terça-feira, 26 de janeiro de 2010

A senhora da bolsinha bege e do gato branco

Conheci-a quando eu tinha 19 anos, fazia faculdade e trabalhava num supermercado perto de casa. Dona Regina talvez seja uma das pessoas mais inesquecíveis da época que eu trabalhei atrás de um balcão.

Se eu falasse mal da dona Regina para alguém que não a conhecesse, pensariam que eu era muito insensível por xingar uma velhinha aparentemente tão doce e bondosa. Ela tinha os cabelos brancos sempre bem arrumados, óculos de armação bem colorida e o que mais caracteriza uma senhorinha simpática: as bochechas rosadas. Ela sempre andava com aquela bolsinha bege e o seu gato branco nos braços.

Dona Regina apenas aparentava ser meiga e afetuosa. Aparentava. Porque aquela mulher é do tipo que dorme com um olho aberto e outro fechado e que está sempre pronta para dar o bote. Uma mistura de raposa e cascavel.

Eu sempre ficava sabendo das notícias do bairro pela boca da dona Regina.

— Beto, você viu o que aconteceu com a namorada do Henrique da rua de cima?

Algumas notícias não passavam de acontecimentos inúteis, outras eram apenas fofocas, invenções. E as que todos do bairro comentavam, era a que dona Regina mais gostava; algumas pessoas repreendiam-na pelo seu dom “jornalístico”, mas, quando todos comentavam sobre um assunto, era a desculpa perfeita para dona Regina fazer o que mais gostava.

E quando ela não sabia o que estava acontecendo era pior ainda. Eu acho que todo o seu corpo se coçava e ela não conseguia ficar quieta. Chegava correndo no supermercado — não queria comprar nada — e ia perguntando, sem rodeios.

— Você sabe o que exatamente aconteceu com o filho da dona Margarida?

Eu sabia exatamente o que tinha acontecido com o filho da dona Margarida.

— Não, dona Regina — eu respondi. — Eu só ouço o povo comentando.

— E o que o povo anda comentando?

— Que ele foi preso, né? — Isso todo mundo sabia.

— Isso todo mundo sabe, Beto! Eu quero saber se ele foi pego com drogas?

Como é que ela fica sabendo dessas coisas, eu me perguntava.

— Dona Regina — eu tentava não ser mal-educado —, eu não fico ouvindo a conversa dos outros.

— Não fique com vergonha. Às vezes, não faz mal ouvir a conversa alheia. Eu tenho certeza que você escutou, mas não quer me dizer. Diga! Eu não conto pra ninguém que você me contou.

— Eu realmente não sei, dona Regina.

E se soubesse não lhe contaria.

E ela acreditava. Eu acho.

Depois ela sabia pra rua, toda inquieta, querendo saber as notícias sobre o filho da dona Margarida.

Além da sua intromissão na vida de Deus e o mundo, dona Regina também tinha um defeito que me enfurecia depois de algum tempo. Às vezes, todos nós pedimos desconto, mas dona Regina era todo dia. E no maior descaramento.

— Essa vassoura é R$3,65. Você faz por R$3?

— Olha, dona Regina. Eu sou funcionário. Eu não posso…

— Mas eu estou pagando à vista.

— Mas…

Eu fui obrigado a dar o desconto para a simpática senhorinha.

Depois de muito me azucrinar, eu fui conversar com o meu patrão. Contei a situação e ele me deu a liberdade de somar sempre alguns centavos a mais.

— Quanto deu? — ela perguntou.

Tinha dado R$5,40.

— Deu R$6,50.

— Você faz por R$6.

Eu ficava impressionado como ela tinha o descaramento de pedir desconto numa comprinha tão miserável feito aquela. Não me importava se estava pagando à vista. Queria ver se ela conseguiria um desconto num hiper-mercado.

— Faço, dona Regina.

Apesar de tudo, dona Regina era honesta. Ou, pelo menos, aparentava.

Ela tinha comprado uma dúzia de ovos e dois refrigerantes — “Faz por R$6?”. Ela saia com uma sacola pesada e outra com os frágeis ovos brancos.

Não sei se foi premonição, mas eu acho que senti que ela não conseguiria segurar aquelas duas sacolas. Não deu outra. Os ovos caíram no chão.

Eu corri logo para ajudá-la e ofereci outros ovos.

— Não se importe, Beto. Eu levo quebrado.

— Claro que não, dona Regina.

— Não se preocupe.

— Me dá a sua sacola, dona Regina.

Eu senti que ela segurava a sacola com uma força desnecessária. Meus olhos encontraram os dela. Eu não consegui ler seus sentimentos por aqueles olhos verdes.

Peguei a sacola e fui trocar os ovos.

18 ovos? Ela tinha dito que tinha pegado uma dúzia. Ela queria levar mais seis como brindes. E ainda pediu desconto?!

Tirei os quebrados e coloquei uma dúzia de ovos inteiros. Entreguei para ela. Eu senti que ela esperava que eu dissesse alguma coisa. Mas eu não disse nada.

Eu poderia me vingar, fazendo com que ela sentisse o que os outros sentiam quando eram malditos pelas costas. Mas não. Preferi ficar calado.

Fiquei impressionado como dona Regina soube guardar um segredo.

Um comentário:

Anônimo disse...

não gostei muito.