domingo, 29 de julho de 2012

Último suspiro


Me tire daqui. Não quero mais continuar nesse lugar, limitado por essas quatro paredes brancas, dentro desse corpo. Quero deixar que os sonhos me guiem pelo asfalto sujo; não quero caminhos pré-definidos e vou deixar que minhas sandálias gastas apenas... sigam. Quero me perder por uma estrada sem-fim antes que eu me perca dentro de mim; quero que meus olhos vejam mais do que as rachaduras na parede ou as teias de aranha no teto; quero você no meu lado. Já estou na beira de um precipício desenhado dentro da minha cabeça; e ele me puxa. Forte. Essa é uma última tentativa de clamar por ajuda: tudo isso aqui é como um pesadelo que me ata à cama e prende o meu grito na garganta. Segure minha mão. Me segure firme e me tire daqui. Me liberte dessas correntes invisíveis e me leve para o seu mundo cheio de cor, texturas, violino e sorriso. Me ajude a voar antes que eu desista de aprender e salte sozinho para dentro do abismo. 

terça-feira, 24 de julho de 2012

Experiências e reflexões sobre Avenida Brasil



Umas semanas atrás eu entrei num desses botecos de esquina onde a clientela é exclusivamente masculina. O dono do bar, um nordestino de uns 70 anos, conversava animadamente com um homem moreno; a conversa parecia agradável: os dois riam alto e gesticulavam muito. Estiquei o ouvido para escutar: um narrava para o outro uma briga entre Max e Jorginho em Avenida Brasil.

Voltei pra casa sorrindo e pensando se aquela cena seria imaginável há 20 anos. Hoje, as novelas tornaram-se entretenimento de todos: não existe mais o futebol do patrão e a novela da dona-de-casa. Milhões de pessoas se sentam na frente da televisão para ver a infinita guerra entre mocinhos e vilões. Mas Avenida Brasil vai muito além disso.

A quarta novela em que João Emanuel Carneiro é o autor titular tem uma vilã carismática, uma mocinha que age fora dos padrões do politicamente correto, um herói ingênuo, um homem com três mulheres, além de uma série de outros personagens de caráter duvidoso. Mas nada disso é questionado pelo público: só queremos ver as peças de movendo no tabuleiro e torcer pelo amor ou pela vingança.

Nas duas últimas semanas (desde que Nina jogou uma jarra de suco em Carminha e o Max descobriu quem era a Rita) Avenida Brasil tem enlouquecido o público: as redes sociais estão lotadas de fotos congeladas e opiniões diversas sobre as ações das protagonistas. O tão aguardado capítulo 100 (que foi ao ar na última quinta-feira) valeu a pena.



Entre a minha família não se fala em outra coisa. É preciso conhecê-los para entender que o nosso assunto favorito é televisão. Nas reuniões de família as discussões são animadas e é preciso um pouco de juízo para que tudo não se transforme em briga. Nos nossos almoços é obrigatório que façamos uma análise da trama: desde “a vingança compensa?” até temas mais leves como a sexualidade do Roni ou a traição da Olenka. Tentamos descobrir os próximos acontecimentos e narramos com riqueza de detalhes (cenários, roupas e diálogos) as nossas cenas preferidas. E se alguém perdeu algum capítulo... o site da Globo tem todos os vídeos disponíveis.

É claro que Cheias de Charme e Gabriela também rendem boas conversas pela internet, nas mesas de lanchonetes ou dentro dos ônibus, mas Avenida Brasil é o que podemos chamar de fenômeno. Antes dela poucas outras fizeram tanto estardalhaço (talvez porque as redes sociais ainda não tinham tanto público): lembro-me de O Clone, Senhora do Destino e A Favorita (essa última também do João Emanuel).

Interessante que todas essas histórias conquistaram o público principalmente pelas paixões reprimidas do povo: amores proibidos e sede de vingança. Quando nos falta coragem, os personagens da ficção são os responsáveis por satisfazer nossos desejos. Por isso que as cenas onde a mocinha estapeia a vilã (Celebridade, Senhora do Destino, Caminho das Índias, Avenida Brasil) fazem tanto sucesso.

Avenida Brasil ainda tem muitos capítulos pela frente e, pelas minhas reflexões e previsões, a novela ainda terá outra virada espetacular como a da última semana: comprarei um desfibrilador pela internet. João Emanuel Carneiro consolida seu lugar na Rede Globo como a galinha dos ovos de ouro e Avenida Brasil já é a favorita (trocadilho infame) de muita gente. Os anunciantes riem de satisfação e Aguinaldo Silva chora de inveja.

sábado, 21 de julho de 2012

Saindo do armário


Steven Carter  subiu ao palco para receber um prêmio por um artigo que escreveu sobre a juventude na sua cidade. Decidiu fazer um discurso:


“Eu estou muito orgulhoso... Eu estou muito... feliz por ter... vencido pela escola. Mas... hum... Sinto-me como um fracassado. Sabem, eu escrevi sobre como deve ser crescer para muitos de vocês, mas... há outro artigo que foi escrito e incluído no jornal da escola, mas foi... censurado porque era sobre um jovem garoto que... é gay. [Pausa] Eu... eu escrevi aquele artigo. Gostaria que o tivessem lido, assim poderiam entender. [Para si mesmo:] É tão difícil... [Para o público] Sinto-me cansado de estar completamente sozinho. Queria ter amigos que... que... que gostem de mim pelo que eu sou de verdade. Gostaria de ser parte de uma família que me ame pelo que eu sou e não... por alguém que eu finjo ser para poder manter o amor deles. Estou cansado de me esconder, de estar deprimido e... com medo. Vocês têm noção?! Deve ter mais alguém que se sente assim, como eu: fechado para dizer o que tem vontade. [Pausa]. Bem, obrigado por aprovarem meu artigo. Eu sou... eu sou gay [suspira aliviado]. Desculpa, mãe, pai: vocês podem apostar que vocês não são os únicos pais por aí que tem um filho gay. É só amor! Com que as pessoas se assustam? Obrigado por me ouvirem.”


Cena do filme "Saindo do Armário" (Get Real!, 1998), de Simon Shore. Foto do ator Ben Silverstone no momento do discurso. Queria poder falar mais da carga dramática da cena, mas não quero entregar spoilers do filme. 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

50%


Eu não me contento mais com 50% de você. Talvez você seja mais otimista e consiga enxergar o copo meio cheio; mas eu já sou mais dramático e quero mais do que metade de você.

Queria poder te encontrar nos corredores da faculdade, estudando na biblioteca, ir com você no cinema assistir a um filme chato numa sessão de terça-feira à tarde, ir ao McDonalds de madrugada.

Queria ver seu quarto bagunçado, deitar na sua cama e conversar sobre o melhor tipo de colchão, ver o livro que você tá lendo jogado em algum canto e ver você concentrado num texto sobre semiologia enquanto eu insisto em falar sobre o capítulo de ontem de alguma novela.

Queria ver os arranhões do seu celular (sim, porque todo celular tem arranhões), que música toca quando você recebe uma mensagem, entrar na internet e torrar seus créditos, ver como você escreveria o meu nome na sua lista de contatos.

Saber o nome do seu perfume não tem muita graça: o bom é sentir durante um abraço; perceber qual o shampoo que você usa, se usa creme para as mãos (urgh!), se rói as unhas e como penteia seus cabelos.

E ouvir a sua voz. O som da sua voz.

Metade de você já não me satisfaz. Mas tudo acontecerá naturalmente. Eu já aprendi que o inesperado, o não-planejado é muito mais divertido. 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Sem lágrimas



Seu sorriso era encantadoramente iluminado; os lábios bem desenhados se abriam de um canto ao outro e aquele rosto era o mais belo que eu já tinha visto. Seus gestos eram leves e de longe eu ouvia a espontaneidade na sua voz. Não conseguia tirar os olhos dela: ela era a personificação de um sonho de primavera. Esperava ver um rosto como aquele na tela grande do cinema e não atrás de um balcão. Ela era eficiente e isso emanava da sua pele.

Eu precisava me aproximar; queria ver o seu cheiro e por sorte talvez sentisse o seu toque macio.

Ela sorriu pra mim como tinha feito com todos os clientes anteriores; eu tive que me controlar para não me afogar no azul profundo dos seus olhos. Fiquei sem ar e me senti sendo transportado para dentro de seus pensamentos. Seu sorriso era encantadoramente iluminado, mas seus olhos gritavam socorro; no fundo eu ouvia suas vozes me pedindo ajuda. Era uma voz tão tênue, contida, tímida...

Senti-me transportado para um mundo cinza dentro da mente daquela musa. Eu via através dos olhos dela e, ao mesmo tempo, podia observá-la de longe. No fim do expediente ela arrumava o cabelo na frente do espelho e se despia do sorriso. Colocava um agasalho e saia pelos fundos. As mãos no bolso do sobretudo e o barulho dos sapatos pelo asfalto cinza.

Os jovens passavam sorridentes ao seu lado como um borrão e ela sonhava com seu passado. Seu coração batia forte quando via um casal apaixonado de mãos dadas.

Um tremor percorreu sua espinha e chegou até os dedos da sua mão direita quando ouviu uma música num rádio. Só o arrepio; sem lágrimas. Não havia mais pelo que chorar.

Voltei para aquele momento onde eu observava seus olhos e tentava descobrir seus segredos; ela com seu sorriso ensaiado e eu com o coração batendo rápido de vergonha por ter invadido sua privacidade.

— Precisa de mais alguma coisa? — ela me perguntou.

Eu queria ter feito a mesma pergunta a ela. Se ela respondesse com um não, eu insistiria até ela admitir que só queria um abraço, uma palavra de carinho, alguém para fazer-lhe companhia debaixo dos cobertores.

Fiquei com uma cara infantil mergulhado em seus segredos e respondi que já estava satisfeito. Eu queria ter coragem para consolá-la, para dizer que ela não é a única que sofre por amor nesse mundo inteiro, mas... sou tímido demais pra isso.

Fui para casa esperando que ela me perdoasse pela minha timidez.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Eu não quero muita coisa.


Não preciso de dinheiro, presente caro, carrão me buscando na porta de casa. Só quero uma pessoa pra dividir momentos da minha vida; alguém com quem eu possa compartilhar os meus sonhos, os meus planos, a minha cama, a minha rotina.

Eu só quero ter alguém com quem conversar; uma pessoa que me faça sorrir e que ria das minhas piadas — ou me diga que elas são ruins. Saber que, se o mundo age contra mim, eu tenho alguém me esperando com uma palavra de tranquilidade. E eu também quero ser o porto seguro quando necessário.

Quero alguém com personalidade, que me abrace forte sem vergonha, que me xingue quando precisar, que grite comigo quando eu não quiser ouvir, que me ouça quando eu quiser falar.

Quero alguém que não se esconda atrás de máscaras, que apareça pra mim despida de qualquer proteção; quero alguém com quem eu possa abaixar a guarda, falar errado, mostrar minhas fragilidades.

Quero alguém que sorria ao me ver e que se levante e segure minha mão. Segure firme na minha mão e não solte! Não largue a minha mão. Só quero andar de mãos dadas. Só.

Tomara que não seja pedir demais.