quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Ressacas do Carnaval

(Um braço forte está sobre o corpo de Doraci. Ela tenta acostumar os olhos com a claridade da manhã. Sua cabeça está martelando e seu cabelo está todo desgrenhado. Ela vira-se para o homem ao seu lado.)
DORACI: (balançando o braço.) David, David. Acorda! Aonde a gente tá?

(O homem levanta.)
HOMEM: Quem é David?

DORACI: Jesus amado! Quem é você?

HOMEM: Meu nome é Enrique, sou auxiliar…

DORACI: Não me interessa. O que você tá fazendo na minha cama?

ENRIQUE: Na verdade, você é que está na minha cama.

(Doraci olha para os lados e não reconhece o lugar.)
DORACI: Que lugar é esse?

(Enrique se levanta. Ele está só de cuecas.)
ENRIQUE: É o hotel do meu pai. Quando eu cheguei da farra ontem você tava aí. Não achei que teria problema passar a noite do seu lado. (Ele riu.) Ainda vou poder dizer para os meus amigos que passei a noite com uma mulher mais velha.

DORACI: Mais velha é a sua avó. Peraí! Amigos? Quantos anos você tem?

ENRIQUE: 17.

DORACI: Meu Deus do céu! (Ela se levanta.) Onde tá meu marido?

ENRIQUE: Você é casada? Então, não podia brincar com os meus sentimentos, poxa. Não podia me dar esperanças.

DORACI: Se eu te dei esperanças, eu estava fora de mim. Agora, me diga onde está meu marido.

ENRIQUE: Se for aquele que vomitou no corredor, ele tá no quarto no final do corredor.

(Doraci sai se equilibrando. Ainda está um pouco confusa, suas pernas ainda não obedecem com muita facilidade. Ela chega ao fim do corredor e abre a porta. David está abraçado com um homem.)
DORACI: David, que safadeza é essa?

(Os dois acordam. O outro na cama é Juliano, amigo de David.)
DORACI: Juliano?! O que você tá fazendo aqui?

DAVID: É mesmo. Bem que eu senti que a Doraci tava quente demais.

DORACI: AHN?

DAVID: Temperatura corporal, Doraci!

JULIANO: David, não é possível que você não se lembre. Dançamos até quase três horas da manhã. Você caiu no chão e eu te trouxe pra esse hotel.

DAVID: Ah! Eu nem reconheci o hotel. (Virou-se para Doraci.) E você, Doraci? Onde estava?

DORACI: Eu… eu… tava no quarto ao lado… Sozinha. É… eu acho que já tá na hora de irmos embora.

(Juliano e David se levantaram e os três foram andando cambaleantes.)
DAVID: Você sabe aonde tá o carro?

DORACI: Eu não sei nem onde eu tô, David!

JULIANO: Vocês deixaram há uns dez quilômetros daqui.

DAVID E DORACI: Dez quilômetros?!

JULIANO: É. Vocês vieram seguindo o bloco até cá embaixo. O carro tá há uns bons dez quilômetros
daqui, lá em cima da serra.

DAVID: Meu Deus do céu! Eu acho que eu nunca bebi tanto.

DORACI: Pior sou eu que nem sei como cheguei aqui.

(Já tinham andado pelo corredor, descido dois lances de escada e estavam na porta do hotel. Doraci viu que Enrique estava conversando com alguns adolescentes mais a frente. Ela empurrou David e Juliano para a direção oposta.)
JULIANO: Eu acho bom a gente pegar um táxi.

DAVID: Meu Deus! Dez quilômetros?

JULIANO: Não sei se a gente consegue achar algum depois de uma noite de carnaval, mas… Tudo pode acontecer. Ou talvez vocês prefiram subir a serra…

DAVID E DORACI: NÃÃO!

JULIANO: Tudo bem, então!

DAVID: Dez quilômetros? Eu acho que tinha alguma coisa a mais naquela bebida que eu tomei.

DORACI: O pior é que talvez a essa hora o carro nem esteja lá. Na verdade, talvez a gente nem se lembre
onde o carro ficou. É isso que dá deixar o carro pra ir farrear.

DAVID: Você queria que viéssemos de carro, seguindo o trio elétrico. Nem sei se o carro sairia ileso.

JULIANO: Doraci, eu acho que aqueles garotos estão olhando pra você?

(Doraci olha para o lado e vê Enrique com mais cinco adolescentes.)
DORACI: Imagina… Impressão sua.

DAVID: Até agora eu consigo ouvir o Rebolation.

JULIANO: Olha um táxi.

(Os três entram no carro. O carro é pequeno e os três ficam espremidos no banco de trás.)
JULIANO: David, onde você deixou o carro exatamente?

DAVID: Sei lá. Eu lembro que tinha um banco perto do hotel.

TAXISTA: Tem mais de vinte bancos na cidade, homem.

DORACI: Tinha uma… uma loja de souvenirs. Vendia canecas com o nome da cidade.

TAXISTA: Oh, mulher! Tem um mundaréu dessa vendinha na cidade. Você tá numa cidade turística.

JULIANO: Mas já diminuímos nosso campo de pesquisa. Perto de um banco e de uma lojinha de souvenirs. Ah! É logo onde começou o trio que tocava o Rebolation.

TAXISTA: Num sei não…

JULIANO: Toca pra frente, que depois a gente vê.

(O taxista ligou o carro e subiu a serra. O calor era insuportável misturado com a dor de cabeça da ressaca, o mau hálito da ressaca e do rosto inchado de uma noite mal dormida. David sentiu alguma coisa.)
DAVID: Juliano?

JULIANO: Fala.

DAVID: Você sabe onde eu deixei minha cueca.

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