Fui pra cama com
os pés descalços, o coração palpitante, as mãos inquietas e os olhos baixos
para não fitar nenhum dos meninos. Eram oito horas da noite quando todas as
luzes foram apagadas e todos os doze meninos alojados naquele quarto pegaram no
sono. Era a única vez no dia que eu tinha a oportunidade de ficar sozinho: só
eu e meus pensamentos. E, hoje, nós dois tínhamos muito que discutir.
A minha decisão
já tinha sido tomada há alguns dias; veio como um tiro certeiro no meu cérebro
e, mesmo depois de muito esforço, eu não consegui extrair aquele projétil daqui
de dentro. Pensei que talvez alguém pudesse me ajudar, mas, como eu já disse, aqui
dentro era impossível ficar um minuto sem ter ouvidos ao seu redor.
Pensei em falar
com um dos meninos, mas eu não nunca tive muitas amizades aqui dentro. Ernst era
uma pessoa muito agradável, mas ele nunca conseguiu deter a sua língua grande —
e isso já lhe rendeu diversas advertências e penitências; ao contrário de
Ernst, Hans era minimalista com suas palavras, mas se eu lhe dissesse sobre
meus desconfortos, ele provavelmente me daria uma grande lição de moral, e isso
não me reconfortaria; minha última opção era Tobias, um alemão de 18 anos muito
sutil em suas colocações, mas ele nunca estava desacompanhado.
Todas as
alternativas descartadas.
Num momento de
delírio, eu pensei que eu pudesse procurar aconselhamentos com um dos padres; algum
deles certamente me ouviria e ainda estaria sob o juramento sagrado de guardar
segredo. Eu pensei em diversos nomes, mas todas as vezes que eu me imaginava
ajoelhado ao lado do padre no confessionário, a cena terminava do mesmo jeito:
o padre se levantaria e gritaria aos quatro cantos que aquilo era um insulto à
Santa Igreja.
Eu me senti sozinho.
A única pessoa
que poderia me ajudar naquele momento, que me ouviria e tiraria aquela ideia
absurda da cabeça, estava agora dentro de um trem a caminho da Áustria. Ou,
pelo menos, era isso que tinham me dito. A Áustria agora parecia ser outro
mundo, outra dimensão.
Eu estava
sozinho.
A minha ideia
foi tomando conta do meu cérebro como um tumor maligno e já não era mais
possível removê-lo. Não havia ninguém para escutar-me, dar-me uma palavra de
apoio, dizer que eu estava errado e que tudo ficaria bem.
Ninguém sentiria
minha falta.
Esses
pensamentos foram comigo para a cama naquela noite. Mesmo que eu já tivesse me
acostumado com aquilo, dentro de mim ainda vibrava uma sensação estranha: não
conseguiria dizer se aquilo era agradável ou não; o meu peito se agitava de
medo e ansiedade. E a decisão tinha sido tomada.
Eram três e meia
da manhã e, daqui a pouco, todos estariam acordados se preparando para a primeira
meditação do dia antes do desjejum. Levantei-me vagarosamente, pisando leve no
assoalho de madeira, peguei uma vela, o terço de dez dezenas e uma foto
amarelada debaixo do meu travesseiro.
Com muito
cuidado, saí para o frio cortante da noite; eu estava apenas com uma camiseta
sem mangas e uma calça de moletom. O ar congelava quando saía pela minha boca.
Quando cheguei à
pedreira, a corrente do mar atingiu em cheio meus pulmões. Depois de chegar
ali, não podia mais hesitar; dei uma última olhada para as torres da igreja — o
sino lá em cima — e enrolei o terço na minha mão. Beijei a foto e coloquei-a
junto ao meu peito antes de pular para o abismo escuro que se abria debaixo de
mim.
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