sexta-feira, 4 de maio de 2012

Sob as luzes de Copacabana



Trecho do mais lindo conto de amor que eu já li na minha vida.

"Feliz 93 pra você! Foi o que ela disse, enquanto passava a mão no meu rosto, depois de me beijar suave e até demoradamente uma das faces. Os últimos fogos que espocavam na noite nublada engoliram o meu silêncio, Ela me deu as costas, acenou para alguém que estava a distância e eu a acompanhei com os olhos até que sumisse no meio de tanta gente que ia e vinha pela Atlântica. Desapareceu entre mães-de-santo, pagodeiros e caixas de isopor, formando a primeira imagem do ano: seu vestido branco e justo, seus sapatos na mão esquerda e, na direita, a garrafa de champanhe barato que ela pegou de mim assim que bebi o primeiro gole no gargalo.

Para você também, deusa, falei entre os dentes, quando ela já ia longe, para não haver a menor possibilidade de que ouvisse, como, aliás, nunca ouviu, soube ou desconfiou. Se ela chegava perto, eu parecia o aluno tímido da sala, o que geralmente se apaixona pela professora. Invadia-me aquela sensação de flutuar até o alto dos prédios sempre que ela aparecia, normalmente do nada, por trás de alguma pessoa, estacionando ao lado do meu carro, descendo do ônibus no ponto em que eu esperava. Esbarrava em mim sem querer, braço com braço, parava de costas à minha frente, conversando com alguém, e sabia que eu estava ali — absorvido pelo perfume dos cabelos — porque virava de repente e me perguntava algo, sobre fulano, se estive lá no lugar que ela falava, e a resposta empacava, nada saía, minha voz era tragada pela respiração suspensa. Cara estranho, parece que tem medo de mulher, ela deveria pensar. Ridículo, estúpido, eu pensava de mim.

Assim foi no réveillon. Eu olhava o final da cascata do Méridien e dava um gole de champanhe, o primeiro do ano, um monte de gente conhecida em volta se abraçando, dinheiro, saúde, felicidade, juízo, aquilo tudo, tapinhas em meus ombros, outras mãos na garrafa, e senti a mão pequena deslizar em meu peito, era ela, como de costume surgida do nada e trazendo todas as luzes de Copacabana nos olhos. Oi, o sorriso era maior que a praia, o que você está fazendo aqui? Era óbvio o que eu fazia ali, mas vá tentar responder às indagações da esfinge, mesmo as óbvias. Balbuciei algo no mínimo sem sentido e acabei entregando a garrafa em suas mãos, tentando engolir a bebida que, atrapalhado, deixei escorrer pelo canto da boca. E já que virei estátua, ela começou a conversar com os outros, até me beijar no rosto, desejar feliz ano novo e sumir, me deixando enredado numa teia de incapacidade. Merda! Mas nem para dizer pra você também, legal te ver, a gente se encontra esse ano. Era constrangedora a minha falta de talento para lidar com ela. Eu sou apaixonado por essa mulher, pensei alto. O quê? Um cara perguntou ao lado e eu nem sabia quem era. Eu sou apaixonado por essa mulher, porra! Gritei, com coragem, audácia. Metade desse ímpeto na cara dela e já resolveria. Tem de falar é pra ela, não é pra mim, não, argumentou o infeliz. Eu sei, bosta! Eu sei! Mais do que ninguém eu sabia."

Trecho do conto "Histórias de Amor (I)" do livro "A Solidão do Livro Emprestado", do jornalista André Giusti; livro que eu encontrei por acaso numa feira por um real. Uma das minhas melhores aquisições! Esse conto especialmente me trouxe lágrimas aos olhos enquanto eu viajava pela BR-365 às duas horas da tarde.

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