— Ele faz isso só pra me implicar. Eu tenho cer-te-za!
— Calma, Gisele! — minha amiga me dizia. Eu detesto quando
alguém pede para eu me acalmar, quando, na verdade, eu quero é cometer um
assassinato. — Isso aí é coisa da sua cabeça. Essa sua paranoia não existia
quando vocês ainda namoravam!
— Essa paranoia não existia porque o Mateus ainda não tinha
comprado essa... essa... Como é que é o nome?
— Guitarra.
— Isso! Guitarra. Olha que barulheira! Eu não tô ouvindo a
minha própria voz. Parece que o prédio vai cair! Eu vou lá no apartamento dele
agora. Ah, mas vou mesmo. Você vem comigo?
— Não muito obrigada. Prefiro ficar aqui. Tô cansada desse
joguinho de gato e rato entre vocês dois.
Eu sempre estou sozinha mesmo.
Subi dois degraus de cada vez e bati na campainha do 802. Bati
de novo, mas o barulho da guitarra era demais. Resolvi chutar a porta. O som da
guitarra parou e Mateus apareceu na porta de bermuda e sem camisa. Aquela
bermuda eu tinha comprado no nosso 7º mês de namoro e aquele abdômen... O Mateus
tá malhando?
— E aí, Gisele? Tudo bem?
— Tudo bem uma ova!
— Que que aconteceu? Lembrou que tem mais alguma coisa que
você esqueceu aqui no meu apê? Calcinha, chaveiro ou marca-página? O que foi da
última vez, mesmo...? Ah, lembrei! Uma cartela de adesivos.
— Não. Dessa vez eu vim aqui pra... pra... Mateus, você pode
colocar uma camisa pra gente conversar?
— Não posso. Fala logo que eu preciso voltar pro ensaio.
— Então, vou ser rápida e direta: é justamente sobre esse
ensaio que eu vim falar com você. Esse barulho tá fazendo tremer o meu
apartamento e tá me atrapalhando a dormir, sabia?
— Não, não sabia. Mas... já que tá fazendo tremer o andar de baixo, porque você não vem pra esse andar. Tem um quarto vago aqui no
meu apê e a gente pode... conversar até tarde...
— Por que você está tão próximo? Mateus, você pode se
afastar de mim, por favor? Você... tá me encostando!
— Isso te incomoda?
Filho da mãe! Ele tava usando aquele perfume que tem cheiro
de homem.Como é mesmo o nome dele? Ah, não lembro. Era alguma coisa com Z. Sei
lá! E ele tava respirando no meu rosto. O hálito dele é uma coisa admirável.
Não é só porque eu faço odonto que eu fico reparando essas coisas, mas eu
admiro o Mateus por ele nunca ter fumado.
Peraí! Ele tá me pressionando contra a parede. É isso mesmo?
Gisele, Gisele! Não tenha uma recaída. Você está sendo forte. Já resistiu três
semanas sem o Mateus. Claro que durante essas três semanas já houve quatro
reaproximações com beijos e amassos. Ou foram cinco? A última foi na semana
passada.
— Não é que me incomoda, Mateus, mas... a gente... nós...
eu...
Ele tá me beijando? Meu Deus! Por que ele tá me beijando? E
por que eu tô retribuindo? Nossa, mas o Mateus beija bem! Eu tinha me esquecido
que... hum... Nossa, que pegada é essa que não existia até semana passada?
Minha cabeça tá girando, gente! Que loucura. Esse negócio de
fechar o olho não funciona muito bem comigo. Tenho labirintite. Peraí! Que
lugar é esse?
— Mateus, a gente tá no corredor!
— Prefere lá dentro?
— Quando é que você limpou esse apartamento pela última vez?
— Não se preocupe, a dona Rosa veio aqui ontem. Tá tudo em
ordem.
— E seu ensaio?
— Eu não tenho guitarra! É um CD que eu comprei no camelô.
— Mateus... Fique sabendo que essa será a última vez.
— As últimas vezes sempre foram as melhores.
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