Era terça-feira (dia de aula) e Lúcia acordou no mesmo horário de sempre. Ela estudava à tarde e precisava terminar alguns trabalhos que deixara inacabados na noite anterior.
Sua casa estava vazia. Todos estavam onde deveriam estar todas as manhãs.
Ligou uma música na sala enquanto juntava seus papéis e empilhava-os na mesa. Era muita coisa e Lúcia não tinha tempo de pensar em mais nada.
A música continuava na sala e ela não lhe dava mais atenção. Só tinha concentração para seus papéis. Estava tão absorta nos trabalhos que demorou a perceber que seu celular estava tocando. Olhou para a tela: Mateus. Era seu irmão. Ele estava na escola e provavelmente esquecera alguma coisa em casa.
— Alô!
Do outro lado da linha apenas silêncio. “Era um defeito no celular do Mateus. Já precisa trocá-lo”, ela pensou.
Voltou sua atenção para os papéis e o celular tocou novamente. Já esperava isso. O irmão precisava mesmo de alguma coisa em casa.
— Alô!
Silêncio.
— Mateus! — ela chamou. Mas ninguém respondia do outro lado da linha.
Ela desligou o celular. Estava começando a ficar intrigada com aquele silêncio. Dessa vez não parecia um defeito no celular do irmão. Alguma coisa estava acontecendo. Ainda tinha outra coisa lhe preocupava, lhe intrigava: o silêncio do outro lado era muito grande. Não tinha aquela zoeira dos alunos conversando…
Nem acabou de concluir seu pensamento e o celular tocou novamente. Parou de tocar antes que ela atendesse. Tocou de novo e ela não conseguia mais se concentrar.
— Alô! Quem tá falando? — Silêncio. — Isso não tem graça, viu, Mateus?
Do outro lado da linha não tinha mais silêncio. Era uma respiração cansada. O medo começou a lhe consumir. Do outro lado, o celular foi desligado.
Ela resolveu ligar para o irmão. O número indicado na tela do seu celular.
O primeiro toque foi ouvido. Não apenas pelo seu celular. A música do celular do irmão foi ouvida. Ela ficou completamente intacta. Sentada na cadeira, a música vinha do quarto do irmão.
A música parou e ela ouviu a respiração pelo seu celular. Ela desligou.
Demorou a perceber que ela não respirava. Seu corpo estava todo tenso. Ela não fez nenhum som quando virou de frente para o quarto do irmão… Seu celular tocou mais uma vez.
Mateus. Estava indicado no display.
Ela atendeu e a mesma respiração.
Ela andava lentamente pela casa ouvindo a respiração pelo celular e tentando distinguir algum som vindo do quarto do irmão aparentemente vazio.
A respiração parou. Lúcia desligou o celular.
Resolveu ligar para o pai. Percebeu que seus dedos tremiam quando ela tentava digitar o número. Uma vez… duas… três… O pai demorava a atender…
— Alô!
— Pai! Pai! Onde tá o Mateus?
— Uai! Na escola, né. Por quê?
— Eu liguei pro celular dele e dá pra ouvir o toque vindo do quarto dele.
— Lúcia, ele deve ter esquecido o celular em casa!
— Eu sei. O pior é que ele retorna a ligação.
A filha não sabia se conseguia passar para o pai o medo que estava sentindo.
— Vai lá no quarto dele e tira a dúvida. Não precisa se preocupar. Não tem nada de mais.
Lúcia continuava com o celular no ouvido, como se aquela ligação com o pai lhe desse mais coragem.
Ela foi andando vagarosamente.
— AAAAAAAAHHHHHHHHHH! — foi a única coisa que o pai ouviu antes que o telefone desligasse.
Ele ficou desesperado imaginando mil coisas escondidas naquele quarto vazio. Ele tremeu-se todo discando o número da filha.
— Alô! — Lúcia chorava.
— O que aconteceu, filha?
— É o palhaço do Mateus. Ele tava aqui no quarto me ligando. Idiota.
Todos respiraram aliviados.
Quando Lúcia entrou no quarto, Mateus estava deitado na cama, rindo do medo da irmã.
— AAAAAAAAHHHHHHHHHH!
— Calma! Eu só tava brincando.
— Idiota.
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