Katherine havia levado um livro para o jantar, e logo notou os olhos do homenzinho fixos sobre ele com uma espécie de brilho maravilhado.
— Vejo, madame, que a senhora tem aí um roman policier. Gosta desse tipo de coisa?
— Divertem-me — Katherine admitiu.
O homenzinho balançou a cabeça com um ar de compreensão total.
— Vendem bem sempre, pelo que me disseram. Por que será, hein, mademoiselle? Pergunto-lhe como um estudioso da natureza humana. Por quê?
Katherine sentia-se cada vez mais encantada.
— Talvez deem a quem os lê a ilusão de viver uma vida excitante — ela sugeriu.
Ele acenou a cabeça com gravidade.
— Sim, pode ser.
— É claro, sabe-se que tais coisas não acontecem de verdade — Katherine ia continuar, mas ele a interrompeu bruscamente.
— Às vezes, mademoiselle! Às vezes! Eu lhe digo... Aconteceram comigo.
Ela lançou-lhe um olhar rápido e interessado.
— Algum dia, quem sabe, a senhora esteja no meio de alguma aventura — ele prosseguiu. — É tudo obra do acaso.
— Não creio que seja provável — disse Katherine —, essas coisas não acontecem comigo.
Ele se inclinou para ela.
— Gostaria que acontecessem?
A pergunta a assustou, e ela segurou a respiração.
— Talvez seja fantasia de minha parte — disse o homenzinho, enquanto polia com destreza um dos garfos —, mas acho que mademoiselle tem em si um desejo ardente por acontecimentos interessantes. Eh bien, mademoiselle, ao longo de toda minha vida tenho observado uma coisa: “O que alguém quer, consegue!” Quem sabe? — sua face retorceu-se comicamente. — Pode conseguir mais do que espera.
— É uma profecia? — perguntou Katherine, sorrindo enquanto se retirava da mesa.
O homenzinho balançou a cabeça e declarou, pomposo:
— Nunca faço profecias. É verdade que tenho o hábito de estar sempre certo, mas não me gabo disso. Boa noite, mademoiselle, e durma bem.
[Diálogo entre Katherine Grey e Hercule Poirot em “O Mistério do Trem Azul” de Agatha Christie.]
2 comentários:
Ahhh... Nunca consegui ler um livro da Agatha. Eu tinha uma edição de luxo de 'Treze à Mesa', mas não sei o que não me agrada. Talvez essa linguagem meio 'chic' e talvez os nomes difíceis que não lembro depois... Mas todo mundo fala tão bem dela que fico tentada a tentar um outro título.
muito interessante... ela estava se queixando de nao viver aventuras, e na verdade ela mesma estava num romance de agatha. afinal, não estamos todos nós vivendo um grande teatro? seja triste ou seja alegre, quem assiste gosta.
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