terça-feira, 31 de maio de 2011

Cena do crime

Trecho do meu romance [ainda] não publicado "Os Segredos de Constantine Ville".


"Eu ainda estava muito longe da hospedaria e a chuvinha fina caía sobre as ruas de terra de Constantine Ville. (...)


Continuei andando pelas vielas mal iluminadas. A névoa que pairava sobre o chão piorava a minha visão que já estava comprometida por causa da chuva que embaçava meus óculos.


Eu comecei a sentir muito frio e cruzei os meus braços sobre o peito para me aquecer. Ouvi um barulho de passos atrás de mim. Virei-me.


Só vi a neblina entre os prédios de madeira e ouvi os insetos noturnos.


Continuei andando. Estava numa ruela que era cercada de prédios grandes e que impedia a luz da lua de me guiar. De passos em passos eu olhava para trás para me certificar de que ninguém me seguia. Não sei o que provocou essa minha repentina mania de perseguição! Talvez fosse aquela sensação de sufocamento entre aqueles prédios altos e decrépitos.



Parei com outro barulho. Olhei para trás. Vi uma sombra se afastando para dentro de um beco. Respirei fundo e criei coragem para investigar, mas logo um gato preto apareceu como que para mostrar quem era o dono da sombra.


Voltei-me para meu caminho. Vi uma silhueta entre a névoa.
Eu só conseguia ver o corpo coberto de sombras. Era grande, tinha ombros largos e braços compridos. Estava com as pernas entreabertas e os braços postos pronto para uma luta. Eu conseguia perceber sua respiração ofegante, sua raiva saindo de suas narinas.


Começou a andar em minha direção. Seus pés pisavam forte no barro da rua. Minhas pernas tremiam de medo e excitamento e eu não consegui me mover um centímetro se quer. Tinha a estranha sensação de que me coração tremia junto com o resto do meu corpo e a adrenalina, como uma droga, corria pelo meu sangue no ritmo acelerado dos meus batimentos.


Num espaço entre os prédios, onde a luz da lua alcançava o chão eu consegui ver o rosto de Bob. Ele estava sujo de barro e sangue e seus olhos me olhavam com ódio puro.


Sem a minha vontade, os meus olhos se encheram de lágrimas de medo.


— Assassino — ele começou baixo, soltando mais ar do que som. — Assassino! Seu assassino desgraçado. — Ele já estava gritando. — Seu desgraçado.


Não conseguia entender o porquê daquele ódio tão grande que Bob sentia pelo meu irmão. Sim, pois, com certeza, ele estava falando de Simon. (...)


— Bob, você está sendo precipitado...


— Cale essa sua boca imunda!


— Eu não sou quem você está pensando.


— Barker, eu já te disse que você pode enganar todos dessa cidade. Menos a mim.


Eu me afastei alguns passos e a luz também alcançava meu rosto. Era como num palco escuro e os holofotes nos dois protagonistas.


— Eu nunca vou esquecer-me do que você fez à minha família.


— Eu sinceramente não sei...


— Você matou a minha irmã! — Ele gritou. — Você matou a minha irmã e vem com essa sua inocência ensaiada para tentar me enrolar. Você é um grande filho da puta. E depois da minha irmã, o meu pai acabou morrendo. Morrendo de tristeza. Ele acabou como se estivesse apodrecendo, secando dia após dia. — Ele riu irônico. — Dessa você não sabia, não é, Barker? O Dr. Harrison morreu.


Dr. Harrison? Eu me lembro desse nome. (...)


— E eu te esperei durante todos esses anos para te ver de novo. E torci para que você voltasse bem para que eu pudesse desfrutar até a última gota da minha doce vingança.


— Nós precisamos conversar com calma, Bob. Eu não sou o Simon. Meu nome é David. Eu sou o irmão do Simon.


— Pare! — ele gritou. — Economize suas mentiras para quem ainda acredita em você.


— Eu estou te dizendo...


— Você só trouxe infelicidade pra todos desde quando você colocou os pés aqui. Você não merece viver. E eu serei o justiceiro. Eu vou acabar com você e com o seu cúmplice!


— Cúmplice? Eu não estou entendendo...


Ele abriu um longo sorriso e ouviu-se um tiro. Eu senti o impacto do tiro e o forte cheiro de pólvora. Meu coração parara de bater.


Eu olhei pra frente e Bob estava com as mãos vazias e com uma expressão de incompreensão no seu rosto. Aquele sorriso tinha se esvaído junto com o barulho do disparo. Sangue jorrava de um buraco no seu peito.


Eu tremia incontrolavelmente.


— Bob — eu murmurei com dificuldade.


Mais dois disparos seguidos. Meu corpo tinha ficado paralisado com o barulho ecoando por aquele corredor de prédios. Meus ouvidos estavam praticamente surdos e meus olhos quase não enxergavam com chuva, névoa, suor e lágrimas.


E Bob caiu ajoelhado diante de mim, com os braços abertos e com a boca escancarada procurando por ar. Ele cuspiu sangue e caiu com o rosto na terra molhada.


Eu olhei na direção de onde tinha vindo os disparos e vi alguém. Uma pessoa no meio das sombras com chapéu e capa pretos. Dava pra ver a arma na sua mão direita. Saía fumaça.


O meu primeiro instinto — e eu tive certeza de que a minha razão não controlava os meus instintos — foi correr em direção ao autor do disparo. Ele sumiu por uma esquina e as minhas pernas foram correndo desobedecendo aos meus desejos.


Era como se eu estivesse num sonho. As imagens passando no meu lado, borradas, e eu seguindo um assassino.


Fui seguindo os passos daquela criatura desconhecida. A sua capa preta era sempre a primeira coisa que eu via quando ele dobrava por uma esquina. (...)


Naquela corrida alucinada eu tropecei numa pedra e caí com o rosto no barro. Tive algumas escoriações no braço e no joelho, mas naquela hora eu não percebi nada. Eu estava num estado de torpor. Fiquei ali, jogado no chão, com a roupa suja e com os nervos em frangalhos.
Vi o dono da capa virar mais uma esquina, mas eu não consegui me mover.


Depois de um tempo, consegui respirar fundo e me levantar. Precisava voltar para Bob. Ele precisava de ajuda médica. Independente da sua obsessão em me matar, eu era um médico e a ajuda a um necessitado vinha antes de tudo.


Segui pelo caminho tortuoso de casas e prédios até chegar perto de onde Bob estava debruçado. Ouvi um burburinho e me escondi atrás de uma casa para observar.


Havia alguns homens reunidos em volta do corpo de Bob. (...)


Eu ouvi um fragmento de conversa:


— Ele está morto, mesmo.


— E ele estava procurando pelo Barker... — Havia uma insinuação nessa frase.


Meu Deus! Eu seria muito ingênuo se pensasse que o povo de Constantine Ville não atribuiria o assassinato de Bob a mim.


Eu precisava de um álibi."

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