sou o homem dessa casa. Será mais uma boca para eu alimentar. Será uma pressão no trabalho: eu estou pensando seriamente em procurar outro emprego. Esse que eu estou não é suficiente para sustentar uma criança.
DORACI: Ai, Cristo! Nós vamos ter um bebê e não um hipopótamo de estimação!
DAVID: Berço, fraldas, mamadeiras, bicos, babás, carrinho, leite... E OS ESTUDOS DA CRIANÇA!
DORACI: David, nós não vamos pôr nosso filho na escola com dois dias de vida.
DAVID: Eu não aguento essa pressão.
(Toca a campainha).
DAVID: Não estou em condições de receber visitas, Doraci.
DORACI: Mas vai ter que estar. Eu acho que é a mamãe.
DAVID: DONA ESPERANÇA? Ah, não, Doraci! E ela já sabe...?
DORACI: Vamos dar a boa notícia agora.
(Doraci abriu a porta. Dona Esperança entrou e deu um abraço na filha. Fechou a cara quando viu o genro deitado no sofá).
ESPERANÇA: Depois eu falo que é um vagabundo e ainda acha ruim. (Vira-se para Doraci). E, então, minha filha: você me disse que tinha uma notícia para me dar!
DORACI: (sorrindo) Tenho! Eu estou grávida.
ESPERANÇA: (Abraçando a filha) AAAAAHHHH! QUE LINDO, MINHA FILHA! MEUS PARABÉNS! Que felicidade que eu estou.
DORACI: Que bom que a senhora ficou feliz.
ESPERANÇA: Mas você tá grávida de quem?
(pausa)
(pausa)
DORACI: Er... Como assim, mamãe?
ESPERANÇA: Ora! Quem é o pai da criança?
DAVID: Como assim, dona Esperança?
ESPERANÇA: Cala a boca aí! A conversa ainda não chegou na senzala.
DORACI: Mãe, que pergunta mais... sem cabimento! Como assim? O filho é do meu marido: do David!
ESPERANÇA: Oh, minha filha! Eu não devo ter te ensinado as coisas do jeito certo. Como é que você se deixa engravidar por um paspalho desses? O Carlos Henrique, um médico tão famoso, tá lá todo disponível e você se contenta com um operariozinho de meia pataca? Qual será a próxima vez que você poderá ficar grávida?
DAVID: Que que isso, dona Esperança? Oh, Doraci, eu não vou deixar a sua mãe ficar me esculachando na minha frente.
DORACI: É, mãe! O David tem razão. Eu escolhi o David...
ESPERANÇA: Escolheu errado! Você deve ter o dedo podre.
DORACI: Nossa, mamãe. Eu tô sentindo como se a senhora não se importasse com meus sentimentos.
ESPERANÇA: É claro que eu me importo com seus sentimentos. Você vai se sentir muito ruim quando estiver passando fome por causa da incompetência desse seu marido.
DAVID: Oh, dona Esperança, a senhora tá lembrada que eu tô aqui.
ESPERANÇA: É a mesma coisa de não ter ninguém.
DAVID: Olha, aqui. Eu não vou admitir que a senhora fale assim comigo, sua... sua velha.
ESPERANÇA: Velha é a senhora sua mãe. Quer dizer... se você tiver mãe, né. Deve ser filho d’uma parideira qualquer.
DAVID: O QUÊ? A senhora que não consegue admitir que a sua filha é muito mais feliz comigo do que ao seu lado.
ESPERANÇA: Mais feliz ao seu lado? Hahahaha! Não me faça rir! Você nem... comparece, né!
DAVID: Olha quem fala! Há quanto tempo a senhora tá aposentada? Se bem que eu acho que ninguém nunca conseguiu... satisfazer a senhora, né! Como um amigo meu diria: uma velha mal comida.
DORACI: CHEEEEEEEEEEEGA! CALEM A BOCA! Eu não preciso de nenhum de vocês. Eu vou criar o meu filho sozinha. Vou alugar um quarto numa pensão e não preciso da ajuda de nenhum de vocês. (Pega sua bolsa e sai).
ESPERANÇA: Viu o que você fez?
DAVID: Eu? O problema é seu.
ESPERANÇA: Agora vai lá consolar a sua esposa.
DAVID: Esse papel é seu. A senhora que é a mãe. (Pausa) Quer dizer... Pode deixar que eu vou.
ESPERANÇA: Não! Agora sou eu que vou lá.
DAVID: Eu faço questão de ir. A senhora pode ficar aí.
(Doraci volta).
DORACI: Vocês não ouviram? Eu não preciso de nenhum de vocês.
ESPERANÇA: Minha filha, desculpa, mas é que eu não consigo me segurar quando eu tô em frente a um paspalho.
DAVID: E eu não posso deixar que a sua mãe me trate como se eu fosse o gato dela.
ESPERANÇA: Não se compare a meu gatinho...
DORACI: Pode ir parando por aí. Eu achei melhor voltar pra vocês não se matarem.
DAVID: Você acha que eu vou sujar as minhas mãos...
ESPERANÇA: Eu tenho mais o que fazer...
DORACI: CHEGA! Daqui a pouco meu filho vai nascer prematuro.
ESPERANÇA: Vamo’ mudar de assunto, então? Eu tava pensando no nome do bebê: o que vocês acham de Heliodegário? Meu Helinho!
DAVID: Mas é que eu tava pensando...
DORACI: É melhor a gente deixar esse assunto pra outro dia...