sábado, 17 de março de 2012

Invasão



— Carminha! — uma voz grave me chamava. Sentia o seu hálito bem perto do meu rosto. — Acorda, Carminha!

Uma brisa fresca passou pelos meus cabelos jogados no chão e eu fui tentando focalizar alguma coisa com minhas pupilas dilatadas. O sol se erguia exatamente acima de mim.

— Carminha? Você tá acordando? — O rosto embaçado apareceu na minha frente e tampou o sol claro. Eu estava tonta e minhas mãos estavam sujas de areia. Areia?! Meu Deus!

Eu estava deitada na areia e a brisa fresca vinha do mar. Sentei-me e tentei me lembrar de como eu tinha chegado até ali. Ah, sei lá, não me interessa. Eu estava gostando. O dono da voz ajoelhou-se atrás de mim e começou a massagear minha nuca.

— Não é lindo? — ele disse. — Uma praia deserta só pra nós dois.

— É perfeito! Isso aqui é o paraí... cof, cof! Reynaldo Gianecchini?!

E ele abriu um sorriso largo iluminando o meu rosto. Eu estava numa ilha deserta com o Reynaldo Gianecchini? Procurei por alguma câmera: talvez fosse um novo reality show. Na verdade, não era. Era um sonho, mesmo. Ai, que maravilha! Deixa eu aproveitar, porque amanhã eu tenho que fazer feira, levar a Catarina no oftalmologista... Ah, Carminha, esqueça os seus problemas! Aproveite o sonho.

— É, Carminha, esqueça seus problemas e aproveite esse sonho.

— Você lê pensamentos? Não precisa me responder. Não importa agora.

Quando eu ia dar uma sugestão de passeio, ele me pegou no colo e correu comigo nos braços. Seus cabelos, de uma hora pra outra, estavam molhados e ele estava sem camisa. E de calça branca! O que é isso, meu Deus?

Eu estava curtindo o vento no meu rosto, os braços fortes me envolvendo quando outra pessoa apareceu na ilha. Ele estava de bermuda florida, camisa pólo azul, chinelo e seu rosto tava vermelho por causa do sol. O que esse turista alemão desgraçado tá fazendo no meu sonho? EU NÃO QUERO ELE AQUI!

— Que sem-vergonhice é essa, Carminha?

— Júlio?

— Coloca a minha mulher no chão, seu... seu... Reynaldo Gianecchini?

O Giane — já estava íntima — me pôs no chão.

— O que você está fazendo no meu sonho, Júlio? Será que eu não posso nem... nem... me divertir um pouquinho?

— Espere aí! Não se faça de vítima. Você anda sonhando com o Reynaldo Gianecchini desde quando?

— Como assim? Agora você vai querer comandar até os meus sonhos? Eu sonho com quem eu quiser.

— Isso é traição. Traição em pensamento. E se não for traição, é pecado.

— Pecado? Você virou religioso de uma hora pra outra, Júlio? E você também não é nem um santo: eu sei muito bem que você já andou sonhando com a Déborah Secco!

— Déborah Secco? Quem é essa, meu Deus?

— Não se faça de bobo! Eu sei que você esconde a Playboy dela dentro de uma caixa de sapato!

— Hum... Agosto de 99! O que era aquilo? — E ele ficou com aquela cara bobo dele. — Mas, Carminha, aquilo lá é outra época. Hoje ela tá tão sem graça. Tá um secura. Eu gosto é de carne pra apertar. Vem cá que eu vou te mostrar que eu sou melhor do que esse cara metido a galã.

— Você tá dizendo que eu tenho carnes pra apertar? Você tá dizendo que eu sou gorda? E o que você me diz dessa sua pança de cerveja? Meu Deus, agora eu entendo o que a mamãe disse sobre aquele negócio de príncipe que vira sapo.

— Isso acontece com todo homem. É inevitável!

— Ah, que ótimo! Os homens podem ficar com uma barriga imensa de chope enquanto as mulheres tem que continuar com tudo em cima. Eu amamentei três filhos seus, seu ingrato! Você acha que meu peito murchou porque meu silicone estourou? Eu não sou dessas mulheres montadas que você adora ver nas revistas.

— E eu não sou como esses homens montados que nem esse aí.

— Mas olhe: ele tem tanquinho. Eu nunca passei a mão num tanquinho. Quer dizer, já passei a mão no tanquinho pra lavar suas cuecas.

— Então, fique com ele mesmo. Ele gostava da Marília Gabriela, então talvez ele goste de você.

— Por acaso eu tenho a mesma idade que a Marília Gabriela? Sou muito mais jovem.

Ele riu.

— Se você diz... quem sou eu pra te contrariar.

— Júlio, eu vou...

Antes que eu fizesse alguma coisa, uma sirene me assustou: era um barulho insuportável que entrava no meu cérebro como uma abelha esquizofrênica. A ilha foi se desfazendo, o Júlio se desfez e o Giane...

— Não, Giane! Volta! Deixa eu passar a mão no seu tanquinho. Me liiiiiiiiiiiga!

O rádio-relógio tocava uma música insuportável e o Júlio continuava roncando do meu lado.

— Acorda, Júlio! — eu chamei dando um murro na sua barriga. — Só porque você me falou todas aquelas coisas, você é quem vai levar a Catarina no oftalmologista.

— Quê? Do que você tá falando?

— E NÃO SE FAÇA DE DESENTENDIDO!



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