sábado, 5 de dezembro de 2009

O frango e o gato

(David, Doraci, Juliano e dona Esperança, mãe de Doraci, estão sentados à mesa do jantar. Todos comem e conversam pouco.)

DAVID: (rindo) Depois que já passou a gente acha engraçado, né, Juliano?

JULIANO: Nem me fale. Tive um bocado de trabalho aquele dia.

(O silêncio voltou)

ESPERANÇA: (com sua voz esganiçada e crítica) Como está indo no seu trabalho, David? De que é que você trabalha mesmo? Empregado de uma fábrica?

DAVID: (entre dentes) Sim, dona Esperança. Eu sou empregado de uma fábrica. E estou ótimo no meu emprego. Obrigado por ter perguntado.

ESPERANÇA: (virando-se para Doraci) A propósito, minha filha. Você não acredita quem eu vi na semana passada! Eu fiquei surpresa de tê-lo visto. Aquele seu namoradinho… Carlos Henrique o nome dele. Ele está ótimo de vida. Trabalha num hospital em São Paulo e ele me disse que no mês que vem, vai para os Estados Unidos para uma conferência.

DORACI: Hum…

ESPERANÇA: Está solteiro ainda. Dá pra acreditar?!

DORACI: (sem graça) Que interessante…

ESPERANÇA: Um tipo bonitão daqueles. Forte, alto e rico. Principalmente, rico. Além de ser filho de quem é.

(Todos ficaram calados mais uma vez)

JULIANO: Nossa, Doraci! Esse frango está ótimo!

DORACI: Gostou mesmo, Juliano? Foi o David quem fez.

(Esperança se engasga e cospe um pouco de carne na mesa)

DAVID: (cochichando para Juliano) Com o próprio veneno.

ESPERANÇA: (dando um risinho) Eu acho que eu coloquei muito de uma vez. Engraçado, né! Parece que começou a me dar uma coceira. De repente.

DORACI: Mamãe, eu… eu acho que eu não posso mais adiar essa conversa.

ESPERANÇA: (sorrindo) Diga, minha filha. Eu te disse outras coisas quando você era criança, mas as coisas mudam, viu. Não se esqueça. Hoje em dia, eu já acho que o adultério é uma coisa permitida…

DORACI: MAMÃE!

ESPERANÇA: DORACI!

DORACI: MAMÃE!

ESPERANÇA: DORACI!

DAVID: DONA ESPERANÇA!

DORACI: DAVID!

DAVID: DORACI!

ESPERANÇA: DAVID!

DORACI: MAMÃE!

JULIANO: GATO!

DAVID, DORACI E ESPERANÇA: Quê?

JULIANO: GATO! O gato da dona Esperança tá pegando o peixe do David.

(Um Deus nos acuda para tirar o gato de dentro do aquário)

ESPERANÇA: (com o gato molhado debaixo do braço) Eu não sei onde eu estava com a cabeça quando resolvi aceitar o convite desse... desse... desse daí. Eu já estou de saída.

DORACI: Mamãe, espere! Precisamos terminar a nossa conversa!

ESPERANÇA: Outro dia, minha filha! E torça para o meu gato não morrer depois de ter bebido água desse depósito de bactérias que o seu marido chama de aquário.

(Saiu batendo a porta com muita força)

JULIANO: Será que eu posso terminar de comer meu frango?

Nenhum comentário: