quinta-feira, 26 de novembro de 2009

A brisa da liberdade

Quando eu fui trabalhar atrás de um balcão eu não esperava que fosse tão difícil. Mas eu não pensava que trabalhar em outras áreas de um supermercado poderia ser tão estressante.

Quando somos empregados, devemos fazer o que o patrão fizer, e eu, Beto, sempre tive que “quebrar uns galhos” para o meu patrão do supermercado que eu trabalhava há 6 anos atrás.

Num dia que eu já não aguentava mais olhar para a cara de nenhum cliente que aparecesse na minha frente, num sábado quente e modorrento, uma senhora de seus 82 anos ligou para o supermercado:

— Tem como vocês mandarem umas coisinhas aqui pra mim? — ela perguntou e foi dizendo o que queria.

Eu tentava interrompê-la para lhe explicar que o moto-boy já tinha ido embora, mas ela não dava chance.

—… um pacote de batata palha, três latinhas de milho verde e quatro de ervilha.

Eu desliguei o telefone sem ter tido a oportunidade de explicar para a senhora o que acontecera. Contei toda a história para o patrão e não deu outra:

— Você ainda está aqui. Você pode fazer a entrega. Mas vai rápido para não dar problema pro meu lado.

Ele me entregou a chave da moto. No alto dos meus 17 anos, eu fiquei excitadíssimo com a chance de
pilotar uma moto. Fiquei até um pouco mais feliz e mais esperto com o acontecido.

Coloquei tudo no compartimento que fica na garupa da motocicleta e subi. O vento entrava pelo meu capacete aberto e eu sentia o aroma da liberdade.

Entreguei as sacolas para a senhora com um sorriso estampado, até que…

— Você pode me fazer um favor?

Pela idade da mulher, pensei que fosse alguma coisa como, carregar um sofá ou mudar a televisão de lugar.

— Claro. O que é?

— O coelho da minha vizinha entrou no meu quintal. Ela está viajando, e eu não posso cuidar desse bichinho. Você poderia pegar ele e colocar na casa ao lado?

Eu já tinha dito que sim, por isso não pude dizer não. Mas por dentro eu tremia de medo. Não sei direito de onde veio o meu trauma por coelhos; talvez pela vez que um desses bichos de olhos vermelhos me mordeu, ou pela vez que eu vi um coelhinho da Páscoa brigando no shopping com uma cenoura; Não sei. O fato é que eu tremia na base de ouvir falar nisso.

O bicho gordo, marrom e peludo estava no fundo do quintal. Mas eu não me deixava levar por essa aparência de bonzinho.

Torci para a velhinha voltar para dentro de casa, mas ela continuava me olhando.

Eu me aproximei vagarosamente, tentando segurar o animal, mas aquele pelo macio e asqueroso passava entre os meus dedos.

Foram uns quinze minutos de luta silenciosa. A velhinha já estava escorada na parede me esperando.

— Olha já ta ficando tarde… Você pode deixar isso. Meu bisneto vai chegar daqui há uns minutinhos.

Fiquei roxo de vergonha. A velhinha deve ter se segurado para não rir da minha tamanha frouxidão.

Dei um sorriso e saí com o rosto fogueando. Ela achava que o bisneto dela, de uns 12 anos talvez fosse mais valente que eu. Mas fazer o que, né? Subi na moto e deixei que o “aroma da liberdade” esfriasse o meu rosto humilhantemente corado.

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