sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Tudo está conectado


De tempos em tempos, eu sinto necessidade de parar e refletir sobre o mundo que está ao meu redor; sobre o mundo que, de certa forma, fui eu que construí. Fui eu que fiz minhas escolhas; fui eu que defini meus gostos, meus amigos, meus inimigos. O mundo que nos cerca é definido por nós mesmos, mas, da mesma forma, ou ainda com mais intensidade, nós somos moldados por outros “mundos particulares” (ou “mundos subjetivos”). Só para começar, nós somos projeções dos nossos pais: acho que muitas pessoas não conseguem imaginar isso, mas nossos pais viveram muita coisa antes dos nossos nascimentos; Deus, o destino, os astros ou qualquer outra força superior que você acredite, mesclado às escolhas particulares desses dois indivíduos, fez com que eles se encontrassem. E assim foi com os pais dos nossos pais, e assim será com nossos filhos...

Nossas vidas só existem por causa desses encontros. Nossos pais namoraram outras pessoas, mas alguma coisa quis que aquele casal se juntasse. Se meu pai ou minha mãe tivessem decidido por se casar com outra pessoa, eu não existiria. Ou talvez existisse, mas eu não seria essa pessoa que sou hoje! Seria uma pessoa completamente diferente, que teria incorporado desejos, gostos, preconceitos e ambições de um mundo distinto do meu. Eu teria nascido em outro lugar e não teria encontrado as pessoas que estão ao meu redor. Incorporei a herança que eu trouxe dos meus pais para o meio social e fiz minhas escolhas: por causa do encontro deles, dos meus avós, bisavós... eu estou aqui pronto para fazer os meus encontros!

No fim, nossas vidas tem a estrutura que vem dos nossos pais, mas, mais superficialmente, são moldadas pelos nossos encontros. Temos relações com todo o mundo e esse contato com cada pessoa (o contato que aconteceu devido às minhas escolhas e às escolhas delas) é único e é uma peça a mais para o quebra-cabeça — ou a colcha de retalhos, se preferir — que forma nossa vida.

Cada dia que passa, eu tenho mais noção das energias que são transmitidas de uma pessoa para a outra. São energias que foram acumuladas durante as minhas tantas vivências e que serão transmitidas para quem estiver ao meu lado; para quem, de qualquer forma, tiver algum contato comigo. Essas palavras são apenas uma forma racional de transmitir algo que já estava impregnado no meu subconsciente: prova disso é que, desde muito tempo, eu penso que o aperto de mão, o abraço, o beijo, o sexo, o sorriso não são coisas banais. O contato físico só aumenta o grau das energias que são transmitidas sem barreiras entre os corpos.

E, de alguma forma maluca, acho que sinto uma necessidade imensa de não deixar que a minha chama, que as minhas energias se apaguem depois da minha morte. Sinto uma necessidade imensa de deixar marcas pelo mundo. Tenho medo de parecer vaidoso, mas fico pensando se os meus diários, minhas anotações ordinárias, meu bloco de notas estarão nas mãos de outras pessoas no futuro. O que as minhas palavras tão íntimas e pessoais significariam para alguém que nunca me viu? O que minhas palavras significariam para uma pessoa que viveu numa época diferente da minha e que tem medos e anseios diferentes? Me achará fútil ou concordará com minhas preocupações? Meu legado escrito, assim como o legado escrito, visual ou musical de tantos outros do passado — filósofos da Antiguidade, romancistas do século XIX, pinturas do Renascimento, esculturas barrocas, o rock dos anos 60, registros de batismo, cartas entre apaixonados, diários de bordo, documentos de Estado, filmes de família, álbuns de fotos, cadernos de receita —, é a prova de que existe vida após a morte.

O filme A Viagem , a obra mais pretensiosa que eu já vi em toda minha vida, fala justamente sobre isso: é um enredo que se passa em seis tempos diferentes — em três horas de exibição — e mostra que cada contato é um caminho com muitas possibilidades; que a morte é apenas mais uma porta que se abre; que cada crime ou ato generoso será um novo arranjo de peças no tabuleiro da nossa vida; e que os nossos sentimentos mais intensos — o amor, o desejo pela liberdade ou pela justiça — sobrevivem a nós mesmos, alterando a vida dos que ainda estão por vir.



Um comentário:

reinaldo disse...

Já estava com vontade de assistir ao filme, agora com esse comentário vou assistir amanhã mesmo. Ainda mais sendo aprovado por um critico de artes com você amigão. Um abraço Lucas....